Terra sem lei: prostituição, drogas e violência na maior obra do PAC – 2

André Vieira
A terra fica molhada na frente da corrutela mesmo quando não chove. O barro se forma com a água que escorre da fossa dos bares

Mariane, 13, brincava de boneca até o ano passado, quando perdeu a virgindade, engravidou e largou a escola

Por Maria Laura Neves (texto) e André Vieira (fotos)

Dentro dos cabarés, as cafetinas não costumam aceitar prostitutas menores de idade. Nas ruas, no entanto, é possível encontrar adolescentes circulando em trajes justinhos durante toda a noite. Elas se concentram na boate do “reggae”, que apesar do nome toca funk, e na “Esquina do Geladão”, onde há DJ e pista de dança. Nesses lugares, elas bebem e dançam sensualmente rodeadas por homens. “A prostituição infantil em Jaci é muito sutil. Não é ostensiva. Os homens presenteiam as meninas com um tênis, um celular e isso é suficiente para que consigam dormir com elas”, diz a delegada Noelle Xavier, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Porto Velho. Muitas vezes os pais das garotas são coniventes, segundo Noelle, pois a miséria é o principal motivador da prostituição infantil no vilarejo. “Já teve pai que veio tirar a filha da escola dizendo que estudo não dá dinheiro e levou a menina para os bares”, diz Tarcísio Inácio Ramalho, vice-diretor da escola estadual Maria de Nazaré dos Santos, onde estudam os adolescentes de Jaci.

Além da prostituição, o tráfico também acontece à luz do dia, principalmente nos bordéis, onde as próprias prostitutas vendem maconha, cocaína e crack. Traficantes também rondam a corrutela de moto. O vilarejo fica a 140 quilômetros da fronteira com a Bolívia. Essa proximidade colocou Jaci dentro da rota de entrada da pasta de coca no país. “O consumo de drogas, que já era alto, ficou ainda maior depois da chegada das usinas”, diz a conselheira tutelar Ângela Fortes. Joana*, 43 anos, mora em Jaci e é mãe de três jovens. Ela conta que tirou seu filho da cidade depois de ele ter se envolvido com drogas, no ano passado. “Não sei direito o que ele consumia, acho que era maconha porque ele fumava e tinha um cheiro bem forte. Meu filho disse que era a própria polícia quem vendia. Numa vingança, os policiais invadiram minha casa e disseram que encontraram uma quantidade enorme de droga no quarto dele. Meu mundo caiu. Criei meus filhos sozinha, o pai deles foi assassinado em uma briga com traficantes. Quando soube que meu filho estava envolvido, vi o filme se repetir na minha cabeça. Ele foi preso, mas depois inocentado na investigação. Não tive coragem de trazê-lo de volta. Mandei meu menino para casa de parentes em outro estado.”

Os filhos de Jirau
Enquanto o tráfico é a grande ameaça aos rapazes, a gravidez na adolescência é um dos principais problemas das meninas de Jaci. Nos primeiros três meses do ano, 33 meninas com menos de 18 anos começaram o pré-natal no posto de saúde de Jaci. Boa parte delas engravidou dos funcionários das usinas. Em meio à pobreza, os trabalhadores das firmas representam uma possibilidade de ascensão social. Mariane* tem 13 anos e está grávida de 4 meses. Mudou-se para Jaci há um ano com a mãe, Lúcia*, e três irmãos. Lúcia buscava um emprego no comércio. Quando a família chegou, a mãe começou a trabalhar todos os dias da semana, das 5 h às 14 h, num restaurante e, das 15 h às 22 h, em outro, e Mariane ficava em casa com os irmãos. Foi quando conheceu o pai do seu filho, funcionário da usina, e morador da sua rua. Perdeu a virgindade e engravidou aos 12 anos. “Ele ficou assustado quando soube que eu estava grávida. Não falou nada”, diz Mariane, que abandonou a escola porque anda muito sonolenta em função da gravidez. “Eu também fiquei assustada, mas nunca pensei em tirar.” Mariane diz que menstruou pela primeira vez aos 10 anos e parou de brincar de boneca no ano passado.

Os médicos que a atenderam no hospital de Porto Velho instruíram Lúcia sobre as medidas que ela poderia tomar caso quisesse denunciar o pai do bebê por abuso de menor. “Eu não quis que ele fosse preso, não. Se ele fez o filho, vai ter de assumir”, afirma Lúcia. Desde que foi confirmada a gravidez, o sustento de Mariane, que ainda mora com a mãe, ficou por conta do pai do bebê.

“Jaci Paraná é um Velho Oeste” é uma frase que se ouve com frequência na região. Se lá a noite começa barulhenta e animada, à medida que a madrugada chega, um clima de tensão toma conta das ruas e dos bordéis. Os cabarés fecham as portas à meia-noite — horário em que começam a sair as brigas entre a clientela exaltada. Os moradores, que quase não saem às ruas depois que escurece, não ficam sequer na janela de casa, como em qualquer cidade do interior. A primeira delegacia do vilarejo foi inaugurada na última semana de abril, no distrito de Nova Mutum, a 15 quilômetros de Jaci. Ou seja: quem não tem carro tem de caminhar duas horas para chegar até lá. A delegacia não tinha telefone até o fechamento desta edição e só funcionava pela manhã. A delegada responsável também não tem celular, segundo informações da Direção Geral da Polícia Civil de Rondônia. O aumento populacional (moradores falam em 20 mil novos habitantes na vila que antes comportava 4 mil) trouxe mais violência para Jaci. São histórias de assalto à mão armada à luz do dia, brigas com facadas durante a noite.

Além do tráfico, os conflitos de terra têm gerado mortes violentas no vilarejo. Com o anúncio da chegada das usinas, o valor dos terrenos subiu. Segundo moradores, um lote de 400 metros quadrados valia R$ 100 há dez anos. Hoje vale R$ 10.000. Como boa parte dos terrenos de Jaci não possui documentação, instaurou-se uma briga pelas terras sem dono — ou com mais de um dono. As disputas, em Jaci, costumam ser resolvidas na ponta da faca ou com balas de revólver.

http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/Common/0,,EMI237135-17737-2,00-TERRA+SEM+LEI+PROSTITUICAO+DROGAS+E+VIOLENCIA+NA+MAIOR+OBRA+DO+PAC.html

 

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