Rio On Watch – Na terça-feira 8 de abril, o Vidigal acolheu o segundo da série de quatro debates “Fala Vidigal“. Organizado pela Associação de Moradores da Vila Vidigal, a Comunidades Catalisadoras, o Fórum Intersetorial do Vidigal, Albergue da Comunidade, e o Vidblog Vidigal, os debates forneceram aos moradores a oportunidade de discutir o processo de gentrificação e o que isso significa para o futuro da sua comunidade.
O primeiro debate, realizado em 18 de março, iniciou a conversa com um painel de discussão sobre a definição de gentrificação, a história do Vidigal, as origens de favelas como habitação a preços acessíveis, e as colocações dos moradores. O segundo debate ampliou a discussão sobre as mudanças recentes no Vidigal, permitindo uma discussão ampla e abrangente entre os moradores para definirem os bens da comunidade que não podem ser perdidos nesta transformação, bem como as melhorias necessárias que os moradores querem para o futuro do Vidigal.
Com cerca de 120 pessoas presentes, o debate iniciou com um vídeo especialmente preparado no qual uma variedade de moradores, de vários locais de dentro Vidigal, foram perguntados sobre o que eles pensam da comunidade e das mudanças em andamento. William de Paula, o Ninho, morador de longa data e ator do Nós do Morro, declarou: “Nós fizemos este vídeo para ver o que todo mundo estava pensando sobre esse processo de gentrificação, porque [os novos desenvolvimentos] tem impactado as nossas vidas de uma forma positiva e negativa. Este é o nosso objetivo hoje. [A especulação imobiliária] está acontecendo em nossa comunidade. Isso está acontecendo em todos os lugares: no Vidigal, no Rio de Janeiro, e a nível Brasil”.
O debate começou com um depoimento de André Gosi, morador do Vidigal há 52 anos, e sua família por 70 anos. André é um dos atuais diretores da Associação de Moradores da Vila Vidigal. Refletindo sobre os moradores que já ficaram tentados a vender suas casas para os recém-chegados, pelo fato de que nunca haviam imaginado que suas casas poderiam ser tão valiosas, André advertiu: “A pessoa tem que ter consciência que a casa dela tem um valor humano muito grande. Tem que pensar se vale à pena sair daqui para morar em outro lugar por R$200.000. Você não muda só de endereço, muda de hábitos, muda de tempo. Depois fica em depressão porque as pessoas que conviviam perto de você vão morar distante. Então você tem que começar pensar por este lado. Eu costumo dizer que a favela é o lado mais original do Rio de Janeiro. Onde as pessoas vivem muito próximas. O vizinho que a gente pede um açúcar, a solidariedade que é fantástica–você está passando mal eu te levo no Miguel Couto. Tudo isso tem que ser pesado, posto na ponta do lápis, pensar se vale a pena vender a sua casa e ir morar num lugar bem distante”.
André foi seguido por Manoel, um dos fundadores do eco-parque Sitiê e um jardineiro idoso da comunidade, que defendeu os valores que os estrangeiros–muitas vezes identificados como os iniciadores do processo de gentrificação–interessados na comunidade trouxeram nos últimos anos: “Quando recebemos estrangeiros podemos ser gratos por serem pessoas que vêm conhecer o Brasil e a comunidade de forma diferente… O Vidigal é o celeiro da Zona Sul de beleza. É uma comunidade diferenciada. Não só agora nessa época, mas nos anos 70, 80 já recebia uma enorme quantidade de visitantes. Estou feliz de participar de uma transformação que pode trazer coisas melhores… Nos educa e traz também cultura pra nós”.
Sylvia Cassanello, uma uruguaia que fez do Vidigal sua casa nos últimos 24 anos, e que é um ativista em defesa de animais abandonados e maltratados na comunidade, destacou que não só os estrangeiros estão se mudando para a comunidade, mas que os brasileiros de classe média incapazes de pagar os altos preços da moradia nos bairros embaixo também foram morar no Vidigal.
