Marcus Pereira: uma homenagem e um desafio

Tania Pacheco

Era uma vez um publicitário. Era uma vez um publicitário paulista. Era uma vez um publicitário paulista que certo dia teve a ideia de produzir, como brinde de Natal, um disco. E escolheu as músicas de um cientista que era também a maior autoridade brasileira em répteis: seu amigo boêmio Paulo Vanzolini. Era uma vez um ex-publicitário.

Entre 1967, ano de “Onze Sambas e uma Capoeira”, e 1982, Marcus Pereira fez de tudo. Lançou os dois primeiros elepês de Cartola, tornou conhecidos Elomar, a Orquestra e o Quinteto Armorial, a Banda de Pífanos de Caruaru e muitas outras pessoas e conjuntos.

Paralelamente, se dedicava a um projeto não menos importante e ainda mais ambicioso: as coleções do que chamava de “mapeamento musical do Brasil”. Não delegou essa tarefa a ninguém. Saía ele mesmo a campo, com a mulher, amigos e um gravador, e colhia de tudo: desde músicas que já tocavam nas rádios locais a composições dos cegos das feiras, vaqueiros, sanfoneiros, ilustres anônimas e anônimos dos cinco cantos do Brasil. Depois, eram horas ouvindo e discutindo o material, até a escolha dos quatro discos que comporiam a coleção.

Em 1973, sairia a primeira: “Música Popular do Nordeste”. Seguiriam a do Centro-Oeste e Sudeste; a do Sul; e a do Norte, cada uma com quatro elepês. Nos discos, assim como nas garimpagens originais, uns poucos grandes nomes se mesclavam com a maioria de vozes desconhecidas. “Cuitelinho”, por exemplo, foi recolhida por Paulo Vanzolini, que a ela juntou outros versos, dando-lhe continuidade. Cantada por Nara Leão, faz parte da coleção “Música Popular do Centro-Oeste e Sudeste”. E, desde a do Nordeste, prêmios e reconhecimento levaram Marcus a pensar que poderia ir adiante e dar continuidade ao seu sonho com um outro mapeamento: o latinoamericano.

Isso nunca aconteceu, mas foram quase 150 discos lançados, em pouco mais de dez anos de existência da gravadora.

Fazer cultura nunca foi barato; menos ainda com seriedade e amor. O publicitário bem sucedido se transformou num produtor falido, cercado de dívidas por todos os lados. A Discos Marcus Pereira acabou. Uma tentativa de parceria com a Copacabana não funcionou. Num sábado ou num domingo – não recordo mais -, Marcus pediu à empregada que fosse comprar cigarros e, sozinho em casa, deu um tiro na cabeça.

Dizem que as matrizes estão atualmente com a EMI. Não sei. Mas seria bom se alguém com poder para isso as recuperasse e relançasse. Era o mínimo que poderia ser feito pela nossa cultura e pela memória de Marcus Pereira.

Em tempo: alguns discos, inclusive as quatro coleções, podem ser baixados no endereço Discos Marcus Pereira.