Pesquisa analisa trajetória de vida de professores negros da UFC

Karol Assunção *

Adital – “Tornar-se negro: trajetória de vida de professores universitários no Ceará”. Esse foi o título da tese de doutorado apresentada no final do ano passado por Maria Auxiliadora Holanda na Universidade Federal do Ceará (UFC). O objetivo do estudo foi conhecer e analisar as experiências com preconceito, discriminação e racismo vivenciadas na família e nas instituições de ensino, como escolas e universidades.

A pesquisa centrou-se em dez professores/as negros/as da UFC das áreas de Humanas, Saúde e Engenharia. Do total, quatro são cearenses, cinco de outros estados do Nordeste e um de São Paulo. De acordo com Maria Auxiliadora, a ideia do estudo era perceber como esses professores e professoras foram construindo o “tornar-se negro, reconhecer-se negro” ao longo da trajetória familiar e escolar.

Segundo ela, essa é uma situação que todos tiveram de passar ao longo da vida, passando por momentos de discriminação e de valorização. “Negociamos esse reconhecer negro, enfrentamos no individual”, afirma.

A pesquisadora explica que, dependendo da situação, do lugar e do grupo em que a pessoa está inserida, ela pode ser mais negra do que em outros momentos. “Têm situações que sou mais negra que em outras. Depende do grupo onde estou. Se estou nos Estados Unidos a situação é uma, no Brasil é outra, na Bahia é outra, no movimento negro é outra”, exemplifica.

Não é a toa que esse “tornar-se negro” de que fala a pesquisadora é tão complexo para essas pessoas que são discriminadas. “Da infância à universidade, todos passaram por alguma situação que tiveram de se perguntar: ‘será que sou negro?’”, destaca.

A pergunta também está relacionada à forma de discriminação. Segundo Maria Auxiliadora, o racismo “está dentro das relações entre as pessoas”. De acordo com ela, esse racismo acarreta consequências cruciais na vida dessas pessoas, como a baixa autoestima, o pensamento de que não tem capacidade para alcançar certos objetivos. “Não é que não sejam inteligentes, as oportunidades é que foram poucas”, comenta.

Maria Auxiliadora revela que até os próprios negros reproduzem o preconceito e a diferença social ao negar, por exemplo, a sua identidade e origem. Isso foi percebido por ela durante a pesquisa. “Alguns professores, quando atingiram a ascensão social, nem se lembram mais que foram negros um dia. Saiu de sua condição de pobreza e agora está na [posição que tem maioria] de branco”, revela.

Felizmente, isso não é regra na Universidade. Segundo Maria Auxiliadora, muitos professores também aproveitam a posição para realizar uma ação mais efetiva no combate ao racismo. “Alguns têm uma visão de militância, uma visão política. Dois estão em movimentos sociais negros, outros discutem a temática na sala de aula e nas pesquisas”, ressalta.

A pesquisadora entrevistou dez professores e professoras negros/as da Universidade Federal do Ceará. Dos dez, quatro já estão aposentados (três possuem mais de 70 anos e foram professores nos finais dos anos 1950) e os outros começaram a lecionar na Universidade no final da década de 1970 e início da de 1980. Apenas uma professora entrou no início dos anos 2000.

Além disso, dos entrevistados, apenas dois não são doutores e um não tem experiência de trabalho ou estudo no exterior. Maria Auxiliadora também dividiu os profissionais em quatro perfis socioeconômicos: quatro tiveram origens muito pobres; quatro de classe média; um de classe média pobre; e um das elites latifundiárias do estado.

* Jornalista da Adital

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=48217

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