“Vimos nesse processo eleitoral a explosão dos discursos de ódio e entre eles o racismo, que, como mostra Foucault, é a condição sob a qual podemos exercer o direito de matar, de humilhar, de assujeitar, expondo ao risco determinados tipos de sujeitos e comportamentos, impondo a morte política, a expulsão dos territórios, a rejeição. Estamos vendo o crescimento desses discursos de ódio, com pedidos até de “intervenção militar” dos que perderam as eleições, numa tentativa de enfraquecer a democracia. O que é paradoxal e inédito pós-ditadura militar. Esses discursos de ódio, de racismo, não são, portanto, uma regressão e nem a sobrevivência de um passado arcaico, mas o produto de uma Mídia-Estado e de processos contemporâneos de biopoder e de gestão da vida”.
Os discursos de que o Brasil está dividido pós-eleições presidenciais, por conta da diferença de 3% entre a presidente reeleita e o candidato de oposição, “não explica a eleição de 2014”, avalia Ivana Bentes em entrevista à IHU On-Line. “Não podemos falar de um Brasil partido em dois pós-eleições, mas de uma constelação de interesses e desejos que expressam grupos e segmentos múltiplos”, enfatiza. Segundo ela, “a partição binária não serve a ninguém. É mais um ‘meme’ e uma narrativa redutora, polarizadora e conservadora. O mapa das eleições é muito mais mesclado e instável que o ‘muro’ que querem erigir entre nordestinos e sulistas, ou a polarização entre dois partidos, PT e PSDB”. Apesar de a leitura de um país dividido ser equivocada na opinião da pesquisadora, ela frisa que a polarização e a “narrativa do embate não desapareceu”, tampouco “os conflitos de classe”. Embora a divisão apareça em alguns pontos, “essa dualidade não dá conta, em termos simbólicos, das mudanças que o país sofreu e da mobilidade subjetiva dos muitos”, enfatiza.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Ivana Bentes responde algumas das perguntas da IHU On-Line, com ênfase em uma análise do discurso tanto da mídia, que ela denomina de “Mídia-Estado”, quanto das redes sociais. “Durante algum tempo acreditamos que as redes sociais enterrariam revistas como a Veja, pois com uma mídia-multidão as denúncias seriais e campanhas podem ser desconstruídas com a velocidade e sagacidade dos muitos. Mas as redes também podem produzir e reproduzir o mesmo discurso de ódio, racismo, intolerância”, pontua. (mais…)