Em 1968, prefeitura proibiu nadar e pescar na Lagoa da Pampulha. Passados 44 anos, muita gente desconhece os riscos e insiste em ter contato com a água contaminada
Mateus Parreiras
Com uma barra de sabão azul numa mão e uma vara com uma bucha amarrada na ponta, como se fosse um escovão, na outra, o desempregado Ailton de Aguiar Silva, de 72 anos, usa as águas poluídas da Lagoa da Pampulha para tomar banho e lavar as duas mudas de roupa que tem. “Minha mãe me ensinou a tomar banho todos os dias. Não é porque estou morando nas ruas que vou deixar de me limpar”, justifica o baiano de Juazeiro, que veio para a capital mineira estudar e trabalhar, mas não se acertou na vida por aqui.
Ailton e um punhado de pescadores de plantão são os poucos que ainda se atrevem a entrar em contato com as águas imundas do reservatório que é um dos símbolos da capital mineira. A ameaça à saúde pública é séria e vem de muito tempo. Ontem fez 44 anos que o então prefeito de Belo Horizonte, Luiz de Sousa Lima, assinou a Lei 1.523, de 4 de setembro de 1968, que prevê multa para quem usa as águas poluídas. A legislação vigora até hoje, mas ninguém é punido.
Esta é uma das piores épocas para o espelho d’água da lagoa, e mesmo assim as pessoas insistem em nadar e pescar no local. De acordo com especialistas, a estação seca reduz o volume d’água e aumenta a concentração de poluentes e algas. Na enseada onde deságua o Córrego do Tejuco, próximo à Igreja de São Francisco de Assis, e nos remansos na altura do Bairro Jardim Atlântico, a camada de algas mortas se espalha sobre o espelho d’água de forma mais intensa. Como calotas flutuantes de matéria orgânica em decomposição, impregnada de garrafas PET usadas, embalagens plásticas e todo tipo de lixo descartado no lago, esse mosaico cobre grandes extensões e exala um cheiro muito forte e desagradável.
O perigo de envenenamento está presente não apenas para quem tem contato frequente com as águas poluídas. De acordo com o mestre em ecologia aquática e consultor de recursos hídricos especialista na Lagoa da Pampulha Rafael Resck, foram identificados no reservatório algas que produzem toxinas capazes até de matar uma pessoa. “Foram encontradas na lagoa cianobactérias que produzem as cianotoxinas. É a mesma substância responsável pela morte de 60 pacientes que faziam hemodiálise em Caruaru (PE), em 1996”, conta. Segundo o biólogo, as águas da Pampulha representam um grave risco para a saúde da sociedade. “Os sintomas vão desde a irritação e a urticária, quando ocorre o contato com a água, até diminuição de movimentos, prostração, cefaleia, febre, dor abdominal, náuseas, vômitos, diarréia e hemorragia intra-hepática, uma vez que as algas atacam o fígado e o sistema nervoso central”, afirma Resck. “Não são raros os casos de óbitos de mamíferos e seres humanos causados pela ingestão de águas com cianotoxinas”, reforça.
De olho nas tilápias
Nada disso, no entanto, afasta as pessoas que procuram os barrancos gramados do lago para pescar. De olho nos cardumes de tilápias que habitam a lagoa, o servente de pedreiro Marcelo Alves Neves, de 39, pedala sua bicicleta de um lado para o outro, levando numa sacola as iscas e na mão a vara de pescar. “Não tenho medo de comer os peixes não. O gosto é o mesmo e já pesco aqui há 10 anos. Nunca aconteceu nada comigo”, garante. Entre uma minhoca ou bolinho de fubá que põe no anzol, conta que há peixes em todos os lugares. “Mesmo onde a sujeira verde cobre a água tem tilápias e bocudos. Só é mais difícil de pegar eles”, diz o homem que não se importa de lançar sua linha ao lado das placas que alertam sobre a proibição de pesca. “Nunca nenhum fiscal, policial ou guarda municipal me atrapalhou a pescar”, disse, confirmando a ausência de fiscalização.
Enquanto isso…
Dinheiro do BID
Em 11 de julho foi publicada a lei que autoriza a Prefeitura de Belo Horizonte a contrair empréstimo de US$ 75 milhões, o equivalente a R$ 150 milhões, para recuperar a Lagoa da Pampulha. Os recursos serão repassados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o esforço da PBH é conseguir a aprovação do Senado para a obtenção do financiamento do organismo internacional de fomento. Se tudo der certo, o dinheiro seria repassado à administração municipal em 2013 e a prefeitura terá de correr contra o tempo para executar as obras de despoluição antes da Copa de 2014.
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http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/09/05/interna_gerais,315803/alerta-para-perigo-de-contaminacao-na-lagoa-da-pampulha-e-ignorado-ha-44-anos.shtml#.UEc5UylBiMQ.gmail
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.