Adriana Britto* e Alexandre Fabiano Mendes**
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 prevê a assistência jurídica integral e gratuita como direito fundamental (art. 5º, inciso LXXIV), e tratou de forma pioneira da Defensoria Pública, considerada como instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134), com a incumbência de prestar a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, que pressupõe a defesa dos direitos individuais e coletivos em sentido amplo, a fim de garantir que seja prestada a tutela jurisdicional adequada, capaz de permitir o acesso à ordem jurídica justa.
A Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009, que alterou a Lei Complementar nº 80, de 94, trouxe significativos avanços com relação à estrutura da Defensoria Pública e à regulamentação da autonomia, e também ampliando significativamente suas funções institucionais.
Nesse contexto, a Defensoria Pública é definida como instituição permanente e expressão do regime democrático, comprometida também com a defesa dos direitos humanos, valendo destacar os seguintes dispositivos, que tratam da definição legal da Defensoria Pública e de seus objetivos.
Além de incumbir a Defensoria Pública da defesa dos direitos humanos e da cidadania, a LC 132/2009 normatiza a nova dimensão que se espera da instituição, voltada para a tutela preventiva (a partir da educação em direitos), para a tutela extrajudicial (com a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos) e também para a tutela coletiva, a partir do que se deve inserir a defesa intransigente do direito à moradia adequada combinado com o princípio da função social da posse e da propriedade (CRFB e Estatuto da Cidade).
Com efeito, a falta de moradia adequada é um problema que atinge milhares de brasileiros, sendo uma demanda essencialmente ligada ao público alvo da instituição, aos mais carentes desse país. Em muitos casos, temos assentamentos informais e precários, que não são dotados de condições mínimas de salubridade e habitabilidade, o que demonstra a ampla demanda pela regularização fundiária integral, capaz de garantir aos moradores o efetivo direito à cidade, com uma moradia adequada e cercada da infra-estrutura necessária.
Por outro lado, a dificuldade no acesso ao mercado formal de obtenção de propriedade, faz com que a maioria das pessoas e comunidades carentes sofram constantes ameaças pela insegurança da posse de suas casas, quando não chegam a ser vítimas de despejos forçados.
Pretendemos, portanto, a partir da contextualização do direito à moradia adequada como direito humano, apresentando os marcos normativos internacionais e internos sobre a matéria, analisar as novas atribuições institucionais criadas ou explicitadas pela LC 132/2009 que podem ser aplicadas com relação à defesa do direito à moradia.
Por fim, apresentaremos como modelo de atuação especializada a Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse da Defensoria Publica do Estado do Rio de Janeiro, tomando como base a experiência dos autores que atuaram no referido órgão por cerca de 2/3 anos (até abril de 2011), acompanhando mais de duzentas comunidades, sendo várias delas atingidas por projetos relacionados aos megaeventos esportivos que estão previstos para ocorrer em nossa cidade.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO À MORADIA ADEQUADA COMO DIREITO HUMANO E PARÂMETROS NORMATIVOS
O direito à moradia é essencial à dignidade da pessoa humana, sendo que a falta de moradia adequada impede o exercício de outros direitos como saúde, educação, trabalho e lazer. A propósito, vale destacar a lição da ilustre defensora pública Eliane Maria Barreiros Aina, que assim aborda a questão na obra “O Direito à Moradia nas Relações Privadas”:
“A moradia é uma necessidade premente do ser humano, pois precisamos de um local para abrigo das intempéries, descanso da labuta diária, acolher a entidade familiar, guarda dos bens, e que confira sensação de segurança, enfim, que garanta a sobrevivência com dignidade.” (AINA, 2002, p. 67)
O conceito de moradia adequada se desenvolve a partir dos tratados internacionais de direitos humanos, sendo parte integrante do direito a um padrão de vida adequado. Isso significa que não se trata de apenas de um espaço físico, sendo imperioso que tal moradia se dê em local com condições dignas, com segurança (sem ameaça de remoção) e cercado de toda a infraestrutura de água, esgoto, transporte, saúde educação etc.
Deve-se iniciar tal análise a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (ratificada pelo Brasil em 10.12.1948), que representa um dos mais antigos reconhecimentos do direito à moradia adequada, in verbis:
Artigo XXV: I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Contudo, à época ainda não havia uma preocupação específica com o detalhamento do que constituiria uma “moradia adequada”, limitando-se a declaração em estabelecer o direito humano à moradia. A mesma característica pode ser encontrada no Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (ratificado pelo Brasil em 24.04.1992 – Decreto Federal n. 591, de 06 de julho de 1992):
Artigo 11 (1): “ Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
Na década de 90, foi realizado um valioso esforço com relação à especificação do que estaria abrangido no conceito de moradia adequada.
Nesse sentido, foi editado o comentário geral no 4 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que se tornou o principal instrumento de interpretação do direito à moradia adequada.
A partir do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os direitos previstos no artigo XXV, da Declaração Universal, passam a ter um tratamento específico.(…)
O artigo 11 deste Pacto contém o principal fundamento do reconhecimento do direito à moradia como um direito humano, do qual gera, para os Estados-partes signatários, a obrigação legal de promover e proteger esse direito, sendo este o principal fundamento par o Estado Brasileiro ter essa responsabilidade, uma vez que o Brasil ratificou não somente esse Pacto, mas também o de Direitos Civil e Políticos no ano de 1992. (SAULE JUNIOR, 2004, p. 91)
Segundo o Comentário do Comitê das Nações Unidas, o primeiro elemento fundamental do direito à moradia, é a segurança jurídica da posse, garantida através da seguinte redação: “todas as pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamento e outras ameaças”.
Outro Comentário do Comitê extremamente relevante é o no 07, que trata somente dos despejos forçados, demonstrando a preocupação internacional com essa violação ao direito à moradia.
