Por Ana Carolina Pinto, no Extra
Um país supostamente mais rico, mais justo e mais competitivo. Este seria São Paulo, caso se emancipasse do Brasil, na opinião do movimento separatista São Paulo Livre. A ideia de transformar o estado em uma nação independente não é nova, mas ganhou força após o resultado das eleições. Movimentos mais radicais, mensagens de preconceito contra nordestinos e eleitores do Partido dos Trabalhadores (PT) dividem espaço com separatistas menos agressivos, como a organização coordenada por Flávio Rebello, de 42 anos.
Neto de uma pernambucana e filho de carioca, o microempresário nascido em Santos afirma que diariamente recebe cerca de 100 mensagens de interessados em contribuir com a causa. Ele conversou com o EXTRA sobre as propostas do movimento. Confira a entrevista na íntegra.
EXTRA – A ideia do movimento é propor a discussão ou realmente levar à frente um movimento para separar São Paulo do país?
— São Paulo Livre tem por objetivo abrir uma discussão junto à sociedade paulista sobre as vantagens de um eventual processo de independência. Apoiamos a ideia de viver num país menor, com muito menos burocracia e mais incentivos à livre iniciativa e ao progresso individual pelo próprio mérito. Acreditamos que São Paulo tem condições, se virasse um país independente, de proporcionar uma vida melhor para seus habitantes. Mas essa é a nossa opinião. Quem terá a última palavra sobre isso é, naturalmente, a própria sociedade paulista. Nenhum movimento, por menor ou maior que seja, pode responder pelo povo local como um todo. Nós, do São Paulo Livre, não temos de pretensão de iniciar um processo de independência, mas sim de iniciar um debate público, sem radicalismo, sem racismo ou qualquer tipo de preconceito, sobre o independentismo como uma das opções para o povo de São Paulo, e até para os habitantes de outros estados. Afinal, quem sou eu para dizer a um fluminense se o Rio deve ou não continuar a fazer parte da União? Essa discussão pertence exclusivamente ao povo que mora no Rio de Janeiro.
EXTRA – A proposta esbarra na Lei de Segurança Nacional, que pune as tentativas de “desmembrar parte do território nacional para constituir país independente” com reclusão de 4 a 12 anos. Como está sendo feita a articulação jurídica do movimento? Já pensaram sobre a questão?
— A lei trata de “tentativas de desmembrar parte do território nacional”. Pois não estamos propondo a ninguém que haja com violência ou revolta contra o governo federal. Muito pelo contrário, queremos espalhar e discutir com a sociedade paulista nosso ponto de vista, por meio das mídias sociais, encontros, reuniões e até por meio de manifestações, sempre respeitando a lei e a ordem e, insisto, sem ofender a ninguém, sem discriminação de qualquer tipo, e com a participação dos mais diversos setores da sociedade. Pessoas podem concordar ou discordar totalmente do que propomos e argumentamos, mas não podem nos proibir de pensar, de debater ideias, por melhores ou piores que estas sejam. Se formos proibidos de pensar isso ou aquillo, aí sim estaremos a caminho de uma ditadura, na qual “crimes de pensamento” passam, tristemente, a existir.
A lei atual, por exemplo, proíbe o aborto, fora em casos vem específicos. O fato de uma lei proibir o aborto não impede, nem deve impedir, que grupos contra e pró-aborto façam manifestações, passeatas, encontros e debates para discutir com a sociedade seus respectivos pontos de vista. O mesmo vale para o independentismo. Ninguém dentro do São Paulo Livre está propondo, e nunca vai propor, ações violentas, atos racistas ou atitudes preconceituosas contra quem quer que seja, de onde quer que seja. Muito pelo contrário, digo e repito que eu, por exemplo, gosto muito do Brasil e dos brasileiros. Mas amo São Paulo, e quero o melhor para seus habitantes e, na nossa opinião, é melhor para São Paulo trilhar um outro caminho.
EXTRA – Por que o movimento quer se separar do resto do país? Apenas por causa da vitória da presidente Dilma? Ou já havia esse desejo?
— A última eleição presidencial realmente deixou sequelas profundas na sociedade. Lula fez uma alusão, faz alguns dias, sobre a eleição presidencial ser como um jogo de futebol, na qual as torcidas de cada time ficam exaltadas, e não aceitam bem o resultado da “partida”. Lamentavelmente a metáfora de Lula foi muito simplória, ao meu ver. Numa eleição o destino de um povo, pelos próximos quatro anos, é determinado. Mais ou menos impostos, maiores ou menores taxas de violência, combate ou descaso com a corrupção inerente ao poder, crescimento econômico ou estagnação, inflação – tudo isso é muito maior, muitíssimo mais profundo e delicado do que uma mera partida de futebol. De certo a frustração com a derrota do candidato o qual mais de 64% dos eleitores paulistas votaram contribui para que um sentimento mais forte de rejeição a Brasília, e ao atual formato político da União por parte de muitos paulistas. Por outro lado, um sentimento, uma fagulha de ideia, um desejo a favor de uma eventual independência de São Paulo sempre dormiu no coração de muitos paulistas, de berço (os que nasceram lá) e de coração (os tantos milhões que adotaram São Paulo como seu lar). Essa última eleição simplesmente destrancou a porta, mas o que há por detrás dela já existia antes, de forma latente.
