Manoel Pedro Serafim relata o drama das comunidades que sofrem com os agrotóxicos lançados indiscriminadamente pela Aracruz Celulose no norte do Estado
Ubervalter Coimbra, Século Diário
Com a complacência do governo do Estado, que finge não ver o genocídio, os venenos da Aracruz Celulose (Fibria) são usados em grandes quantidades e extensões no meio dos eucaliptais. E também sobre estradas, escolas e comunidades inteiras.
Mortes são comuns. Cegueiras, câncer, entre várias outras doenças, são registradas em praticamente todas as famílias. O terror da Aracruz Celulose e a tragédia coletiva que promove sobre as comunidades não têm limites.
Casos dramáticos de saúde, de pessoas que vivem da caridade pública depois de tornadas inválidas pelos bombardeios dos venenos promovidos pela empresa, são apontados e relatados por Manoel Pedro Serafim. Ele foi o responsável pela criação da Associação dos Pequenos Agricultores Vizinhos dos Empreendimentos Industriais de Conceição da Barra e São Mateus.
“Os moradores não têm como fugir dos venenos lançados pela empresa. Não há proteção de nenhum órgão público, seja do governo federal ou do Estado, contra esta arbitrariedade”, desabafa Serafim. Ele acrescenta que o crime do enveneamento não ganha repercussão pela omissão dos meios de comunicação de massa do Estado, como as redes Gazeta e Tribuna.
Abre parênteses para as reportagens publicadas na rede Gazeta sobre agrotóxicos nos últimos dias. Mas destaca que o foco está errado. Para ele, o jornal centrou nos problemas causados pelos produtores rurais. E não nos gigantescos desastres ambientais e sociais causados pelas enormes quantidades de venenos usados pela Aracruz Celulose.
As consequências do uso dos venenos são crescentes. Manoel Pedro Serafim conhece os problemas há muito tempo. Voltou à sua terra, no norte do Estado, há 25 anos, quando a própria Aracruz Celulose ameaçava tomar as terras de seus pais. Ousou enfrentar a empresa, e vem sobrevivendo na luta.
Serafim denuncia que falta uma política de orientação para os produtores rurais sobre o uso dos agrotóxicos. Lista como omissos os órgãos do governo do Estado, que não querem nem saber do problema.
Enquadra o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e a Policia Militar Ambiental. Como igualmente omisso, cita ainda o Ministério Público Estadual (MPES).
E não adianta tentar ajuda para as comunidades agredidas e que estão sendo destruídas pelos venenos. Quando pediu ajuda para que a água dos córregos e rios da região fossem examinadas para confirmar o teor da contaminação com venenos, ouviu não tanto da Ouvidoria Agrária Nacional quanto do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O único órgão que vem atuando nas demandas apresentadas pela Associação dos Pequenos Agricultores Vizinhos dos Empreendimentos Industriais de Conceição da Barra e São Mateus é o Ministério Público Federal (MPF). Foi deste órgão a intervenção no caso da destruição de mata atlântica nas Áreas de Proteção Permanente (APPs) pela Aracruz Celulose (Fibria) para plantios de eucalipto.
Foram os agrotóxicos e o uso intensivo pelos plantios de eucalipto que destruíram a terra nos territórios de Conceição da Barra e São Mateus. Como a empresa é íntima dos governantes, os produtores não têm a quem recorrer. E veem a água de suas propriedades destruídas e contaminada pelos venenos.
Não sobram córregos ou rios limpos. O envenenamento que vem do alto durante a aplicação dos venenos é acentuado pela água que os moradores têm que usar. Plantas não crescem. Os animais ficam doentes.
As pessoas ficam doentes. Não é preciso ser profissional de saúde para ver que as pessoas estão envenenadas. Diferentemente dos lugares onde há doentes por terem empregados os venenos nos seus plantios, na região de Conceição da Barra e São Mateus quem não usa o veneno também é contaminado.