Nele, os compromissos adotados no Comentário no 04 são reafirmados, incluindo recomendação expressa aos Estados signatários para que tomem “todas as medidas necessárias” para que não haja nenhuma violação ao direito de moradia adequada, em especial através de despejos ilegais, estabelecendo uma série de exigências para que seja observado um devido processo legal pautado nas normas de direitos humanos.1
O Comitê expressamente afirma que “o procedimento utilizado em litígios relativos à moradia não pode deixar os desalijados na condição de sem-teto, ou em situação de vulnerabilidade com relação aos direitos humanos, devendo os Estados signatários providenciar todas as medidas necessárias para ofertar uma moradia alternativa, o reassentamento ou o acesso à terra produtiva” (livre tradução do item 16).
Oportuno observar que, apesar de estarmos vinculados à aplicação dos referidos tratados internacionais, que define parâmetros que devem ser adotados pelo executivo, judiciário e legislativo, muitas vezes tais parâmetros são completamente ignorados, o que impõe a necessidade não só de divulgação de toda essa proteção ao direito à moradia adequada, mas também de haver uma reforma legislativa que possa incluir expressamente tais diretrizes na legislação interna.2
Além dos tratados internacionais de direitos humanos, temos um grande sistema de proteção do direito à moradia, a começar pela Constituição Federal de 1988 que o incorporou textutalmente, consagrando-o como direito fundamental, particularmente no rol dos Direitos Sociais do art. 6º, sendo seu componente principal o princípio da dignidade da pessoa humana, disciplinado no art.1º, III, já que, como mencionamos, o direito à moradia está atrelado a parâmetros mínimos de uma vida com dignidade.
Também na Constituição Federal encontramos um capítulo próprio sobre a política urbana, que privilegia a função social da cidade e da propriedade, determinando que a política de desenvolvimento tem por objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182), corroborando o que já consta elencado no rol dos direitos fundamentais do art. 5º, inciso XXIII, que é a função social da propriedade.
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que se destina a regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, também subordina a propriedade ao cumprimento de sua função social, e cita expressamente o direito à moradia em seu artigo 2º.
Apesar de ser estabelecido na própria Carta Magna a vinculação da propriedade ao atendimento de sua função social, observamos ainda uma grande resistência do Poder 5 Judiciário no reconhecimento dos direitos dos possuidores, negando efetividade aos comandos constitucionais.
Com isso, fica prejudica a segurança da posse, tão preconizada nos marcos internacionais já mencionados, e que também pode ser defendida a partir do reconhecimento da função social da posse e da propriedade, conforme disposto no próprio art. 1.228, §1º do Código Civil, limitando os direitos do proprietário que não cumpre a função social e protegendo os direitos do possuidor que a exerce com fim social.
Sobre a função social da posse, com muita propriedade se manifestou a defensora pública Ana Rita Vieira Albuquerque, na obra “Da Função Social da Posse – e sua conseqüência frente à situação proprietária”, conforme se transcreve abaixo:
A função social da posse representa uma alteração do paradigma do conceito da posse, maximizando-o, para visualizar, ao lado dos elementos internos, que são a apreensão física da coisa e a vontade, um outro elemento que compõe esta vontade, qual seja, a sua utilização econômica, e um elemento externo – a consciência social, tal como proposta na doutrina de Salleilles. A composição de todos esses elementos torna clara a função social da posse e a necessidade de proteção da posse pela posse em si mesma, como direito indeclinável do possuidor, ainda que diante da situação proprietária. (ALBUQUERQUE, 2002, p. 208)
Portanto, é possível identificar uma série de avanços legislativos e políticos com relação ao direito à moradia e à segurança da posse, que devem pautar a atuação da Defensoria Pública, promovendo a proteção integral dos direitos humanos.
Importante salientar que os parâmetros normativos acima indicados devem fundamentar todo o trabalho da Defensoria Pública com relação à defesa da moradia adequada, não servindo apenas para a defesa judicial, mas também e, primordialmente, na educação em direitos e na mediação de conflitos em face do poder público e de particulares.
3. PANORAMA DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DE ACORDO COM A LC 132/2009 E DEFESA DO DIREITO À MORADIA
Importante fazermos um panorama das atribuições institucionais a partir da nova redação ou inclusão de incisos ao art. 4º da Lei Complementar nº 80/94 (Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: …), no que diz respeito às atribuições que podem se correlacionar com a defesa do direito à moradia.
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus
Trata-se da função básica da instituição, que corresponde à assistência jurídica integral prevista na Constituição Federal, o que significa não só o ajuizamento de ações e o acesso ao judiciário (assistência judiciária) mas pressupõe também o aconselhamento, a obtenção de informações, enfim, a orientação acerca dos direitos, o que tem um cunho preventivo ao conflito, tanto individual quanto coletivo.
No aspecto coletivo da orientação jurídica é possível desenvolver de forma mais efetiva a educação em direitos, função ressaltada pelo novo inciso III do artigo em comento, o que será objeto de comentários abaixo.
II – Promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflitos de interesse, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos.
A busca de solução extrajudicial aos conflitos já constava na redação original da LC 80/94, mas foi enfatizada pela nova Lei Complementar, que cuidou de citar nominalmente as formas alternativas de resolução de conflitos, sem prejuízo de outras técnicas de composição de conflitos.
Vale lembrar que o conceito de acesso à justiça não se confunde com acesso ao judiciário, que muitas vezes acaba sendo obstáculo para se alcançar a justiça, razão pela qual tem se priorizado as soluções alternativas que garantam a solução do conflito de forma mais célere, representando a almejada pacificação social.
Dessa forma, a composição de conflitos passa a ser mais ágil e eficaz, desafogando o Judiciário, e se mostrando em plena consonância com uma das tendências modernas do processo civil, que consiste na valorização e na busca de meios alternativos de solução de conflitos (WATANABE, 1988, p. 132).3
Importante destacar a eficácia dos acordos firmados pelo defensor público, pela possibilidade de ensejarem uma execução judicial em caso de descumprimento, uma vez que o art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil enumera dentre os títulos executivos extrajudiciais o “instrumento de transação referendado pela Defensoria Pública”.
Relevante salientar que o novo §4º do art. 4º, que menciona que “o instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público” , o que mostra a relevância de se priorizar a celebração de tais acordos.
