Mariane, 13, brincava de boneca até o ano passado, quando perdeu a virgindade, engravidou e largou a escola
Por Maria Laura Neves (texto) e André Vieira (fotos)
Dentro dos cabarés, as cafetinas não costumam aceitar prostitutas menores de idade. Nas ruas, no entanto, é possível encontrar adolescentes circulando em trajes justinhos durante toda a noite. Elas se concentram na boate do “reggae”, que apesar do nome toca funk, e na “Esquina do Geladão”, onde há DJ e pista de dança. Nesses lugares, elas bebem e dançam sensualmente rodeadas por homens. “A prostituição infantil em Jaci é muito sutil. Não é ostensiva. Os homens presenteiam as meninas com um tênis, um celular e isso é suficiente para que consigam dormir com elas”, diz a delegada Noelle Xavier, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Porto Velho. Muitas vezes os pais das garotas são coniventes, segundo Noelle, pois a miséria é o principal motivador da prostituição infantil no vilarejo. “Já teve pai que veio tirar a filha da escola dizendo que estudo não dá dinheiro e levou a menina para os bares”, diz Tarcísio Inácio Ramalho, vice-diretor da escola estadual Maria de Nazaré dos Santos, onde estudam os adolescentes de Jaci.
Os filhos de Jirau
Enquanto o tráfico é a grande ameaça aos rapazes, a gravidez na adolescência é um dos principais problemas das meninas de Jaci. Nos primeiros três meses do ano, 33 meninas com menos de 18 anos começaram o pré-natal no posto de saúde de Jaci. Boa parte delas engravidou dos funcionários das usinas. Em meio à pobreza, os trabalhadores das firmas representam uma possibilidade de ascensão social. Mariane* tem 13 anos e está grávida de 4 meses. Mudou-se para Jaci há um ano com a mãe, Lúcia*, e três irmãos. Lúcia buscava um emprego no comércio. Quando a família chegou, a mãe começou a trabalhar todos os dias da semana, das 5 h às 14 h, num restaurante e, das 15 h às 22 h, em outro, e Mariane ficava em casa com os irmãos. Foi quando conheceu o pai do seu filho, funcionário da usina, e morador da sua rua. Perdeu a virgindade e engravidou aos 12 anos. “Ele ficou assustado quando soube que eu estava grávida. Não falou nada”, diz Mariane, que abandonou a escola porque anda muito sonolenta em função da gravidez. “Eu também fiquei assustada, mas nunca pensei em tirar.” Mariane diz que menstruou pela primeira vez aos 10 anos e parou de brincar de boneca no ano passado.
Os médicos que a atenderam no hospital de Porto Velho instruíram Lúcia sobre as medidas que ela poderia tomar caso quisesse denunciar o pai do bebê por abuso de menor. “Eu não quis que ele fosse preso, não. Se ele fez o filho, vai ter de assumir”, afirma Lúcia. Desde que foi confirmada a gravidez, o sustento de Mariane, que ainda mora com a mãe, ficou por conta do pai do bebê.
“Jaci Paraná é um Velho Oeste” é uma frase que se ouve com frequência na região. Se lá a noite começa barulhenta e animada, à medida que a madrugada chega, um clima de tensão toma conta das ruas e dos bordéis. Os cabarés fecham as portas à meia-noite — horário em que começam a sair as brigas entre a clientela exaltada. Os moradores, que quase não saem às ruas depois que escurece, não ficam sequer na janela de casa, como em qualquer cidade do interior. A primeira delegacia do vilarejo foi inaugurada na última semana de abril, no distrito de Nova Mutum, a 15 quilômetros de Jaci. Ou seja: quem não tem carro tem de caminhar duas horas para chegar até lá. A delegacia não tinha telefone até o fechamento desta edição e só funcionava pela manhã. A delegada responsável também não tem celular, segundo informações da Direção Geral da Polícia Civil de Rondônia. O aumento populacional (moradores falam em 20 mil novos habitantes na vila que antes comportava 4 mil) trouxe mais violência para Jaci. São histórias de assalto à mão armada à luz do dia, brigas com facadas durante a noite.
Além do tráfico, os conflitos de terra têm gerado mortes violentas no vilarejo. Com o anúncio da chegada das usinas, o valor dos terrenos subiu. Segundo moradores, um lote de 400 metros quadrados valia R$ 100 há dez anos. Hoje vale R$ 10.000. Como boa parte dos terrenos de Jaci não possui documentação, instaurou-se uma briga pelas terras sem dono — ou com mais de um dono. As disputas, em Jaci, costumam ser resolvidas na ponta da faca ou com balas de revólver.
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