Na seqüência um ator brasileiro que há um ano se mudou para a comunidade do asfalto, quando estava trabalhando com Nós do Morro, disse: “Vim para trazer ao Vidigal a minha bagagem. O que eu posso oferecer e trocar com o Vidigal. E o que o Vidigal pode trocar comigo também. Acho uma comunidade super aberta, muito colorida, muitas pessoas diferentes. Acho que o Vidigal tem uma auto-estima muito legal… O que acho que é bom que não pode perder, é o fato de todo mundo falar com todo mundo… A gente que vem de fora tá cobrando coisas também. A gente que vem de fora se espanta com o lixo na rua e aí a gente começa catar. A nossa contribuição, quem vem de fora, vem para exigir. Eu acho que o Vidigal tem que ter banco, hospital. Quem vem de fora e tem isso lá fora, quando chega no Vidigal vai trazer essas reivindicações também… Porque é isso que eu quero no futuro. Que seja um bairro como outro qualquer”.
Ivanete Alleliuiah da Associação de Mulheres do Vidigal (A.M.A.R), em seguida, pegou o microfone, perturbada com algumas das coisas que ouviu: “Para mim no Vidigal de hoje está tudo errado. Tudo ruim. Eu quero saber se alguém tem conta de luz que está vindo alta? Eu garanto que tem… É a conta de luz alta, é a conta de água alta. Daqui a pouco o favelado está pagando IPTU. Então eu não posso concordar com o que está acontecendo. É ONG sendo construída lá em cima com 3 andares, onde eu, moradora que mora aqui há mais de 50 anos e faço parte da Associação de Mulheres, não temos nem um espaço para construir uma sede. Onde qualquer um pode chegar e construir, a preços altos. A questão de banco: seria bom ter um banco aqui sim, mas vocês precisam ficar bem atentos ao banco que pretendem construir dentro da comunidade, que é para oferecer juros baixos para que vocês peguem dinheiro e através destes juros você podem perder a casa. Fiquem bem atentos. Eu quero a minha favela, eu não quero comunidade”.
Em seguida veio Adalberto Ferreira, ou Beto, um compositor de samba e membro da ONG Horizonte. Relacionando-se nas preocupações de Ivanete sobre justiça, e enfatizando que os moradores do Vidigal haviam permanecido na comunidade, investindo em suas vidas e vivendo lá em tempos difíceis, ele foi categórico: “O governo deu a garantia que dentro das favelas pacificadas, teria segurança, e que as coisas seguiriam para os projetos sociais. Santa Marta foi a primeira favela pacificada, e hoje já se passaram 5 anos e a gente não vê melhoramento na educação, na saúde, na habitação, em lugar nenhum… No Vidigal, quando tinha o tráfico, ninguém queria subir. Nós moradores chegávamos do trabalho, ficávamos aqui na praça com o BOPE ali, que não deixava a gente subir porque era um troca-troca de tiro. Então ninguém queria vir pra cá. A gente seguiu com as próprias pernas. Desde a década de 80 o governo do Estado esteve ausente nas favelas… e a gente passou por dificuldades. Com a pacificação foi entrando os policiais. Eles também são um laboratório. Eles fazem um curso muito rápido, vem sem preparo psicológico, sem preparo físico, com salário bem baixo, para fazer o seu serviço. Acontece isso: a gente fica no poder do governo esperando o trabalho social, que também não aparece… Desde que essa comunidade foi fundada, um dos lideres comunitários, o Paulinho, conta que esse processo de remoção vinha de 10 em 10 anos… Temos todos os tipos de imigrante, do nordeste, sudeste, sul, e do Brasil afora e estão aqui construindo suas casas de tijolo em tijolo. Trabalhando com salário mínimo ou um pouquinho mais passando a sua dificuldade e assim afora. As pessoas naquela época não eram instruídas, algumas vieram estudando, ganhando salários bem baixos, querendo sobreviver. As pessoas começaram exigir os seus direitos… Como é que essas pessoas vão contribuir para uma conta de luz alta, conta de água alta, e com as pessoas sendo coagidas para sair da comunidade?… Nós precisamos chamar o governo, toda a sociedade aqui… e que tenham aqui propostas concretas para poder passar para a gente. Não queremos viver de esmolas”.
