Sabemos o que estamos comendo?

Amélia Rocha

O alimento é uma necessidade básica: sem alimento não sobrevivemos. E a pergunta de hoje é: nós sabemos o que estamos comendo? Nós temos segurança alimentar? O direito do consumidor brasileiro nos protege neste sentido “alimentar”?

Teoria da qualidade ou confiança

Os artigos 8 a 10 do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) regulam a necessária qualidade mínima de produtos e serviços a serem comercializados no Brasil. É preciso que qualquer produto ou serviço tenha um mínimo de qualidade a despertar a confiança necessária do consumidor, não lhe agredindo a vida, a saúde nem a segurança. O objetivo da lei é garantir que se o produto está sendo comercializado, se tenha uma premissa de que ele não causará qualquer dano a vida, saúde ou segurança do consumidor.

Para tanto, o nosso CDC adota (emprestado do “direito ambiental”) o princípio da precaução que, na prática, é mais ou menos assim: “se tem dúvidas se pode fazer mal, não pode comercializar”, de modo que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que ele sabe (ou deveria saber) que apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”. O “deveria saber” no texto legal decorre do risco do negócio e da responsabilidade contratual e extracontratual daquilo que é comercializado. Daí a importância de prévias, periódicas e consistentes pesquisas cientificas. E quando se trata de alimentos a responsabilidade é ainda maior.

Pelo mesmo motivo de garantia da informação e proteção da vida, saúde e segurança do consumidor é que o CDC determina que “O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.” (CDC, art. 36, parágrafo único)

Autoria

Justamente por saber que muitas descobertas científicas precisam de tempo para a confirmação da sua segurança é que o nosso CDC determina que o prazo para qualquer reparação de danos ao consumidor começará a correr a partir da descoberta do “dano e da autoria”.

Ou seja, se tomei uma bebida de 1980 a 1995; em 2000 se descobre que tal bebida tinha um elemento cancerígeno e em 2003 me descubro com câncer, o meu prazo começa a correr de 2003. O objetivo aí é proteger efetivamente o consumidor (o prazo só começa a correr quando tenho informações sobre o dano e sobre quem o causou).

Transgênicos

O CDC tem por um dos seus princípios que a proteção do consumidor não pode inviabilizar o necessário desenvolvimento econômico e tecnológico, que é preciso equilíbrio e boa- fé para equalizar as situações. Pelo diálogo entre estes princípios, alimentos transgênicos podem ser comercializados no país desde que exista o respeito ao direito à informação do consumidor e a consequente garantia do seu direito de escolha.

Os alimentos transgênicos (também conhecidos como OGM´s – organismos geneticamente modificados) podem ser bons ou podem ser ruins e a questão é justamente esta: nós ainda não temos segurança absoluta – há divergências na comunidade cientifica – nós ainda não sabemos ao certo as consequências de seu uso continuado e precisamos ao menos saber que estamos consumindo transgênicos para que possamos exercer a nossa liberdade de escolha. Precisamos conhecer o que estamos comendo, qual a sua origem, natureza, características, qualidade, riscos etc.

Se tenho consciência de que o alimento é transgênico, por conseguinte que não há certeza quanto aos benefícios ou malefícios do seu consumo e mesmo assim opto por consumir, estou consciente dos riscos, a responsabilidade é minha, posso ingerir. O que não pode é ser vendido um alimento transgênico sem que eu saiba que ele é transgênico.

Sobre segurança alimentar sugiro a leitura do seguinte documento que trata da CPI da Segurança Alimentar no Estado de São Paulo. Neste documento consta que “(…) Mohamed Ezz El-Din Mostafa Habib da UNICAMP diz que o problema da ameaça que os transgênicos representam para a segurança alimentar está no absoluto desrespeito das multinacionais de agrotóxicos/transgênicos pelo Princípio da Precaução, já que, a elas deveria caber o custo de realizar as pesquisas e apresentar os resultados conclusivos pela segurança da utilização comercial de seus dos organismos transgênicos patenteados, e não à sociedade que busca defender-se de um inimigo ainda não conhecido em toda a sua força destruidora.”

Rotulagem

É obrigatória a rotulagem de alimentos transgênicos quando o alimento tiver mais de 1% de ingredientes transgênicos em sua composição. Todavia, compreendo que tal limite de 1% contraria o CDC já que a informação deve ser prévia, ostensiva e adequada, de modo que a presença do transgênico deve ser sempre avisada, independentemente da quantidade. Se o bovino foi alimentado com ingredientes transgênicos, tal aviso deve estar na carne dele extraída também. É meu direito de consumidor saber o que estou consumindo em informação compatível com a minha vulnerabilidade técnica.

Símbolo

Os alimentos que contenham ingredientes transgênicos devem conter um símbolo específico.

Meio Ambiente

A questão dos transgênicos ainda tem consequências indefinidas em relação ao próprio solo e à diversidade. Segundo informações do Greenpeace, “(…) por meio de um ramo de pesquisa relativamente novo (a engenharia genética), fabricantes de agroquímicos criam sementes resistentes a seus próprios agrotóxicos, ou mesmo sementes que produzem plantas inseticidas. As empresas ganham com isso, mas nós pagamos um preço alto: riscos à nossa saúde e ao ambiente onde vivemos. O modelo agrícola baseado na utilização de sementes transgênicas é a trilha de um caminho insustentável. O aumento dramático no uso de agroquímicos decorrentes do plantio de transgênicos é exemplo de prática que coloca em cheque o futuro dos nossos solos e de nossa biodiversidade agrícola”.

Fiscalização

O nosso campo normativo é bom e em geral nossas leis são boas. Precisamos mesmo é reforçar a fiscalização. Uma pesquisa de 2008 sobre rotulagem de alimentos no Brasil concluiu que “A rotulagem de alimentos é um tema frequente e abordado adequadamente pela produção acadêmica brasileira. A fiscalização ineficiente é apontada pela maioria dos estudos como principal fator para o descumprimento e a banalização das normas estabelecidas para a rotulagem de alimentos no Brasil.”

 

http://www.opovo.com.br/app/colunas/ameliarocha/2011/09/24/noticiaameliarocha,2304262/sabemos-o-que-estamos-comendo.shtml

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