A propósito, verifica-se que a defesa do direito à moradia pode ser feita, ou melhor, deve ser feita, em primeiro lugar, na esfera de mediação e conciliação de conflitos, máxime em se tratando de conflitos coletivos, que são tão comuns, infelizmente.
Note-se que muitas vezes o poder público é o principal violador dos marcos legais de direito interno e internacional acima enumerados, abusando do poder de polícia com a retirada sumária de pessoas de suas moradias, e demolição das mesmas, sem garantia do devido processo legal; e também ficando omisso quando ocorrem despejos forçados que deixam dezenas de famílias na condição de “sem-teto”, sem apresentar qualquer auxílio ou alternativa habitacional.
Com isso, mostra-se indispensável que a Defensoria Pública busque canais de diálogo entre as comunidades envolvidas, o poder público e outras instituições e entidades, na busca de soluções democráticas e participativas que garantam a proteção da dignidade das famílias envolvidas.
III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico
A inovação da LC 132 de 2009 se mostra em tal inciso, destacando o papel da Defensoria Pública na educação em direitos. Mais do que a orientação jurídica de cada caso, respondendo às indagações do assistido que procurou o órgão de atuação, temos aqui nítida a missão de difundir e conscientizar a população acerca dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico, o que demanda uma atuação pró-ativa e preventiva, permitindo o acesso à informação.
Sobre a relevância do direito à informação, oportuno trazermos o comentário de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que o apresenta como primeiro elemento ao tratar do princípio da acessibilidade, relacionado ao acesso à justiça. Em suas palavras:
Esse dado, o direito à informação, como elemento para garantir o acesso à justiça em países em desenvolvimento como o nosso, é tão importante como o de ter um advogado, um defensor, que esteja à disposição daqueles necessitados que, conhecedores de seus direitos, querem exercê-los.
Trata-se de pessoas que não têm condições sequer de ser partes – os „não partes? são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país. (CARNEIRO, 1999, p. 58)
Já com relação à vinculação da Defensoria Pública com a promoção da cidadania, cabe mencionarmos a observação de Diogo De Figueiredo Moreira Neto, que destaca que dentre as instituições de provedoria de justiça, a Defensoria Pública mereceria destaque para a realização da plenitude da cidadania, diante de nosso contexto social de exclusão:
Sem Defensoria Pública, parcela substancial, quiçá majoritária da sociedade, estaria condenada à mais execrável sorte de marginalização, além das que já sofrem, a econômica e a social: a marginalização política. Condenados, os necessitados, a serem cidadãos de segunda classe, perpetra-se o mais hediondo dos atentados aos direitos, liberdades e garantias constitucionais, impossibilitando que na sociedade brasileira se realize o Estado de Direito – pela ilegalidade sem sanção; se afirme o Estado Democrático – pela cidadania sem ação; e se caminhe para o Estado de Justiça – pela imoralidade sem oposição. (MOREIRA NETO, 1995, p. 25)
Uma vez reconhecido o direito à moradia como direito humano, revela-se a necessidade de difundir tal conceito bem como disseminar os aspectos que envolvem o direito à moradia adequada, sendo importante considerar que tal direito é essencial para o exercício da cidadania e de tantos outros direitos também fundamentais, pois sem uma moradia adequada é muito difícil ter acesso à saúde, à educação etc.
Nesse sentido cabe destacar a campanha nacional “Cidadania começa em casa. Defensores Públicos pelo direito à moradia”, lançada pela ANADEP (Associação Nacional de Defensores Públicos) no dia 19 de maio de 2010 (Dia Nacional da Defensoria Pública), que se efetivou com a realização de atendimentos em sistema de mutirão em todo o país, informando o cidadão sobre diversos temas relacionados à moradia, e também com a edição de uma cartilha, em parceria com o Ministério das Cidades, pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos.
IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições
A atribuição em análise em muito se aplica com relação à defesa do direito à moradia, pois cada vez se mostra mais útil e necessária a atuação interdisciplinar em prol da máxima eficiência da atuação da Defensoria Pública, o que se aplica tanto em relação aos conflitos fundiários como também no processo de regularização fundiária.
Com efeito, o apoio técnico de engenheiros e arquitetos é relevante para que se possa implementar a regularização fundiária de forma autônoma pela instituição, o que pressupõe a elaboração de plantas individuais ou coletivas; também se mostra relevante a atuação de profissionais relacionados à área de engenharia e arquitetura para atuação nos conflitos fundiários, podendo analisar as condições dos imóveis ocupados, as condições de habitabilidade, segurança, o possível risco e formas de sua neutralização etc, ou mesmo auxiliar as comunidades com relação a obras e melhorias que desejem fazer em seus imóveis.
Além disso, vislumbra-se a possibilidade de atuação de tais profissionais como assistentes técnicos nos processos judiciais em que a perícia judicial é necessária, 9 garantindo subsídios à defesa das partes assistidas pela Defensoria, que, assim, alcançariam a almejada paridade de armas da relação processual, e o atendimento aos princípios da isonomia e do acesso à justiça.
Também se revela importante para garantir a maior eficácia da atuação institucional, a disponibilização de assistentes sociais, profissionais habilitados a lidar com as pessoas socialmente vulneráveis, devendo-se atentar que muitas vezes o atendimento envolve pessoas que vivem em moradias totalmente inadequadas insalubres, ou mesmo moradores de rua e “sem teto”, sendo fundamental o trabalho de tais profissionais para realização de cadastramento das famílias e identificação das demandas.
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor das pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias
Aqui se trata de promover a defesa do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos e judiciais, em todas as instâncias, o que revela que a atuação da Defensoria extrapola a defesa dos direitos subjetivos das partes envolvidas no processo, alcançando a defesa de valores e princípios constitucionais.
No caso da defesa do direito à moradia adequada, indispensável tal atuação, considerando que nos conflitos coletivos envolvem muitas vezes centenas de famílias e decorrem de atuação estatal que extrapola o poder de polícia, p.ex., violando os princípios acima indicados, e tornando necessário o ajuizamento de ação para garantir a plena observância de tais garantias fundamentais do cidadão.
