Índios do PA foram ‘prisioneiros de guerra’ durante a ditadura

Investigação buscou relatos de tribos Suruí durante a Guerrilha do Araguaia, no Pará. (Foto: O Liberal)
Investigação buscou relatos de tribos Suruí durante a Guerrilha do Araguaia, no Pará. Foto: O Liberal

Índios alegam ter sido forçados a colaborar com o Exército. Relatório descreve violações sofridas durante a Guerrilha do Araguaia.

G1 PA

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) recebeu nesta terça-feira (13) de indígenas da etnia Aikewara, também conhecidos como “Suruí do Pará”, relatório sobre as graves violações de direitos humanos sofridas pela etnia, que afirma ter sido forçada a se envolver com a repressão das Forças Armadas à Guerrilha do Araguaia, na primeira metade da década de 70, no sudeste do Pará. Na avaliação dos Suruí, eles foram tratados como prisioneiros de guerra. Eles afirmam que testemunharam mortes e torturas.

O relatório, produzido ao longo de 2013, foi entregue à Maria Rita Kehl, integrante da CNV responsável por apurar as graves violações de direitos humanos de indígenas e camponeses, pelo vice-cacique Mahu Suruí, pela jovem liderança Winorru Suruí e mais três idosos, vítimas das violações: Api, Tawé e Teriwera Suruí.

O trabalho é fruto de investigação documental, bibliográfica e de cunho antropológico, coordenada pela antropóloga Iara Ferraz, que há 20 anos convive com a etnia, e colheu “longos e detalhados depoimentos” dos Aikewara no ano passado, com o apoio do Grupo de Trabalho Araguaia, criado pelo governo para atender a determinação judicial para localizar os restos mortais das vítimas do extermínio da guerrilha. Na avaliação de Iara, o caso dos Suruí se destaca pela comprovada participação direta das Forças Armadas nas violações, assim como ocorreu com os Waimiri-Atroari, no Amazonas.

Maria Rita Kehl avaliou como muito positiva a iniciativa dos Suruí. Ela esteve com a etnia duas vezes em 2012, momento em que foi comunicada da decisão dos indígenas de que eles mesmos contariam sua história. “Vai ser de muito valor para o capítulo do relatório que tratará das graves violações de direitos humanos contra indígenas e camponeses, pois será, junto com o dos Xavante Marãiwatsédé, um dos únicos relatos feito pelos próprios indígenas”, afirmou.

Prisioneiros de guerra

Segundo o relatório, de 1972 a 1974, os Aikewara tiveram o seu território totalmente ocupado e interditado pelas forças repressivas e foram proibidos de prover a sua subsistência (ir à roça, caçar, coletar ou pescar), tiveram incendiadas a sua provisão de arroz e de milho, assim como as casas na aldeia com seus pertences. Tiveram, portanto, deliberadamente destruídas pelos militares as suas bases materiais e culturais de existência.

Para os Suruí, eles foram tratados como prisioneiros de guerra, pois as mulheres e crianças foram diuturnamente vigiados na aldeia, enquanto todos os homens adultos, recrutados à força, com o aval da Funai, foram usados como guias na mata, como escudos humanos, sofreram a violência das privações e humilhações, carregando cargas pesadas às costas para os militares, dormindo ao relento na estação das chuvas, com fome, sede e medo sob a mira das armas, na “caça” aos guerrilheiros.

“As mulheres ficaram sozinhas com os idosos e as crianças na aldeia, vigiados pelo Exército. Se ouviam os tiros e eu me assustava”, contou Teriwera durante a reunião. Ela estava grávida de gêmeos e perdeu os bebês. “Acho que foi dos sustos, porque eu nunca perdi meninos”, afirmou. Segundo ela, os Aikewara também passaram muita fome, pois não podiam colher ou caçar.

Testemunhas de mortes e torturas

Os Suruí presentes à reunião na CNV contaram que testemunharam mortes e tortura contra os militantes da guerrilha, como de camponeses, caso de Domingos, que chegou à aldeiacom uma corda amarrada ao pescoço e prestes a morrer, mas foi salvo pelos indígenas. Ele foi perseguido pelos militares pois o parto de sua filha foi realizado por Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina.

Segundo Winorru Suruí, a ocupação da aldeia pelo Exército, além das consequências imediatas relatadas pelos anciãos, resultou em duas sequelas: invasão e perda do território. “Após a guerrilha teve Serra Pelada e, depois do garimpo, os migrantes ficaram por lá e muita gente entrou na nossa terra. No nosso atual território não temos mais acesso ao barro e perdemos a cultura da cerâmica”, contou.

Na reunião, Winorru foi o responsável pela leitura da Carta do povo Aikewara à Comissão Nacional da Verdade. Na carta, os indígenas pedem indenização do governo brasileiro por terem “sofrido violência dentro e fora de casa sem saber o porquê da presença dos homens da aldeia na ‘caçada’ de pessoas”.

Atualmente com uma população de 350 indivíduos, os Aikewara estão distribuídos em duas aldeias – Sororó e Itahy – na Terra Indígena Sororó, situada nos municípios de Brejo Grande do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Marabá, a sudeste do estado do Pará. Um processo de revisão territorial que se encontrava engavetado na FUNAI há cerca de 20 anos – TI Tuwa Apeku og’kwera – aguarda agora a portaria declaratória do Ministro da Justiça.

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