Somando-se a crítica do Beto, à negligência do Estado, o professor do ensino médio, Fábio de Barros Pereira, assumiu o microfone e fez um apelo apaixonado para a comunidade ter interesse e posse de sua escola local, onde ensina: “Eu quero dizer que a escola tem um papel construtor de futuro. E neste sentido eu acho que a gente precisa, para construir um futuro bacana, importante–que garante direitos, que forme cidadãos, que prepara os alunos–a gente precisa de uma escola completamente diferente dessa escola que temos hoje no Vidigal. A Almirante Tamandaré tem mais de 50 anos. Fica localizada dentro da comunidade. Lamentavelmente está de costas para a comunidade. E de certa maneira, a comunidade de costas para a escola. A escola neste momento tão crucial, não só no Vidigal, no qual as comunidades estão vivendo no Rio de Janeiro, com este projeto de cidade tão enlouquecido de militarizar a cidade cada vez mais, eu acho que a escola tem um papel importante a cumprir”.
“Que escola que eu gostaria que existisse no futuro?… Uma escola que ajudasse a formar cidadãos… Em uma situação tão decisiva quanto essa–da instalação de uma UPP que pretende pacificar alguma coisa–a escola precisa formar cidadãos que pensem, que experimentem, que pratiquem, que exercitem democracia. Isso é essencial. A nossa escola hoje não faz isso. É autoritária. Professores e alunos não podem participar do destino da escola. Não tem voz. Porque é importante o aluno e professor participar da escola? Especialmente a comunidade. Eu não conheço um exemplo de uma escola bem sucedida onde a comunidade não tenha abraçado e participado da escola. Porque isso é importante? A gente está vendo, na cidade, se estabelecer um projeto cada vez mais militar, e isso me assusta muito. Cada energia e cada centavo posto nesse projeto de contratar mais policiais e comprar mais armas e viaturas para ocupar as comunidades em detrimento dos benefícios sociais, a gente está construindo a cidade em uma determinada direção. Quanto mais eu compro armas, mais eu alimento a guerra. A escola deve exercer um papel contrário. A escola deve construir a democracia. Porque que é importante construir a democracia? Porque a democracia tem duas características principais. Primeiro é a participação política. Uma sociedade como a brasileira tão excludente, tão concentrada, tão autoritária, se ela não forma para a democracia, ela vai perpetuar essa desigualdade, injustiça social perenemente. E a segunda característica importante da democracia é a garantia de direitos… Se o estudante puder no dia a dia da escola exercitar a gestão escolar junto com a direção e os professores. Eu só vejo uma solução possível para as comunidades ocupadas, ter sucesso e viabilidade no projeto de pacificação, e é a necessidade da comunidade controlar o estado. O estado não pode controlar a comunidade. A polícia não pode controlar a comunidade. Isso não nos vai levar a um bom lugar. Cada centavo que eu boto numa arma, eu tiro de um livro. Cada PM que eu contrato, eu tiro um professor da escola. Cada carro que eu compro é menos um computador, menos um livro, menos uma biblioteca. Então a gente está construindo uma cidade em cima de um projeto que não nos interessa. A nossa escola deveria estar ocupando um papel central no Vidigal de irradiar valores de cidadania, de democracia… Segunda coisa, o Vidigal tem uma característica essencial. É uma comunidade que tem uma história de relação com as artes. A única coisa que pode salvar a escola dessa monotonia, dessa chatice que se tornou a educação hoje, são as artes… Não atrai mais os jovens… A arte pode desempenhar um papel importante de renovar a escola. E o Vidigal, talvez, é o lugar mais propício de todos, para nós termos uma escola experimental, de ponta; que traga arte para sala de aula… que a gente traga o lúdico, o jogo, a brincadeira…”