Por outro lado, não é menos verdade que muitas vezes encontramos um poder judiciário afastado da realidade social, ignorando o princípio da função social da propriedade, com o deferimento de liminares sem observar os requisitos autorizadores da medida, permitindo reintegração de posse em casos de posse velha ou de total ausência de cumprimento da função social da posse pelo proprietário, em repetidos casos de abandono de imóveis etc, o que dificulta a resolução do conflito possessório de forma pacífica, democrática e garantidora dos direitos à moradia e à segurança da posse.
Em todo caso, é imperioso que os defensores públicos preconizem o direito à moradia adequada, questionando o descumprimento dos parâmetros internacionais de direitos humanos em todas as instâncias e utilizando-se de todos os recursos cabíveis, até mesmo em razão da necessidade de esgotamento das instâncias recursais para permitir denúncias internacionais.
VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos
A inovação da LC 132/2009 nesse aspecto se mostra condizente com os novos contornos dados à instituição, com a incumbência expressa de promover os direitos humanos (art. 1º), e tendo como um de seus objetivos a prevalência e efetividade dos direitos humanos (art. 3º), o que se aplica ao direito à moradia adequada, amplamente reconhecido como direito humano pelos documentos internacionais.
Assim, além de preconizar defesa do direito à moradia, em todas as instâncias, esgotando-se os recursos possíveis, verifica-se a possibilidade da Defensoria Pública apresentar denúncia internacional a Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que o Brasil reconheceu a competência de tal Corte e se submete a tal sistema de proteção de direitos humanos.
A propósito, vale relembrar o art. XI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, que estabelece que “toda pessoa tem o direito à preservação de sua saúde por meio de medidas sanitárias e sociais relacionadas à alimentação, vestuário, habitação e cuidados médicos, na extensão permita pelos recursos públicos e comunitários”.
Ademais, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969/1992) é aplicável na promoção dos direitos à moradia conforme o seu artigo XXI, que claramente subordina a propriedade ao interesse social, havendo também muitos outros documentos internacionais que trazem em seu bojo a proteção ao direito à moradia: Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965), Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação da Mulher (1979), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), Convenção dos Trabalhadores Migrantes (1990), Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), entre outras.
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes
A legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas já vinha sendo reconhecida em sede doutrinária e jurisprudencial, e poderia ser extraída do próprio texto constitucional, todavia, hoje se mostra inquestionável diante do arcabouço 11 legislativo vigente que afirma tal legitimidade de forma expressa, espancando qualquer dúvida porventura ainda existente.
Nesse sentido, temos a Lei n. 11.448/07, que incluiu a Instituição no rol de legitimados para o exercício da ação civil pública do artigo 5º. da Lei n. 7.347/85.
“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
(…)”
Com a edição da Lei Complementar nº 132, assegurou-se mais uma vez a legitimidade da Defensoria Pública para a tutela coletiva mediante todas as espécies de ações, sendo certo que a suposta restrição da atribuição à hipótese em que “o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes” corresponde ao consectário lógico da atuação institucional.
Vale esclarecer que a tutela coletiva pode até alcançar não hipossuficientes, seja em razão da impossibilidade de delimitação dos titulares dos interesses em jogo (interesses difusos), seja em razão da inexistência de uma homogeneidade do grupo quanto à carência econômica (interesses coletivos stricto sensu); o que não descaracteriza a legitimidade de atuação pois se estará promovendo a uma parcela dos destinatários da referida tutela, que é o público alvo da defensoria, a tutela jurisdicional adequada.4
Note-se que, quando falamos em tutela coletiva do direito social e fundamental à moradia, essencialmente estamos diante de hipossuficientes, ou seja, pessoas que não tem acesso à moradia adequada, daí a maior importância de se destacar tal atuação da Defensoria Pública, que assume uma dimensão política e social muito significativas. Vale observar que, embora o exercício da tutela coletiva pela Defensoria Pública venha se aprimorando e se tornando cada vez mais freqüente, especialmente em relação ao direito do consumidor, notamos uma atuação ainda tímida com relação ao direito à moradia.
Tal fenômeno, a toda evidência, não decorre da escassez da ocorrência de conflitos fundiários coletivos, urbanos ou rurais, em todo país, muito pelo contrário! Também não é de se desprezar a imensa demanda por implementação dos instrumentos previstos na Constituição Federal e no Estatuto das Cidades com relação aos assentamentos irregulares, a fim de possibilitar a todos a regularização fundiária plena e o acesso à moradia adequada.
Note-se que, em sede de tutela coletiva do direito à moradia, evidencia-se de forma cristalina o caráter preventivo, uma vez que a regularização fundiária de uma comunidade, por exemplo, confere maior segurança à posse exercida pelas famílias, afastando-se a ameaça de remoções e evitando-se conflitos individuais e coletivos decorrentes da posse.
Oportuno trazermos a análise apresentada por MASCARENHAS (1995, p. 70) que distingue a atuação da Defensoria Pública em duas categorias, as “tradicionais” e as “não tradicionais”, sendo que estas seriam aquela vinculadas aos Núcleos de Terras e Habitação, Defesa do Consumidor e Defesa da Cidadania, ocupando um espaço institucional novo, por traduzir “importante modificação da filosofia no que diz respeito à sociedade, aos conflitos que a permeiam e às formas de encaminhamento da composição desses conflitos”.
Insta consignar a eficácia política decorrente de tal atuação da Defensoria Pública, que pressupõe uma aproximação com os movimentos sociais, dando um novo horizonte para a Instituição, revelando uma função social ainda maior:
(…) articulando-se como os movimentos sociais e dispensando aos conflitos coletivos tratamento consentâneo com essa realidade, as Defensorias Públicas “não-tradicionais” evitam a dispersão de conflitos de grupo em conflitos individuais. Conseqüentemente, produzem uma maior visibilidade dos fatos econômica e socialmente relevantes e impedem a vulgarização e revelam a dimensão política desses conflitos. (…) Dessa forma, a Defensoria Pública participa do movimento de ampliação do Acesso à Justiça, atua como vetor da expansão do sentimento de cidadania e se engaja no esforço de construção de uma sociedade mais democrática. (MASCARENHAS, 1995, p.81)
X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela
Aqui temos o destaque à defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, onde se encaixa perfeita e necessariamente a defesa do direito à moradia, também considerado como direito social, sendo importante abordarmos com um pouco mais de atenção a questão da justiciabilidade dos direitos sociais e seus parâmetros.
