Ugo Giorgetti rompe com sisudez dos filmes sobre ditadura e produz crônica colorida, multifacetada e sem clichês sobre período
Por José Gerado Couto*
A memória histórica (livros e filmes sobre um determinado período), a exemplo da memória individual, costuma ser bastante enganosa: tendemos a ver de modo chapado, contínuo e linear aquilo que era desordenado, contraditório, multifacetado.
A época da ditadura militar, consagrada no clichê “anos de chumbo”, em geral aparece nos filmes assim: uma tensão permanente, rostos taciturnos, punhos crispados, discursos inflamados, um perigo em cada sombra. Aliás, a julgar por nosso cinema, era sempre noite. Parafraseando (e invertendo) Drummond, não havia manhãs naquele tempo.
Uma exceção, até agora, tinha sido O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger, mas ali havia um álibi: era o período visto pelos olhos de uma criança. Artifício semelhante tinha sido usado por John Boorman em suas lembranças de Londres bombardeada na Segunda Guerra, em Esperança e glória, e por Marcelo Piñeyro em sua visão da ditadura argentina, em Kamchatka. (mais…)