Na seqüência da proposta de Fábio o palco foi assumido por um arquiteto espanhol, Miguel Plaza, que se mudou para o Vidigal há um ano e tem se empenhado com vários programas de apoio à comunidade: “Eu conheço muitos estrangeiros, mas nenhum está comprando. Quem está comprando? Acordem, porque é gente com muita grana que vem de fora [da comunidade] que está ligada com muitos poderes, gente brasileira… Sou arquiteto. Eu vim com a ideia de fazer a comunidade melhor. Porque se faz a casa por dentro e não faz espaço público? Eu vi uma solução prática e concreta para o futuro mais imediato. Quanto menor a obra, menos dinheiro, melhor, mas fácil de fiscalizar. Dá mais força para a comunidade. Eu vim, fiquei fascinado por dois meses pela vista, é maravilhosa. Mas depois fiquei fascinado pela comunidade mesmo. O que está acontecendo com as festas? Porque não pode fazer mais festas? Mais debates como este aqui? Porque isso vai dar mais força. A comunidade é o que tem mais valor… Vamos fazer mais atividades, vamos educar, movimentar uns aos outros e se relacionar. Porque nestas atividades de relação, uns com os outros, é que a comunidade se faz mais forte. Foi disso que eu gostei quando vim para cá, e que é diferente de outros lugares”.
O debate, em seguida, completou o círculo retornando para outro morador nascido e criado no Vidigal e Presidente da Associação de Moradores da Vila Vidigal, Marcelo da Silva, que explicou que ele queria falar não como presidente, mas como morador, expandindo o tema de Miguel de fortalecimento da comunidade através da união: “Não adianta vir aqui e colocar a culpa nos orgãos, Prefeitura, Governo, gringos, estrangeiros, se nós moradores não formos mais unidos. Se nós moradores não nos entendermos. Porque eu vejo que toda hora chega um probleminha que poderia ser resolvido com diálogo. E são pessoas que convivem há 40 anos na mesma localidade… Está na hora de termos uma mentalidade de união. Chega de botar a culpa em gestões passadas, essa que está, ou a que vai vir… Agora, em questão dos preços [de luz], temos que correr atrás. Cobrar um preço justo para a comunidade. Algumas associações estão tendo a visão agora, estamos nos unindo, fazendo reuniões para ficarmos mais forte. Chega das coisas estarem acontecendo no Vidigal e eu não estar me importando com a outra comunidade. Essa união é necessária. Saber o que está acontecendo no Santa Marta, Cantagalo, Babilônia, Rocinha… Estou vindo aqui como morador para pedir, vamos deixar de lado essa coisa de querer colocar culpa em todo mundo… e cada um de nós, moradores, fazer a nossa parte”.
Ao longo do debate os moradores elogiaram as qualidades da comunidade, tais como: a abertura, acultura, a comunicação, a solidariedade e o sentido de comunidade que “não é encontrado no asfalto”. Inúmeros moradores observaram que o atual processo de gentrificação no Vidigal não é apenas um fenômeno local, mas sim a conseqüência de mudanças econômicas globais e de políticas desde o nível federal.
O terceiro debate “Fala Vidigal” irá discutir as intenções dos novos empresários e donos de empresas que entraram na comunidade, e sobre o que eles podem contribuir. O evento acontecerá no dia 6 de maio na Praça Vidigal às 19h. O debate final será no dia 3 de junho, e irá contar com as autoridades públicas envolvidas na comunidade para discutirem os seus planos para a comunidade e ouvir as preocupações dos moradores.
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