A Emenda Constitucional n. 26/2000 erigiu o direito à moradia à categoria de direito social, cujo núcleo essencial é considerado direito fundamental até mesmo para as mais restritivas correntes constitucionalistas, sendo certo que, como já vimos anteriormente, a moradia é considerada direito fundamental em diversos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O Poder Judiciário, como parte da estrutura do Estado Brasileiro, deve estar atento aos compromissos assumidos pelo Brasil no cenário internacional, bem como aos direitos e garantias fundamentais consolidados em nossa Constituição.
As normas constitucionais que determinam a proteção, dentre outros direitos, da dignidade da pessoa humana e da moradia devem ser concretizadas no plano real pelo Poder Público, cuja liberdade de conformação está limitada pela necessidade de efetivação dos direitos básicos do cidadão.
Assim, tem-se que a discricionariedade na atuação da Administração é balizada pela consecução, ao menos, do núcleo essencial dos direitos fundamentais constitucionalmente elencados. A liberdade de conformação do Administrador é relativa, ela somente se apresenta quando atendidas as necessidades básicas do cidadão, o que significa que o Poder Público não é livre para investir, por exemplo, em publicidade e/ou subvenções a escolas de samba ou times de futebol quando não são satisfatórios os investimentos em moradia, saúde e educação.
Em outra esteira, é inadmissível que o Poder Judiciário continue a interpretar a Constituição da República como um mero protocolo de intenções, quando a força normativa da Constituição é amplamente reconhecida pela doutrina pátria e alienígena.
O professor Luis Roberto Barroso, comentando sobre a efetividade das normas constitucionais, leciona que, verbis:
“Embora resulte de um impulso político, que deflagra o poder constituinte originário, a Constituição, uma vez posta em vigência, é um documento jurídico, é um sistema de normas. As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral.
(…)
Disto resulta que o Direito Constitucional , tanto quanto os demais ramos da ciência jurídica, existe para realizar-se. Vale dizer: ele almeja à efetividade. Efetividade, já averbamos em outro estudo, designa a atuação da norma, fazendo prevalecer, no mundo dos fatos, os valores por ela tutelados. Ela simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Ao ângulo subjetivo, efetiva é a norma constitucional que enseja a concretização do direito que nela se substancia, propiciando o desfrute real do bem jurídico assegurado.” (BARROSO, 1990, pp. 282/283)
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Min. Celso de Mello em diversas oportunidades manifestou posição sobre o assunto. Podemos citar a seguinte decisão, de 18 de setembro de 2008, in verbis:
AI 677274/SP
Salientei, então, em tal decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração (como o direito à educação, p. ex.) – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de 14 inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
No entanto, não se desconhece que a justiciabilidade dos direitos sociais, isto é, a aptidão do Poder Judiciário para impor a implementação de políticas públicas pelos órgãos de governo, é alvo de grandes e aguçadas polêmicas.
Neste contexto, importa analisar a tese defendida por alguns juristas, de que cabe ao Poder Judiciário concretizar as condições necessárias para a participação de todos os indivíduos no debate democrático, sem o que se torna falacioso o argumento “democrático-orçamentário”.
Expoente da teoria sub examen, Cláudio Pereira de Souza Neto assim se posiciona a respeito do tema:
Como se sabe, em todo esse complexo debate sobre a relação entre fundamentação e normatividade, uma das áreas mais problemáticas é justamente a dos direitos sociais. Dentre as questões que ocupam o centro do debate contemporâneo, a que tem suscitado as polêmicas mais intensas é exatamente a aferição de em que grau de intensidade e de abrangência o Judiciário pode concretizar direitos que demandam prestações positivas do Estado, como é o caso da saúde, da educação, da moradia etc. É freqüente a alegação de que não cabe ao Judiciário realizar a concretização de tais direitos, visto que esta depende de opções de caráter orçamentário, a serem tomadas em cenários de escassez de recursos. A atuação social do Estado estaria condicionada à “reserva do possível”, razão pela qual a legitimidade para a tomada de decisões nessa seara seria do Executivo e do Legislativo, compostas por autoridades escolhidas pelo voto popular.
Contudo, adotando-se, como critério para a definição da fundamentalidade material dos direitos sociais, a noção de “condições para a cooperação na deliberação democrática”, o argumento “democrático-orçamentário” fica superado. Quando o Judiciário concretiza tais condições, a despeito da vontade da maioria, não está usurpando a soberania popular, mas garantindo seu pleno exercício. Se há ou não recursos para fazê-lo, esta é outra questão. O que importa, sob o prisma da legitimidade, é observar que a objeção democrático-orçamentária à atribuição de fundamentalidade aos direitos sociais incide em uma falácia, ao vincular duas questões distintas: uma é a da fundamentalidade material, que decorre do conteúdo da norma; outra é dos meios necessários para concretizá-la.
Uma norma não pode, evidentemente, deixar de ser considerada materialmente fundamental por apresentar maiores dificuldades de concretização”. (SOUZA NETO , 2006. p. 245 e 246) .
Outra teoria já consolidada no cenário jurídico brasileiro é a que alude ao chamado “mínimo existencial”, que se traduziria no núcleo essencial dos direitos sociais, ou seja, naquela parcela vital do direito sem a qual resta totalmente esvaziado o seu conteúdo.
O jurista Ricardo Lobo Torres, explica o conceito, in verbis:
Os mínimos sociais, expressão escolhida pela Lei no 8742/93, ou mínimo social (social minimum), da preferência de John Rawls, entre outros, ou mínimo existencial, como dizem a doutrina e a jurisprudência americanas, integram também o conceito de cidadania. Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto da intervenção do Estado que ainda exige prestações estatais positivas. (TORRES, 2001, p. 286)
Este núcleo intangível do direito, consubstanciador de condições mínimas de existência digna, define a esfera de fundamentalidade e, por conseguinte, serve de parâmetro para a atuação judicial positiva tendente a compelir o Administrador à efetivação dos direitos sociais.
