A dor da interdição

Violência contra a mulher tem fundamentos históricos que podem ser reforçados por ideologias religiosas e políticas, que são reproduzidas na educação que alimenta preconceitos machistas

Inez Lemos*

No filme A separação, Nader e Simim possuem posições diferentes sobre o Irã. Simim quer sair do país em busca de melhores oportunidades para a filha, Termeh. Nader prefere ficar e cuidar do pai, que sofre de Alzheimer. Chama-nos atenção a forma determinada e absoluta como Nader lida com o conflito familiar. Sempre frio e certeiro em suas posições. Simim reclama da incapacidade do marido em demonstrar afeto e carinho – em nenhum momento este pediu a ela que ficasse, que desejava tê-la ao seu lado. Sem a esposa para cuidar da casa, Nader contrata uma empregada grávida.

Num momento de fúria, Nader a empurra e esta alega que perdeu o bebê devido ao tombo provocado pela agressividade do patrão. Assim, somos jogados num festival de neurose envolvendo maridos, esposas e filhas. A situação de conflito em que os envolvidos não assumem responsabilidades transforma-se em palco de insanidades. E se intensifica quando ocorre em países regidos por religiões que permitem a radicalização fundamentalista.

A humanidade foi marcada por homens totalitários como Hitler, Komeini, Kadhafi – exemplos de força e violência contra os mais fracos. Contudo, mesmo que o consentimento social de que alguém deva exercer o poder de forma absoluta e autoritária seja posta em xeque – vide as últimas revoltas nos países árabes –, muitas crianças ainda crescem acreditando numa verdade absoluta e odiando todos que tentam contrapô-las ou questioná-las. Tanto no Irã como no Brasil, muitos são os exemplos de violência contra a mulher. Diante de tantas tragédias, é fundamental investigarmos como está se constituindo, em nossos filhos, o imaginário masculino.

Freud desenvolve o conceito de Weltanschauung (visão de mundo), na tentativa de explicar que toda sociedade é regida por uma construção intelectual que se impõe como referência. Ela atua como um Messias que irá solucionar os problemas existenciais de forma universal, se esquecendo que cada sujeito possui uma singularidade que o diferencia de outro, principalmente em se tratando de sentimentos e emoções. O recurso ideológico que apregoa a supremacia masculina como forma de dominação é simplista e covarde. Seguir uma “visão de mundo universal” pode, a princípio, parecer confortável – nos desincumbe de responsabilizarmos pela condução de nossas vidas.

Muitas famílias ainda educam os filhos acreditando na superioridade do gênero masculino, o que é reforçado, no dia a dia, pela dinâmica social. Poucas são as mães que cobram dos filhos homens a mesma carga de tarefas com que cobram das filhas mulheres. Além do aspecto operacional, estas são inseridas no mundo dos sentimentos de forma diferente. A elas é permitido expressar angústias e fracassos. Chorar sempre foi prerrogativa do feminino. Aos homens é cobrado valentia e virilidade. Amparados no tripé: poder, sexo e dinheiro, crescem cultivando a idéia de que é preferível a morte à vergonha da derrota. Significantes como perda, conflito e dúvida, geralmente são banidos do discurso masculino.

Não deve ser fácil romper com o modelo de homem imposto por uma sociedade sexista, que cobra desempenho sexual e confunde virilidade com agressividade. Os garotos crescem presos num ideal de sucesso impregnado por uma concepção normativa, moralizante e vigiada. Aspectos tão mutiladores para o homem como para a mulher – culto exacerbado ao corpo e à beleza. Enquanto não questionarmos as opressões que o mundo atual lança sobre nós – homens, mulheres ou homoafetivos – não galgaremos um lugar ao sol. Cada época cria seus símbolos de opressão. Nem todos os homens desejam ser identificados à falocracia. Como romper com a cultura que valoriza o impulso agressivo como traço de masculinidade? Onde encontrar alternativas de vida que não apontem a paixão pelo poder e pela competitividade como prioritárias?

