João Paulo Botelho Vieira Filho*
As populações indígenas possuem o genótipo “Thrifty” da poupança ou liberação rápida de insulina em condições da presença de alimentos, levando ao acúmulo de energia para períodos de penúria alimentar. Esse genótipo de poupança sofreu a seleção natural de gens durante milênios, para períodos de abundância alimentar alternado com períodos de penúria, sendo favorável para a sobrevivência de populações caçadoras, coletoras de alimentos e com pequenas roças de subsistência.
Um genótipo de poupança selecionado durante milênios é altamente sensível às mudanças do estilo de vida como a alteração da nutrição tradicional e da atividade física.
Quando conheci os índios Xikrin, Parkatejê, Akewara, Xavante, há 40 anos, eram populações com penúria alimentar e delgados. Atualmente são obesos e com sobrepeso.
Mudanças alimentares compreendem o abandono dos alimentos tradicionais com hidratos de carbono complexos, fibras, vitaminas e minerais como a batata doce, o milho, o feijão, a macaxeira, mandioca, cará, abóbora, mamão, alimentos da floresta como a castanha, açaí, bacaba, bacabi, tucumã, inajá, buriti, murumurú, cupuaçu, coco babaçu, pimenta, alimentos do cerrado como o pequi e murici, aqueles com proteínas como larvas, formigas, gafanhotos, peixes, quelônios, carnes de aves e mamíferos.
Nas mudanças alimentares entram os alimentos com hidratos de carbono de absorção rápida como os dissacarídeos, refrigerantes, bebidas de alto teor alcóolico, gorduras saturadas de carne vermelha, manteiga, queijos gordos, alimentos industrializados como os salgadinhos com alto teor de gordura saturadas e trans, tão prejudiciais ao coração e sistema cardiovascular, possuindo alto teor de sal.
Os índios com acesso aos alimentos industrializados tornam-se obesos e alguns ultrapassam 100 Kg. Ficam intolerantes à glicose, diabéticos. Atualmente há 100 diabéticos Xavante na Terra Indígena Sangradouro e 200 em São Marcos, com alguns amputados e índios em diálise pela nefropatia diabética.
A FUNAI com responsabilidade de zelar pelos índios introduziu no passado o projeto arroz entre os Xavante e Bororo. Os índios apreciaram tanto o arroz que passaram a consumi-lo em todas as refeições, até mesmo no desjejum com açúcar. Abandonaram as roças de toco com alimentos tradicionais ou diminuíram a favor do arroz. A fome foi alternada com arroz em quantidade. A pobreza dos componentes minerais, vitaminas e proteínas instalou-se. Os índios passaram a ganhar peso e o diabetes apareceu como uma tragédia.
Conheci uma índia Assurini do Xingu que após alguns anos de contato e sem qualquer orientação sobre nossa alimentação, passou a ingerir açúcar cristalizado em excesso com água e farinha (xibé) e teve amputação do dedo maior do pé devido à gangrena diabética.
Os índios são vítimas das alterações nutricionais com abandono dos alimentos que deram de comer ao mundo após a chegada dos europeus como milho, batata, macaxeira, mandioca, feijão.
O abandono da dieta tradicional deve-se à falta de um processo educativo por parte do governo, que deveria valorizar os alimentos selecionados pelos índios na educação formal e informal, com esclarecimentos do risco da dieta industrial, o perigo do álcool e do sedentarismo.
A cesta básica fornecida pelo Governo Federal e a merenda escolar da dieta industrial são prejudiciais aos índios, proporcionando-lhes açúcar cristalizado que é glicotóxico. Já alertei o Ministério da Segurança Alimentar sem ser atendido.
*Preceptor Centro de Diabetes – Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo
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Enviada por Ro’otsitsina para a lista CEDEFES.