O próprio jurista anteriormente citado, abordando o problema específico da moradia, considera obrigatória a prestação do Estado quando se trata de indigentes e sem teto, in verbis:
E o direito à moradia, é fundamental ou social? No que concerne aos indigentes e às pessoas sem teto a moradia é direito fundamental, integrando-se ao mínimo existencial e tornando obrigatória a prestação do Estado. Já as moradias populares ou de classe média se tornam direitos sociais, dependentes das políticas públicas e das opções orçamentárias. (grifamos) (TORRES, 2001, p. 289)
Note-se que a judicialização dos direitos sociais, conforme parâmetros acima expostos, permite que se dê visibilidade a pessoas excluídas da sociedade, a partir de demandas que muitas vezes são ignoradas, obrigando o judiciário a assumir sua parcela de responsabilidade na resolução do conflito, que pressupõe o compromisso de encontrar uma solução que proteja o direito fundamental à moradia.
4. EXEMPLO CONCRETO: ATUAÇÃO DA COORDENADORIA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E SEGURANÇA DA POSSE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA MEDIAÇÃO E MONITORAMENTO DE CONFLITOS POSSESSÓRIOS
Vimos até aqui o contexto no qual se insere o direito à moradia adequada, dentro do conceito de direito humano fundamental, integrado a uma grande rede normativa internacional e também no âmbito interno; também analisamos várias dimensões em que se pode preconizar o direito à moradia, a partir da análise das novas atribuições institucionais trazida pela Lei Complementar nº 132/2009.
Entendemos ser válido trazer o exemplo prático da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que, desde julho de 2008, criou a Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse 5, reunindo os já existentes Núcleo de Loteamentos e Núcleo de Terras e Habitação, que são considerados núcleos especializados para a promoção do direito à moradia adequada em âmbito coletivo no Rio de Janeiro.
O objetivo geral da implementação da Coordenadoria foi permitir a ampliação, a especialização e o aprimoramento da atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro no atendimento jurídico, amplo e gratuito, aos assentamentos precários, incluindo as habitações subnormais, e loteamentos irregulares ou clandestinos existentes no Estado do Rio de Janeiro, organizando o trabalho do Núcleo de Terras e Habitação na defesa jurídica da posse de seus assistidos, em casos de despejos coletivos, reintegração ou qualquer outro tipo de conflito que envolva a posse e a moradia de pessoas abrangidas por seu âmbito de atuação.
Nesse âmbito, intensificou-se o trabalho de monitoramento e mediação dos conflitos possessórios, com ênfase no cumprimento das diretrizes nacionais e internacionais relativas aos chamados “despejos forçados”, sendo realizado quando, sob qualquer fundamento (ordem judicial, exercício do poder de polícia, violência direta de proprietários, ação de grupos armados etc.), o direito à segurança da posse de uma coletividade e os direitos humanos correlatos (vida, saúde, integridade física) podem ser atingidos.
A atuação em comento se fundamenta nos marcos constitucionais e legais existentes, em especial no reconhecimento da eficácia positiva e negativa do direito à moradia (art.6o, CF), da função social da propriedade e da posse (art. 5o, inciso XXII), dos princípios e objetivos constitucionais da política urbana (art.182, CF) e dos princípios, objetivos, direitos e instrumentos jurídicos do Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001) e do Código Civil.
Podemos sistematizar, assim, as seguintes premissas:
a) o caráter justiciável do direito à moradia (oponível ao Estado e Município) em sua dimensão fundamental, em especial no que tange aos “sem teto”;
b) o reconhecimento normativo da teoria social da posse e a relativização do caráter absoluto da propriedade;
c) o princípio do desenvolvimento pleno da função social da cidade;
d) o primado da regularização fundiária e da proteção integral à posse.
Note-se que tais conflitos tiveram um aumento considerável a partir do ano de 2010, tendo em vista o início das intervenções urbanísticas decorrentes direta ou indiretamente dos megaeventos esportivos que estão previstos para ocorrer nan cidade do Rio de Janeiro nos próximos anos: Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016), que vem causando despejos forçados, em total desprezo ao direito à moradia e a outros direitos humanos correlatos de centenas de famílias, que vem tendo, outrossim, seu direito à cidade sonegado, diuturnamente, pelo poder público municipal.
Uma das diretrizes da Coordenadoria, explicitada na Resolução acima mencionada bem como no Plano de Trabalho anual (elaborado democraticamente a partir de encontro com as comunidades atendidas e movimentos sociais de defesa do direito à moradia) é o atendimento na própria comunidade, seja em horário noturno, seja em finais de semana, a fim de abranger o maior número de pessoas possível, prestando orientação jurídica e debatendo com os moradores sobre suas demandas e possíveis soluções, em trabalho de educação em direitos e promoção da cidadania.
A atuação também ocorre no sentido de se buscar a obtenção das informações necessárias á defesa jurídica das comunidades junto aos órgãos da administração pública, mediante expedição de ofícios, agendamento de reuniões, e também solicitando intervenções das Comissões de direitos humanos de diversas entidades, do Ministério das Cidades, Ministério Público, ONGs etc.
Quando não é alcançada a solução extrajudicialmente, o Núcleo de Terras e Habitação deve atuar na defesa jurídica dos assistidos utilizando de todos os meios admitidos pelo direito, desde ações possessórias e recursos processuais, até ações de obrigação de fazer e de não fazer, ajuizadas contra o Poder Público, com objetivo de obrigá-lo a apresentar os projetos detalhados das intervenções urbanísticas pretendidas, de impedir a demolição dos imóveis da comunidade, de postular a retirada de entulhos, de garantir o acesso à moradia, dentre outros, tudo deliberado previamente com a comunidade afetada, muitas vezes sendo necessária a utilização do plantão noturno para se garantir o acesso à justiça das mesmas.