Papéis sexuais Muitas mães e pais acariciam mais as filhas mulheres por temerem que os filhos homens cresçam homossexuais. Esses logo são convocados ao mundo dos machos – abraços violentos, tapas nas costas, recalcando a necessidade de falar sobre temores, angústias e fracassos. Geralmente, a vida afetiva dos homens é sufocada sob máscara silenciosa e dissimuladora da dor de existir. Como lidar com o vazio, a falta de sentido e a tragédia do desamparo? A intimidade, muitas vezes, nos prende em cavernas abissais. O fogo incendiário que arde e desassossega é inerente à condição humana. Saber suportar os abismos subterrâneos é coisa para gente grande, exige sabedoria, seja do gênero masculino ou feminino.

Há um apelo subliminar para que os homens, quando se sentirem ameaçados ou interditados em seus planos, ajam com violência. Muitos pais reforçam a importância de o filho não levar desaforo para casa. A lição é devolver a agressão recebida. Talvez isso nos ajude a avançar no debate sobre a violência contra a mulher, tema que dominou, nos últimos dias, as páginas dos jornais. Cenas de estupidez são recorrentes entre casais, levando a mulher a pedir separação. Geralmente, quando o namorado ou marido depara com um não, ou situações que os coloquem em desvantagem, eles reagem de forma violenta. A violência, assim, insere-se no campo da linguagem. Significa que, quando somos incapazes de simbolizar os incômodos pela linguagem, escolhemos mecanismos que nos livrem do embate. A palavra é a espada dos sábios – o sujeito se enuncia pela fala.

Interessa investigar por que os homens são suscetíveis às contrariedades e derrotas. A violência se apresenta quando eles são destituídos do poder, da suposta superioridade que, por portarem o representante fálico, crescem na ilusão de a possuírem. É como se eles estivessem, pela primeira vez, se deparando com as interdições da vida. Homens vaidosos, ricos, mulherengos e ciumentos, geralmente não suportam que coloque em risco a trajetória de sucesso. Perder este lugar é da ordem do insuportável. A maioria não foi educada para enfrentar opiniões divergentes, ser questionada e suportar a vergonha do fracasso. Qualquer avaliação soa como insulto.

Muitos preferem preservar o casamento, mesmo quando ele já acabou – preservam a si e à boa imagem: separação ainda é sinônimo de naufrágio e declínio. Resquício de uma sociedade patriarcal e patrimonialista, que sacraliza o casamento e marginaliza os direitos da mulher. Atributos que potencializam violência. Aos pais que desejam outro futuro aos filhos, o melhor é, desde cedo, educá-los no conflito e interditá-los nos excessos. Não os poupar das adversidades. Situações constrangedoras fazem parte da vida. Como superá-las, assumindo responsabilidades e fragilidades?

Expressão do conflito Conflitos são inerentes à existência humana, como dúvida e contradição. Situações que estão relacionadas tanto a fatores externos como internos. Tentar escapar deles é estratégia recorrente ao gênero masculino. Poucos homens enfrentam questões polêmicas pela palavra – fogem se justificando diante das dificuldades em assumir posições. O que reforça a incapacidade de se envolverem na incompletude da vida: ciúme, ressentimento, raiva e dor. Vida íntima, vida interior. O que nos bole por dentro? Como testemunhou Henry Miller: “A vida é conflito, e o homem, sendo parte da vida, é ele próprio uma expressão do conflito”.

A linguagem dos sentimentos é universal – emoção, alegria ou tristeza. Aprender, desde cedo, que não mentir sobre eles, é não trair a si mesmo. A questão não é moral, mas corporal, pulsional. O corpo que registra tristeza não consegue se vestir de alegria. Dissimular sentimentos é pecado, deveria ser proibido, pois gera sofrimento a quem deles escapole. Quanto menos nos permitimos sentir e desejar, mais atentos ficamos em restringir o desejo e os sentimentos dos outros.

Violência é sintoma e revela como inserimos os filhos na cultura e na lei. Efeito de sociedades que conservam o androcentrismo como paradigma – apregoa o machismo como valor, sustentando posições de um Brasil patriarcal e patrimonialista. Algumas garotas crescem tendo o casamento como ideal de vida, e valorizam em demasia a companhia masculina. Sacralizamos a mulher casada e supervalorizamos a maternidade. Incentivamos a manter relacionamentos conturbados. O lugar da vítima sempre foi sustentado pelo feminino. Melhor não seria, desde cedo, ensiná-las a amar mais a vida do que contaminá-las com o imperativo do casamento? Felicidade é construção, é retomada de si e desejo de saber mais do mundo.

