O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, formado por organizações da sociedade civil e movimentos sociais, reuniu-se no dia 21 de maio de 2014, ano em que o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), instituído em 26 de outubro de 2004, completará 10 anos. A adoção de um programa de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos era uma antiga reivindicação de organizações de direitos humanos e movimentos sociais.
O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, que acompanha a implantação do PPDDH desde o início, sempre enfatizou que o Programa, além de proteger defensoras e defensores em risco, deve ser articulador de políticas públicas que visem à superação do problema estrutural que gera a vulnerabilidade do defensor ou do movimento social. Outro desafio foi o enfrentamento da criminalização das defensoras e dos defensores, que vem se consolidando como uma das práticas mais utilizadas para imobilizar a luta social, criminalização esta que frequentemente é potencializada por meios de comunicação.
O conceito de Defensor de Direitos Humanos adotado pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos considera que:
Defensores dos direitos humanos são todos os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos. (BRASIL, 2004).
Em carta datada de 12 de abril de 2005, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, preocupado com os rumos do Programa, apontou a falta de definição metodológica e de procedimentos a serem adotados em casos de defensoras e defensores de direitos humanos que necessitem de proteção e a ausência de uma estrutura mínima para a Coordenação Geral do Programa como sendo grandes empecilhos para o seu funcionamento.
Desde então, este Comitê apresenta todo ano à Secretaria de Direitos Humanos sua avaliação sobre a institucionalização do Programa e sugestões para o seu fortalecimento, buscando à transformá-lo em uma verdadeira política pública de Estado.
Neste momento, o Programa vive sua pior crise, devido à ausência de um marco legal que o institua, de uma metodologia específica e unificada de funcionamento e da fragilidade e descontinuidade na sua gestão. Neste sentido, constatamos que não houve priorização da política de proteção às defensoras e aos defensores de direitos humanos.
Desde 2013 até os dias de hoje, as manifestações populares que vêm acontecendo em várias cidades brasileiras têm sido amplamente criminalizadas, inclusive com legislações típicas de regimes de exceção (Lei de Segurança Nacional, aprovação da Lei das Máscaras no Rio de Janeiro – 6.528/13, tentativa de aprovação de Lei Anti-Terrorismo) e práticas de infiltração, provocação e espionagem realizadas pelas forças policiais. Não foram poucos os casos de abuso de autoridade, uso desproporcional da força e prisões arbitrárias. No meio desse contexto de intensificação da violência de Estado, ganhou corpo o debate sobre a desmilitarização da segurança pública e o controle externo das polícias.
O Comitê vê com preocupação a forma como vêm sendo implementados os grandes projetos de infraestrutura em todo o País, especialmente na Amazônia. Entendemos que é urgente o enfrentamento dos impactos desses projetos nos direitos humanos, por meio de medidas como a participação efetiva das populações atingidas, como o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na convenção 169 da OIT, que urge ser garantido pelo Estado brasileiro aos povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais.
Diante desse cenário de violações, o Comitê também vê com preocupação as ações tomadas pelo Estado brasileiro em relação aos megaeventos esportivos: Copa do Mundo e Olimpíadas, programados para acontecer no País, respectivamente, em 2014 e 2016. O processo de criminalização do protesto social é uma maneira de enfraquecer a luta dos defensoras e defensores de direitos humanos, tornando mais fácil as ações de ameaça e intimidação.
Alertamos que seguem inalteradas as violações e ameaças em função de: grupos de extermínio e militarização da segurança pública, encarceramento em massa e extermínio da juventude negra; avanço do agronegócio e grilagem, todos vinculados ao modelo de desenvolvimento adotado e financiado pelo governo brasileiro. Além disso, persiste uma situação de crescente violência contra a mulher e em decorrência de identidade de gênero.
Chama atenção que nos últimos 3 anos aumentou a fragilização dos programas, inclusive com um retrocesso na sua institucionalização em Estados como o Rio de Janeiro, Pará e Ceará. O Pará, por exemplo, é o estado com o maior número de defensoras e defensores ameaçados e que teve a sua execução no âmbito estadual paralisada desde 2012. O programa do Pará foi um dos primeiros a ser executado no país. Dessa forma, o termino da execução é um indicativo importante da fragilidade institucional a que as defensoras e os defensores ameaçados se deparam cotidianamente.
Seguimos afirmando que a única forma de proteger com eficácia e de forma definitiva os defensores e defensoras é priorizar políticas públicas que visem à solução das causas estruturais geradoras das violações. Neste sentido, a SDH possui um importante papel de articular com Ministérios e outros órgãos públicos para a efetivação da política de proteção aos defensores.
Diante do exposto, apresentamos as seguintes recomendações:
Acelerar a tramitação e a aprovação do PL que regulamenta o PPDDH na Câmara dos Deputados e Senado Federal;
Implementar imediatamente o Plano Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores;
Ampliar a estrutura e o orçamento do PPDDH no âmbito da SDH, a fim de garantir a proteção das defensoras e dos defensores de direitos humanos enquanto política de Estado;
Criar, no âmbito do PPDDH da SDH, um mecanismo de articulação entre os diversos órgãos de estado responsáveis pelo enfrentamento das causas estruturais que geram as violações no contexto em que os defensores e defensoras estão inseridos;
Implementar um plano de trabalho voltado para o monitoramento e acompanhamento, junto às instituições do sistema de justiça e segurança pública, das ações judiciais e inquéritos policiais que envolvam defensoras e defensores, quer para a apuração das violações e ameaças, quer garantindo assessoria jurídica para os casos de criminalização da sua luta em defesa dos direitos humanos;
Ampliar e desburocratizar a parceria nos estados federados para além da celebração de convênios, e buscar novas formas de execução da política de proteção às defensoras e os defensores;
Aperfeiçoar a metodologia de proteção, no sentido de atender a grupos e comunidades pelas quais lutam as defensoras e os defensores, em especial os povos e comunidades tradicionais;
Articular políticas sociais que atendam a dimensão da proteção social das defensoras e dos defensores de direitos humanos inseridos no Programa, como assistência médica, psicológica e previdenciária, por exemplo;
Criar e capacitar unidades policiais especializadas para a proteção das defensoras e dos defensores de direitos humanos, bem como órgãos e procedimentos especializados para o recebimento e processamento de denúncias apresentadas pelas defensoras e defensores de direitos humanos;
Realizar ampla campanha de reconhecimento e valorização das defensoras e dos defensores de direitos humanos, além de melhorar a divulgação e as informações sobre o PPDDH no site e materiais institucionais do governo.
Criar, em caráter emergencial, um mecanismo do PPDDH específico para atender a demanda da Amazônia e do Mato Grosso do Sul, envolvendo órgãos nacionais e regionais;
Brasília, maio de 2014.
Atenciosamente,
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos