Missionário que defende os índios do Peru sofre perseguição e ameaça de morte

“Vivemos em um período em que a defesa dos direitos é um crime. Eu só fiz o que devia fazer”: é uma voz distante a calma a que fala em um vídeo do YouTube em ótimo italiano declinado com um sotaque visivelmente hispânico.

Padre Mario Bartolini, 72 anos, missionário dos padres passionistas de Marche, na Itália, atende com a força das suas convicções civis a sentença do tribunal de Lamas, no Peru, que deverá decidir nestas horas se irão condená-lo por ter defendido os indígenas da área amazônica de Yurimaguas, ameaçados por um tratado que concederia às multinacionais do petróleo a utilização de um amplo território em que vivem 27 tribos, de um total de 11 mil pessoas. A acusação pediu 11 anos de prisão, e o tribunal se reuniu nesta terça-feira.

A reportagem é de Paolo Di Stefano, publicada no jornal Corriere della Sera, 16-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Bartolini, vestindo sua camiseta branca, tem marcadas em sua testa as rugas das tantas batalhas que teve que combater durante as três décadas vividas na América do Sul e, durante anos (os mais duros), na pequena paróquia de Barranquitas, no coração da floresta peruana, ao lado das comunidades locais, núcleos pobres de índios que protestam para defender o único recurso que têm: as suas terras. Defendem-nas contra as multinacionais do agronegócio (em particular, o Grupo Romero), que obtiveram, graças a um decreto do governo central, a autorização de desmatar 30 mil hectares de terras para extrair petróleo e plantar árvores oleaginosas destinadas à produção de biodiesel.

Com a promessa de riqueza e desenvolvimento para os indígenas, que, pelo contrário, têm boas razões para ter medo, depois da expropriação, de serem deportados dos lugares que seus pais e os pais de seus pais habitaram desde sempre, mesmo sem poder exibir os documentos de propriedade exigidos agora pelo Estado, preocupado em respeitar o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, que prevê, justamente, a exploração de enormes fatias da florestas.

A luta dos índios e dos campesinos é a luta do padre Bartolini, cuja rádio, a Voz del Caynarachi, é, há alguns anos, o canal privilegiado da batalha: buscam se opor ao carisma do missionário italiano de todas as formas (incluindo uma campanha de imprensa denigratória e o apelo à hierarquia vaticana), não só o governo de Alan Garcia, mas também as autoridades municipais, que enviaram a polícia no ano passado para Bagua para conter o protesto dos índios, que acabou em sangue, com pelo menos uma centena de mortos. Ameaçado de morte, acusado de terrorismo e de instigação à revolta, o religioso está há um mês sob prisão domiciliar à espera da sentença.

Há alguns anos, na verdade, padre Bartolini foi processado pelas mesmas razões e foi absolvido – também graças ao apoio do seu bispo e das autoridades católicas – com a imposição, porém, de abandonar Yurimaguas, a região em que vivia e em que decidiu permanecer, entre estradas de chão e casebres, para continuar a sua batalha civil e humanitária: “Nunca deixarei esta terra”, disse e repetiu recentemente, apesar da ameaça de uma nova condenação que pendia sobre sua cabeça.

“Acusam-me de apologia ao crime, de ser um agitador social e um terrorista… Mas são acusações inventadas pelos grupos de poder que querem calar os protestos dos índios, que até ontem eram tratados como escravos, como mulas, e que hoje lutam para defender o direito às terras que pertencem a eles desde sempre”.

No ano passado, em uma entrevista ao jornal Corriere della Sera com Rocco Cotroneo, Mario Bartolini denunciou o estado ambiental já muito precário da região: “Os nossos rios já estão poluídos com petróleo, as nossas crianças tem chumbo e cádmio no sangue, e todos os dias vejo os animais morrendo e fugindo da selva em destruição”. O possessivo (“nossos”) diz muito sobre como o missionário sente-se pertencente a esse povo sofredor.

Para defender a incolumidade do padre Bartolini, mobilizaram-se ultimamente a região de Marche (com uma deliberada votação em unanimidade) e a ONG “S.O.S. Missionario”, com um abaixo-assinado à Farnesina [sede do Ministério do Exterior italiano] para que cessem as perseguições ao religioso. Em uma carta endereçada em março passado ao pároco da sua cidade natal, Roccafluvione (na província de Ascoli Piceno), o passionista invocava a intervenção do Senhor para que fracass “o projeto dos poderosos, que se convertem em ‘assassinos’ daquela gente, que definem como de ‘segunda categoria’, e em ‘destruidores’ do meio ambiente, em nome de um desenvolvimento entendido como bem-estar para poucos e miséria para a grande maioria”.

E, convidando os cristãos a recuperar “o caráter profético da denúncia”, acrescentava: “Vocês não devem se surpreender se um dia lerem a notícia… foi morto… A eliminação direta e impune daqueles que o governo e os grupos de poder econômico consideram como opositores é uma prática comum e quase legalizada”. Palavras duríssimas pronunciadas com a calma que é só dos fortes.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=33495

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