Inez Lemos é psicanalista.

http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2012/02/25/interna_pensar,25982/a-dor-da-interdicao.shtml

Enviada por José Carlos.

Comments (4)

  1. COMBATE RACISMO AMBIENTAL
    SÃO PAULO 05 DE JANEIRO DE 2014
    A DOR DA INTERDIÇÃO LEI ESCRAVOCRATA NO BRASIL
    A violência tem características que atuam de varias formas no Brasil, onde muitos seres humanos vedam os olhos para não enxergar a injustiça social. Será que o Brasil é preparado no procedimento de fazer interdição do ser humano? Qual será o interesse de fazer uma interdição? Qual será a assistência e fiscalização no decorrer do ato, e após como os órgãos acompanham em favor do interditado? Porque a trajetória de um fato no Brasil, só tem repercussão se for mostrado pela mídia!”As cidades grandes são privilegiadas, e o sertão fica abandonada. dezembro de 2013 fez quatro anos que tive que abandonar a minha casa, Em Pirapora MG. porque tive um convívio com um interditando. o conflito Permanece, atingiu várias vidas. Inclusive o meu neto Gustavo que foi grande vitima com riscos no decorrer do fato. Porque fazia parte do meu convívio, ele não tinha nada haver com o caso. Somos jogados num festival de neurose. As leis brasileira nos amedronta, porque todas questões judiciais depende de advogado. Eles com ajuda e participação de familiares com seus interesses particulares. Nesse caso éramos três pessoas vulneráveis sem defesa. Quando foi contratada a advogada no caso do Sr. Osmar, em vez da mesma ajudar o mesmo a se reintegrar a sociedade.A ADV atuou de forma com ordens absoluta e autoritária. A sua conduta foi levado ao conhecimento da OAB. Gerou o processo disciplinar 2268/2011. Como a ADV conduz a situação dos autos até a presente data? Dezembro de 2009, para finalizar o processo , ADV agiu com várias determinações, abuso de autoridade certificação no idade, junto com uma cúpula social, desvirtuando verdades em juízo. Me mandou sair de Pirapora MG. Nos deixando sem recursos. Qual os meios que A Dra. Encontrou para Solucionar, sanar a obscuridade existente nos autos para veracidade jurídica? Que está no parquet, sobrestado por decisão judicial. A contravenção na vida do Sr. Osmar, será que foi por causa da descoberta de um processo que estava em andamento com a previdência social ou da interdição? Que está sobre segredo de justiça. A ordem dos advogados do Brasil, que é de grande valia perante a sociedade Brasileira, da moralidade pública da justiça e da paz social. Deve apurar com rigor os profissionais que agem de má fé e que não proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais nos atos do seu oficio. E não usar o nome da OAB, como mostra a carta que enviaram para intimidar o cliente. Devido ao desfavoreci mento, omissão e acusação inverídica a minha pessoa com um deferimento anexado no processo. Eu sem defesa e devido pendências que fiaram sem esclarecimentos! Eu, escrevi para o direitos humanos, para que haja seguridade no meu direito de ir e vir, no decorrer da minha estádia quando eu estiver na minha casa em Pirapora MG. Em setembro de 2013 cheguei em Pirapora MG. Observando determinadas medidas sendo executadas, fui ao órgão competente para rever o processo e me surpreendeu! Fiquei intimidada. Tentando esclarecimento, fui em um trajeto obrigatório do Sr. Osmar e abordei para saber se ele tinha ciência do andamento do processo e quem era as testemunhas, ele alegou continua tudo do mesmo jeito ninguém me fala nada. Mas devido a transparecia do Sr. Osmar, Que não era a mesma que esta nos vídeos, procurei me recuar. Com outros fatos isolados que está acontecendo relacionado ao caso do Sr. Osmar, procurei recurso em órgãos de Pirapora a característica foi rejeição. Ao excelentíssimo Srsª da justiça que haja certificação no curso do processo 0512.09062095-0 para que
    na decisão do juiz não fique duvidas.
    Atenciosamente:
    Marlene Alves de Oliveira Souza.

