Por Marcela Belchior
Da Adital
Estudo demonstra como a expansão do agronegócio em várias regiões brasileiras tem afetado gravemente a qualidade de vida e a o cumprimento de direitos humanos das populações locais. Através do “Dossiê Perímetros Irrigados e a expansão do agronegócio no campo: quatro décadas de violação de direitos no semiárido”, movimentos sociais do setor oferecem uma sistematização da experiência e do saber dos que vivem conflitos nos territórios onde a política nacional de irrigação só beneficia grandes empresários.
A pesquisa, coordenada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), foi apresentada no último dia 17 de maio, durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na cidade de Juazeiro, Estado da Bahia, e mostra uma realidade preocupante. De acordo com o documento, extensas áreas irrigadas artificialmente são responsáveis por violações de direitos humanos na expansão do agronegócio. As consequências são a expulsão de pequenos agricultores e a contaminação por agrotóxicos.
Segundo o dossiê, a vasta expansão dos perímetros irrigados no semiárido brasileiro é a meta do governo federal na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das políticas prioritárias dessa gestão. O Plano Plurianual do país para 2012-2015 prevê recursos na ordem de R$ 6,8 bilhões, para ampliar a área irrigada em 193,1 mil hectares e instalar novos perímetros em 200 mil hectares.
Tal empreendimento consolidaria e ampliaria um projeto geopolítico de expansão dos interesses do capital no campo e de controle da reação popular, fortalecendo empresas nacionais e transnacionais do agronegócio. No entanto, para movimentos sociais do campo e pesquisadores que se dedicam ao tema, “essa política representa a multiplicação e o agravamento de uma ampla cadeia de perdas, impactos e danos que os perímetros irrigados vêm produzindo ao longo de seus 40 anos de história no semiárido, absolutamente ignorados na definição da política”.
Segundo os setores populares, esse movimento radicalizaria uma sucessiva expropriação da terra dos povos originários do semiárido, num claro processo de contrarreforma agrária. As populações do campo, segundo o documento, “muito longe de serem ‘beneficiadas’ por essa opção do governo, têm seus modos de vida da humanidade desqualificados como ‘atrasados’ pelo discurso oficial e são vulnerabilizadas por injustiças, desigualdades, iniquidades e violação de direitos”, aponta o dossiê.
O estudo salienta que exames médicos realizados em 545 trabalhadores de regiões próximas a cinco perímetros (sendo dois no Estado Rio Grande do Norte e três no Ceará), durante o período de um ano e meio, indicam que 30,3% apresentavam intoxicação aguda. Aponta também que a prevalência de câncer é 38% maior entre agricultores que moram em perímetros irrigados, em decorrência da chegada de grandes empresas do agronegócio, com uso intensivo de agrotóxicos.
Relação sem diálogo
Em entrevista à Adital, a pesquisadora Raquel Rigotto, uma das organizadoras do dossiê, afirma que o diálogo entre os movimentos sociais e o governo federal a respeito das questões rurais é hoje quase inexistente. Segundo ela, o Estado tem realizado uma política nacional de irrigação, mas sem consulta, escuta ou conversa com os setores populares organizados, ferindo direitos de participação política.
“Quando os problemas começam a aparecer, o diálogo fica cada vez mais difícil. É uma prática frequente, por exemplo, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) mandar para conversações representantes que não têm informação, poder de decisão ou que não levam as discussões de volta para o governo”, observa. Raquel afirma que o documento deverá servir de base para debates e circular na sociedade a partir de iniciativas dos próprios movimentos sociais, como em audiências públicas e outras instâncias de discussão.