Caso não se consiga evitar o despejo coletivo, outra atuação indispensável para garantir a ampla defesa do direito à moradia e a de outros direitos humanos correlatos é o comparecimento no local onde se realizará a diligência para tentar mediar e pacificar o conflito, e também evitar a violação dos direitos humanos dos moradores, buscando diálogo com os responsáveis pelo despejo e denunciando, se for o caso, as violações ocorridas às entidades e organismos responsáveis a fim de apurar os fatos e evitar novas violações.
Nesse contexto, uma estratégia que também foi utilizada (pelo menos até abril de 2011, mês em que os autores deixaram de atuar no referido núcleo especializado) foi a de elaborar relatórios descrevendo os procedimentos de despejo forçado quando o procedimento de desocupação era marcado pela violência e pela violação de uma série de direitos, em especial aqueles relacionados à vida e a integridade física dos assistidos. Além de apontar as eventuais ilegalidades e danos causados aos assistidos, eram propostas medidas urgentes a serem tomadas e enviamos para diversas instituições e entidades com interesse na matéria.
Cabe ressaltar que a Coordenadoria participou, nos anos de 2009 e 2010, do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários e Urbanos, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, onde foram levadas as experiências e as recomendações para casos de despejos forçados da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
A partir do trabalho de Monitoramento e Mediação de Conflitos Possessórios, consegue-se promover a cidadania, garantindo à população o acesso à informação sobre o direito à moradia e correlatos, o que permite que as mesmas possam exercer a cidadania de forma mais ampla; ademais, mostra-se extremamente positiva a defesa do direito à moradia e outros direitos humanos correlatos pela atuação preventiva in loco, significando diminuição das violações a tais direitos com relação às pessoas envolvidas em conflitos fundiários e garantindo-lhes o acesso à justiça.
Por fim, podemos citar os seguintes benefícios institucionais:
a) Criação de um mecanismo institucional para efetivação dos princípios, diretrizes e direitos relativos à moradia adequada e à segurança da posse, em especial para cumprimento das resoluções da Comissão das Nações Unidas (resoluções 04 e 07) subscritas pelo Brasil;
b) Pacificação dos conflitos urbanos com atuações não só no Poder Judiciário, mas também in loco, ampliando o leque de ações da Defensoria Pública e criando um mecanismo de fiscalização das ordens judiciais e do exercício do poder de polícia que interfiram no direito à moradia e à segurança da posse, intensificados drasticamente com a aproximação dos megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro;
c) Presença da Defensoria Pública em audiências públicas, reuniões de discussão acadêmica e no Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários e Urbanos, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de fomentar a proteção possessória a pacificação dos conflitos urbanos.
d) Utilização dos instrumentos de tutela coletiva no âmbito administrativo (os procedimentos de instrução) e no âmbito judicial (nas ações civis públicas), fortalecendo a legitimidade processual da Defensoria Pública para atuação nos conflitos dessa natureza.
5. CONCLUSÃO
A Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009 ampliou significativamente suas funções institucionais da Defensoria Pública, reconhecendo o valor da instituição como instrumento de efetivação dos direitos humanos e da cidadania, dentre outros valores igualmente relevantes.
Evidencia-se, portanto, a nova dimensão que se espera da Defensoria Pública, voltada para a tutela preventiva (a partir da educação em direitos), para a tutela extrajudicial (com a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos) e também para a tutela coletiva, com o objetivo de garantir a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades e a prevalência dos direitos humanos.
Dentro de tal contexto, inclui-se necessariamente defesa intransigente do direito à moradia adequada, que se insere no conceito de direito humano fundamental, integrado a uma grande rede normativa internacional e também no âmbito interno.
Tais parâmetros normativos devem fundamentar todo o trabalho da Defensoria Pública com relação à defesa da moradia adequada, não servindo apenas para a defesa judicial, mas também e, primordialmente, na educação em direitos e na mediação de conflitos em face do poder público e de particulares.
A fim de exercer a defesa da moradia, temos uma ampla gama de ferramentas e de possibilidades de atuação, o que foi destacado na análise das novas atribuições institucionais trazidas pela Lei Complementar nº 132/2009, a começar pela orientação jurídica e pela busca de soluções extrajudiciais.
Com efeito, principalmente em se tratando de conflitos coletivos, mostra-se indispensável que a Defensoria Pública busque canais de diálogo entre as comunidades envolvidas, o poder público e outras instituições e entidades, na busca de soluções democráticas e participativas que garantam a proteção da dignidade das famílias envolvidas.
Ainda em caráter eminentemente preventivo, revela-se a necessidade de difundir o conceito do direito à moradia adequada como direito humano, bem como disseminar os aspectos que envolvem tal direito, essencial para o exercício da cidadania e de tantos outros direitos também fundamentais, pois sem uma moradia adequada é muito difícil ter acesso à saúde, à educação etc.
A atuação interdisciplinar também em muito se aplica com relação à defesa do direito à moradia, em prol da máxima eficiência da atuação da Defensoria Pública, o que se aplica tanto em relação aos conflitos fundiários como também no processo de regularização fundiária.
Com relação à defesa em processos judiciais e administrativos, é imperioso que os defensores públicos preconizem o direito à moradia adequada, questionando o descumprimento dos parâmetros internacionais de direitos humanos em todas as instâncias e utilizando-se de todos os recursos cabíveis, até mesmo em razão da necessidade de esgotamento das instâncias recursais para permitir denuncias internacionais.
Além disso, verifica-se a possibilidade da Defensoria Pública apresentar denúncia internacional à Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que o Brasil reconheceu a competência de tal Corte e se submete a tal sistema de proteção de direitos humanos.
Grande é a relevância do exercício da tutela coletiva do direito à moradia, cujo caráter preventivo também é marcante, podendo evitar a lesão a direitos individuais e coletivos.
Assim, é urgente que as defensorias públicas de todo o país possam se organizar, de modo a garantir a tutela coletiva do direto à moradia, de preferência com a criação de núcleos especializados em regularização fundiária e conflitos fundiários.