  2. são paulo 11 de novembro de 2012
    interdição lei escravocrata no brasil
    É um racismo ambiental com dramas na vida real e sua liberdade restrita e a pessoa que envolver com ele sofre consequencias dramaticas e dificil de se defender com a injustiça social usando os parametros da lei.
    Eu tive um convivio com um homem, eu sabia que ele teve depressão, com o decorrer do tempo começou as complicações, ele era interditado com um laudo de esquisofrenio. Dentro das circuntancias no convivio decidimos contratar o serviço de uma advogada que disvirtuou o fato em juízo. Processo: 051209062095-0 as consequencias sofrida eu Marlene e meu neto Gustavo por causa desse processoé inreparavel, sem entender porque as advogadas mandaram eu ir embora da cidade de Pirapora protestei as testemunhas na OAB de Minas Gerais processo disciplinar N: 2268-201 inclusive 25-05-2012 fui intimada para uma oitiva na OAB de MG Pirapora, em uma sala como reu, a Dr. ordenou que eu tinha que ouvir as testemunhas calada, e não pode falar nada e sem drama.Eu sem saber qual era a procedencia da oitiva. Sem defesa,me deu um panico! Porque todas as testemunhas faziam parte do processo da interdição desde o inicio.A minha unica defesa foi colocar no you tube: marelene. wmv em um vapor no rio sao francisco. Por que o sr. que eu convivia aparentemente apresentava bem fisico e mental. A medicina evoluiu mas, a mentalidade humana é imprevisivel na atitude do seus atos. Como mostra a midia, caso suzana richthofen mãe psiquiatra, Nardone caso a menina Isabela, caso Fernando e a psicologa silva foi um grande impacto”interdição”? moradores de rua que acharam dinheiro e entregaram ao dono etc.
    O Brasil deu um passo com a Lei N:10.216 na reforma da saúde mental. O ministério da saúde deve continuar com a luta, fiscalizando para inibir a prepotencia, desmando dentro da area da saúde. E que tenha equipes capacitadas, qualificadas, e com conhecimento de forma com os problemas, para ajudar o paciente. e se for psiquiatrico ajudar a se reentegar a sociedade e ser respeitado como ser humano.
    A justiça brasileira, precisamos de mudanças nas leis! Mas, que seja cumprida de formas que todos são iguais perante as leis, sem distinção de natureza. Para que não usem o arbritário da lei caracterizando dano social, com a complexidade do processo da “interdição”, e realidades que vivemos no nosso País. Eu Marlene mulher idosa, é viver desafios agressivos e disrespeitoso no direitos de cidadania.
    Me sinto um grão de areia nesse universo.
    MARLENE A. O. SOUZA

  3. Saõ Paulo 29-02-2012.Abondade infinita tem braços tão grandes que involvem qualquer coisa que se volte contra ela.E a imaginação é mais inportante que a sabedoria. atenciozamente………marlene……….

  4. SÃO PAULO 27-02-2012.Conflitos são inerentes á existensia humana,MAS A INJUSTIÇA SOCIAL NOS DEIXA OPRIMIDA.Tive uma uniaõ estavel com um interditando.quando tive conhecimento do caso,buscamos ajuda em todos orgãos da cidade de PIRAPORA MG.Sem êxito,o mesmo tem um atestado de esquizofrênico.Foi contratada uma ADV.que atuou disvirtuandofato e dentro da lei,processo:051209062095-0.Eu protestei a mesma na OAB.MG.está no conselho de ética n:2268/2011.Na TV.O promotor fala da mudansa das leis no Brasil.Eu me sinto um gão de areia.Está no youtube marlene.wmv em um vapor no rio são francisco.O homem que foi dopado para manter á interdição.O BRASIL, presiza de mudança e fiscalização,para inibir os poderosos.Para poder-mos ter direito direito a democratização e justiça…atensiozamente…MARLENE.

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