Uma das coisas que mais incomoda aos que vivem e trabalham em São Paulo, e que faz com que muitos por lá sonhem em transformar sua terra num país independente, é o fato de, todo ano, centenas de bilhões de reais, recolhidos através de impostos coletados em São Paulo, serem pegos pelo governo federal, que devolve para o estado, em investimentos, nem 15% desse valor. O que muitos querem é que o dinheiro dos impostos de São Paulo fossem aplicados em melhorias para a população que mora lá, que trabalha arduamente e tem de se contentar com hospitais ruins, policiais mal pagos, serviços públicos capengas e, atualmente, até falta de água, por conta da falta de dinheiro para investimentos. Aliás, esse é um problema que o Rio de Janeiro enfrenta também. Depois de São Paulo, o Rio é o segundo estado que mais contribui para o governo federal. E eu pergunto, quanto dessa montanha de dinheiro pago pelos contribuintes fluminenses volta para o Rio? Isso é muito injusto.
EXTRA – Quais as perspectivas do movimento sobre o novo país? Como ele se organizaria econômica e politicamente? Faria acordo com o Mercosul, por exemplo? Permitiria a imigração de brasileiros? Concederia, hipoteticamente, visto para os que quisessem morar lá?
— Não posso responder pelo hipotético governo do novo país, se este vier a existir. Como eu disse, quem terá a última palavra é o povo de São Paulo. Mas eu acredito que acordos internacionais com nossos vizinhos da América do Sul, incluíndo aí nosso “irmãozão” – o Brasil – devem ser firmados, pois um São Paulo independente certamente gostaria de ajudar na construção de uma América do Sul mais próspera e rica para todos.
Quanto a questão da imigração, ora, São Paulo é a terra dos imigrantes por excelência. Recebemos ao longo de nossa história portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, libaneses, nordestinos, sulistas, mineiros, gente de todo lugar do Brasil e do mundo, sempre com os braços abertos. Se você quiser trabalhar com afinco, se acredita no valor do esforço pessoal, se quiser uma vida melhor para si e para seus filhos, não vejo por que não vir para São Paulo.
EXTRA – São Paulo é um dos principais destinos de nordestinos. A entrada no país seria permitida? Pensam nessa articulação?
— Como proibir um grupo de pessoas de imigrar para um país, se estas pessoas querem trabalhar, progredir, contribuir para um São Paulo melhor? Barrar nordestinos é tão sem sentido quanto barrar franceses, italianos ou americanos. São pessoas com esperanças, sonhos, e muita capacidade. São Paulo jamais abriria mão de pessoas com tanta garra quanto os nordestinos, e o mesmo vale para nossos irmãos do resto do Brasil.
EXTRA – Quantas pessoas, atualmente, participam do “São Paulo Livre” e quantos apoiam o movimento?
— Começamos com um singelo site de seis páginas na semana passada e só nos últimos dias recebemos mais de 600 mensagens de gente de todo o lugar (não só de São Paulo, mas também de Goiás, Maranhão, do sul do país e até do Rio de Janeiro) nos apoiando e querendo participar. Somos algumas dezenas de pessoas, mas por conta desse afluxo de interessados e voluntários, acredito que chegaremos a algumas centenas de membros até a metade do mês de novembro. Todo dia pelo menos 100 pessoas nos contatam, querendo saber como ajudar, como participar, como divulgar “São Paulo Livre”.
EXTRA – Quais as dificuldades, além da legislação, vocês encontram atualmente para efetuar o projeto?
— O principal problema que enfrentamos é o preconceito. O simples fato de debatermos um eventual processo de secessão já desperta violência e intolerância em muitos brasileiros, e isso é uma pena. Alguns mais exaltados nos ofendem e xingam nas redes sociais, chamando os independentistas de “racistas”, “reacionários”, e isso é o mais leve, então imagine como é tentar conversar, trocar ideias com pessoas assim. Não há qualquer intenção, da parte do São Paulo Livre, de instigar ódio ou violência. Não mesmo! O que queremos é abrir um debate, e a pergunta não é “se podemos ou não deixar o Brasil”, mas sim por que devemos continuar a fazer parte da União; se, de repente, um outro caminho não seria melhor para todos nós.
EXTRA – O que falta para São Paulo se emancipar definitivamente?
Debater, divulgar a ideia, ampliar a discussão o máximo que pudermos, até que a sociedade paulista tome uma posição. A partir daí, cabe negociar, democraticamente, com o governo federal o rumo que será tomado.