GTA protocola representação na OIT contra o governo brasileiro e portaria AGU 303

O Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) protocolou esta manhã o Ofício nº 108/2012, datado de ontem, 13 de agosto de 2012 e dirigido à Organização Internacional do Trabalho – OIT. No ofício, o GTA “faz representação contra o governo brasileiro, devido à publicação da Portaria Nº 303, da AGU”. A seguir, o documento:

O Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, entidade constituída durante a ECO-92, ocorrida em 1992, no Rio de Janeiro, congrega mais de 600 organizações da sociedade civil espalhadas pelos nove estados da Amazônia Legal, com 20 Coordenações Regionais, encaminha à Organização Internacional do Trabalho – OIT representação contra o Governo brasileiro, em face da publicação da Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU) que trata sobre a demarcação de terras indígenas.

O Brasil ratificou em 2002 a Convenção 169 da OIT, assumindo o compromisso de informar periodicamente a OIT sobre a sua aplicação. A convenção foi primeiro documento vinculante que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas e tradicionais. O fundamental na Convenção é a garantia que os povos indígenas têm de serem consultados sempre que tratar de seus interesses, tendo assegurado o direito de definir suas prioridades de desenvolvimentos, na medida em que afetam suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.

A Portaria 303 foi publicada em 17 de julho passado regulamentando a atuação de advogados públicos e procuradores em processos judiciais envolvendo a demarcação das Terras Indígenas em todo o território brasileiro. A medida da AGU estende para todos os processos demarcatórios, inclusive os já finalizados, a obrigação de seja observadas e cumpridas todas as 19 condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, fosse mantida em terras contínuas.

A decisão da AGU fere vários Artigos da Convenção 169 – OIT, conforme segue:

ARTIGO 4º
1. Medidas especiais necessárias deverão ser adotadas para salvaguardar as pessoas, instituições, bens, trabalho, culturas e meio ambiente desses povos.
2. Essas medidas especiais não deverão contrariar a vontade livremente expressa desses povos.

ARTIGO 6º
1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem;

ARTIGO 7º
1. Os povos interessados terão o direito de definir suas próprias prioridades no processo de desenvolvimento na medida em que afete sua vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual e as terras que ocupam ou usam para outros fins, e de controlar, na maior medida possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, eles participarão da formulação, implementação e avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que possam afetá-los diretamente.

ARTIGO 8º
4. Os governos deverão tomar medidas, em regime de cooperação com os povos interessados, para proteger e preservar o meio ambiente nos territórios habitados por eles.

ARTIGO 13
1. Na aplicação das disposições desta Parte da Convenção, os governos respeitarão a importância especial para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, sua relação com as terras ou territórios, ou ambos, conforme o caso, que ocupam ou usam para outros fins e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.
2. O uso do termo terras nos artigos 15 e 16 incluirá o conceito de territórios, que abrange todo o ambiente das áreas que esses povos ocupam ou usam para outros fins.

Nesse sentido, entendo o GTA, a AGU, ao publicar a portaria, desrespeitou a Convenção 169 – OIT, manipulando uma decisão do STF, exarada para uma situação determinada e precisa, em face dos inúmeros conflitos existentes, para que todos os casos de processos demarcatórios sejam revistos, colocando em risco a integridade dos Povos Indígenas brasileiros, o que exige um posicionamento firme da Organização Internacional do Trabalho para que a medida seja revogada, já que o Brasil, além de signatário da referida convenção, tem assento permanente no Conselho de Administração da OIT, devendo ser exemplo na aplicação da convenção internacional.

Verificamos que a AGU, ao retalhar a Convenção 169 – OIT, cede a pressão dos ruralistas, antecipando o que o setor tenta tornar lei, através Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que propõe o condicionante para que as terras indígenas sejam demarcadas a aprovação do Congresso Nacional. Isso significará que não haverá mais nenhum território indígena demarcado no país.

Entre as condicionantes (ou “salvaguardas institucionais”, conforme diz o texto da portaria) estão a proibição à comercialização ou arrendamento de qualquer parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas; a exigência de que os índios obtenham permissão para a garimpagem em seus territórios; além da proibição à ampliação das reservas já homologadas e a obrigatoriedade de que os processos já finalizados sejam revistos e adequados às novas normas.

A medida da AGU provocou uma reação muito grande das organizações socioambientais de todo o Brasil, o que torna urgente um posicionamento da OIT face a essa situação de grave risco aos povos indígenas brasileiros.

Postado por Michael F. Schmidlehner em http://www.acrealerta.com.br/colunista/michael/wp-content/uploads/2012/08/Of%C3%ADcio-108-2012-OIT-Portaria-303-AGU.pdf

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