Por fim, temos a defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, onde se encaixa perfeita e necessariamente a defesa do direito à moradia, também considerado como direito social, sendo reconhecer a justiciabilidade dos direitos sociais utilizando como parâmetro o mínimo existencial. Este núcleo intangível do direito, consubstanciador de condições mínimas de existência digna, define a esfera de fundamentalidade e, por conseguinte, serve de parâmetro para a atuação judicial positiva tendente a compelir o Administrador à efetivação dos direitos sociais.
No último capítulo, apresentamos o exemplo prático da atuação que foi desenvolvida pela Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, com relação ao Núcleo de Terras e Habitação, esperando que o mesmo sirva de modelo e de inspiração para outras Defensorias Públicas de todo o país, especialmente aquelas cujos estados sediarão os jogos da Copa do Mundo de 2014, tornando urgente o atendimento da demanda premente que se anuncia.
O monitoramento e a mediação dos conflitos fundiários coletivos devem ser realizados pelo Núcleo de Terras e Habitação da DP/RJ de forma sistemática e constante, afinando-se com a postura pró-ativa que se espera da Defensoria Pública, buscando uma aproximação com os destinatários do serviço e com os movimentos sociais, a fim de prestar um atendimento eficiente e flexível às necessidades locais, além de promover a prevenção do conflito e da violação de direitos humanos e a busca se solução extrajudicial ao caso.
Ademais, a direta aproximação com os destinatários do serviço e com a rede de entidades da sociedade civil e movimentos sociais que preconizam o direito à moradia permite que a instituição possa desempenhar de forma mais democrática e eficiente seu papel de transformação social, trabalhando pela diminuição das desigualdades sociais que pesam sobre os mais vulneráveis da nossa sociedade.
—
* Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
** Advogado, Ex-Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Doutorando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
—
NOTAS
1. O Comentário enfatiza a importância do devido processo legal em casos de despejo legal, principalmente pelo número de direitos fundamentais envolvidos. O Comitê expressamente afirma que considera que o procedimento adequado aos litígios relativos à moradia envolve: a) uma oportunidade de consulta para ouvir todos os envolvidos; b) prévia e adequada intimação para todas as pessoas, informando a data agendada para o despejo; c) informação sobre o despejo proposto e, quando cabível, sobre a futura utilização da terra; d) especialmente onde há grupos de pessoas envolvidas, a presença de autoridades governamentais ou de seus representantes para presenciar o desalijo; e) a identificação de todos que executarão o despejo; f) os despejos não poderão ocorrer à noite, ou com o tempo desfavorável, a não ser que todos concordem; g) previsão auxílio médico para os doentes; h) previsão de auxílio para os necessitados, sob responsabilidade das autoridades judiciárias.
2. Nesse sentido, vale destacar a “Carta do Rio”, documento final do Seminário “Análise das 100 Regras de Brasília por Instituições do Sistema de Justiça do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile: o acesso à justiça de pessoas ou grupos em condição de vulnerabilidade”, realizado na cidade do Rio de janeiro, nos dias 9, 10 e 11 de dezembro de 2009. Tal documento traz a seguinte recomendação, ou melhor, compromisso das instituições do sistema de justiça que participaram do referido seminário, a partir da mesa de debate sobre moradia: “Considerando a necessidade de capacitação e sensibilização dos operadores no sentido de que tenham um papel proativo nos conflitos de moradia em todas as suas etapas e que também disponham de um protocolo a seguir nos casos de deslocamentos de pessoas de suas moradias, evitando-os e efetivando a reparação moral e material. (…) 4. Nos propomos a provocar os poderes legislativos para incluir as Diretrizes do Comitê das Nações Unidas (Observação Geral nº 7) na legislação interna, de modo a compatibilizar os instrumentos.”
3. O autor destaca também que esses meios alternativos não precisam ser organizados pelo Poder Judiciário, podendo estar a cargo de entidades públicas como Ministério Público, OAB, Defensoria Pública etc, ou até entidades privadas, como associações civis, sindicatos etc.
4. Note-se que tal afirmação não pretende afastar a possibilidade de atuação da Defensoria Pública em prol de pessoas não hipossuficientes economicamente, já que, além das atribuições típicas que apresentam tal vinculação, a instituição também é incumbida de atribuições atípicas, que não dependem de se avaliar tal critério, como, por exemplo, a atuação como curador especial, a atuação em estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, a defesa dos grupos sociais vulneráveis Art. 4º, XVI, XVII, XI da LC 132/2009, o que já era possível antes da referida lei. Tal atuação atípica não deixa de encontrar amparo constitucional, seja em razão da largueza que pode assumir a expressão “necessitados”, seja em homenagem a outros princípios constitucionais, como o do acesso à justiça, o da dignidade da pessoa humana e o da ampla defesa, dentre outros. Vale destacar que tal classificação entre categorias típicas e atípicas foi originalmente idealizada por HUMBERTO PEÑA DE MORAES e JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, que acabou sendo adotada por outros autores ( Assistência Judiciária: sua gênese sua história e a função protetiva do Estado, 2ª ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984, p. 156)
5. A Coordenadoria foi criada através da Resolução DPGE no 453 pelo então Defensor Público Geral do Estado Dr. . José Raimundo Batista Moreira, tendo sido a Dra. Maria Lúcia de Pontes a primeira coordenadora nomeada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AINA, Eliane Maria Barreiros. O Direito à Moradia nas Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da Função Social da Posse – e sua conseqüência frente à situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas – Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
MASCARENHAS, Breno. Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Diagnóstico de uma transformação. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, n. 7, 1995, p. 69-81, 1995.
MORAES, Humberto Peña de e SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária: sua gênese sua história e a função protetiva do Estado, 2ª ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do estado de justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, n. 7, p. 15-41, 1995.
SARLET. Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. In: MELLO, Celso D. de Albuqueque e TORRES, Ricardo Lobo (orgs) Arquivos de Direitos Humanos, vol. 04. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
SAULE JUNIOR. Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: SAFE, 2004.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional das eras dos direitos. In:___ (coord.) Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 243-342.
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Coord.). Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 128-135.