Serafim denuncia um grande complicador na região. Os médicos não ousam atestar a causa das mortes por envenenamento por agrotóxicos. Eles também temem as garras da Aracruz Celulose.
Gente doente, morrendo e sem ter o que comer. Porque não adianta plantar, pois não nasce. Por falta de água, que está acabando, pois os córregos e rios estão secos, consumidos pelos eucalipto, e pela qualidade da terra, exaurida. Só resta a atividade, cada vez mais improdutiva, de catar resíduos de eucalipto.
A cata autorizada é como se fosse um favor da Aracruz Celulose aos moradores. Mas são estes moradores, cada vez mais em menor número, que são os verdadeiros donos da terra que a empresa usurpou.
O dirigente da Associação dos Pequenos Agricultores Vizinhos dos Empreendimentos Industriais de Conceição da Barra e São Mateus informa que 85% das terras de São Mateus e Conceição da Barra estão plantados com eucalipto. São Mateus tem 2.338 quilômetros quadrados, e Conceição da Barra, 1.188 quilômetros quadrados, o que dá a dimensão do estrago que o eucalipto produz na região.
Para desespero da grande maioria das famílias, casos como os vividos pelo próprio Serafim são cada vez mais comuns. Na comunidade onde vive já foram registradas mortes como a de Wendson Valentin, 13 anos; Jery Valentin, 18 anos; e Wando Valentim, 13 anos, todos envenenados. “E minha irmã ficou cega”, como relata. Didi, que morava perto do centro de operações da Aracruz Celulose (Fibria), igualmente morreu envenenada. Outros tantos ficaram cegos; o glaucoma está cada vez mais comum, se tornando endêmico.
A Aracruz Celulose (Fibria) é a materialização do sonho do norueguês Erling Sven Lorentzen, casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V. Foi favor da ditadura militar e dos governos capixabas seus serviçais. Há poucos anos ele vendeu sua parte (28% das ações da empresa) e voltou para seu país, para gozar o que resta de vida.
À época da implantação da empresa, o então governador Arthur Gerhardt Santos (1971 – 1975), quando ainda era integrante do governo de Christiano Dias Lopes Filho, destinou à empresa os territórios indígenas (Aracruz) e quilombolas (Sapê do Norte). Os primeiros plantios de eucalipto começaram em novembro de 1967.
No seu sétimo e último corte, estes antigos eucaliptais têm de ser substituídos. O que aponta para o fim de toda e qualquer possibilidade de produção em extensas áreas dos territórios do norte capixaba e novas áreas em processo de destruição.
Aponta também para mais mortes pelo envenamento causado pela Aracruz Celulose, num genocídio que tem em Manoel Pedro Serafim um dos poucos combatentes. Na prática, um combate individual, desigual. E possivelmente mortal.
No Estado – O eucalipto vem tomando conta do Espírito Santo, produzindo mortes não só no território quilombola. Segundo o Movimento dos Pequenos Produtores (MPA) os eucaliptais já cobrem 350 mil hectares de terras, antes apropriadas para a agricultura, hoje destruídas pelo uso intensivo com a planta exótica. E devem chegar a 450 mil hectares, se a Aracruz Celulose (Fibria) consolidar seu projeto da quarta fabrica.
Atualmente as últimas fronteiras dos plantios são as regiões noroeste e a região serrana capixaba. O eucalipto infesta as propriedades das bacias dos rios Santa Maria da Vitória e do Jucu, que abastecem os moradores da Grande Vitória.
A contaminação por venenos vem sendo reproduzida. Sem ser tratada de modo que o agrotóxico seja retirada, a água vendida aos moradores da Grande Vitória tem sua qualidade comprometida. Os venenos lentamente incorporados pelos consumidores vão aparecer, ainda que no longo prazo.
O genocídio dos capixabas pela Aracruz Celulose estará completo.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ney D’dãn.