João Paulo, editor de Cultura
De uns tempos para cá, todo dia nos deparamos com deprimidos. Não se trata de tristeza, desânimo, infelicidade ou fossa, mas depressão. As palavras não são neutras. A força que o termo depressão assume entre os estados de ânimo contemporâneos tem muitos sentidos. Em primeiro lugar, aponta para um contínuo que tem na outra ponta a ideia de felicidade como euforia e prazer. Assim, aquele que de alguma forma não se reconhece no padrão, quase sempre marcado pela possibilidade do consumo conspícuo e pelo exercício do poder sobre o outro, sente-se diminuído. A depressão é o lugar dos fracassados.
Outra dimensão que dá substância à palavra é sua pretensa origem orgânica. O deprimido é um doente, alguém a quem falta algo (serotonina, neurotransmissores e outros ingredientes que deveriam estar sendo fabricados por nosso cérebro e glândulas) que deve ser reposto. A cura para a depressão é a dosagem ideal de medicamentos que realizem com eficiência o que falta em nosso organismo. A depressão é o lugar da falta e da incompetência do corpo.
Por fim, a doença nervosa que infelicita tanta gente tem marcas típicas de nosso tempo. Numa sociedade que não é apenas competitiva, mas excludente, vive-se com a ameaça constante de que podemos ser, amanhã, a bola da vez. Se todos são descartáveis em algum momento da sua trajetória, a proximidade desse destino, pior que a morte, nos solapa a dignidade humana de ser apenas gente. A depressão é o lugar dos que ocupam um lugar que não é mais deles. (mais…)