Thaís Cavalcante – Rio On Watch
O poder público está se mostrando incapaz de encarar um enorme e desafiador problema de saúde pública: o vício em drogas. Atualmente na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré, a negligência dos governos estadual e municipal têm resultado na maior cracolândia do Rio de Janeiro, com cerca de 500 usuários de crack.
A visibilidade do assunto graças à notícias sensacionalistas no ano passado mostravam diariamente usuários em clima de perseguição, usando a droga ou fugindo de ações de recolhimento da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). Serviu como forma de denunciar e chocar a população a respeito dos dependentes que se agrupavam as margens da Avenida Brasil. Um dos motivos usados por grandes veículos de comunicação para criminalizá-los, foi culpá-los por roubos, assaltos e até estupros, próximos ao local.
Com denúncia midiática e operações de recolhimento, a Prefeitura do Rio colocou em 2013 uma viatura da PM e da Guarda Municipal por 24 horas no local, como forma de oprimir e impedir a volta dos usuários que ficaram próximos à entrada do Parque União. O controle não durou por muito tempo, pois fez a cracolândia migrar para dentro da Maré após a ocupação da polícia nas favelas de Manguinhos e Jacarezinho, onde os usuários de drogas (entre eles homens, crianças, grávidas e idosos) se concentravam.
Operações foram uma forma falha de lidar com a situação desumana e incompreensível. Um exemplo disso foi em janeiro de 2013, quando uma criança de 10 anos morreu atropelada na Avenida Brasil, quando fugia de agentes da Polícia Militar e da SMAS que realizavam uma operação de recolhimento. Diversas mortes como essa passam em branco porque não há interesse em cobrir aqueles que se esconderam dentro do conjunto de favelas da Maré mas existem e sofrem todos os dias.
O Brasil, maior país consumidor de crack do mundo, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (UFSP), lida com isso como caso de segurança pública, e não de saúde pública. A atuação de operações e mega operações feitas por agentes de saúde e policiais acontece de forma arbitrária, com detenção, prisão e até internação involuntária–ações autorizadas pela Assistência Social e a Vara da Infância e Juventude. Os usuários de droga menores de idade recolhidos são encaminhados compulsoriamente para tratamento em abrigos municipais. E adultos, para Centros de Atenção Psicossocial, ambos privados de liberdade de escolha.
De acordo com o Relatório da 4º Inspeção Nacional de Direitos Humanos, apesar da lei nº 10.216 prever a internação compulsória como medida a ser adotada por um juiz, o que acontece na prática são maus-tratos, violência física e humilhações constantes. Há também registros de tortura física e psicológica.
Segundo nota da Prefeitura do Rio, no município há 13 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 4 Centros de Atenção Psicossocial Álcool Drogas (CAPSad) e 7 Centros de Atenção Psicossocial infantil (CAPSi), totalizando 24 unidades especializadas. Outras 3 das redes estadual e federal completam 27 CAPS. A nota ainda revela que este número de centros de atendimento não é suficiente, pois o país possui 6,3 mil pessoas em situação de rua, sendo 600 identificadas no perfil de tratamento mais intensivo necessário para pessoas viciadas no crack. Outros números oficiais, do Ministério de Desenvolvimento Social, revelam que a situação pode ser ainda pior: haviam 32 mil brasileiros morando na rua em 2008. Sem escolha de reconhecimento como parte da sociedade, o mundo das drogas acaba sendo o caminho escolhido por muitos, pela falta de acesso à moradia, educação, saúde e outros direitos que, perante a lei, deveriam possuir.
Os efeitos da droga são degradantes para o corpo e a mente, gerando paranóia, irritação, emagrecimento, depressão, problemas cardíacos, respiratórios, entre outros. Porém a exposição à violência das ruas traz ainda mais perigo ao conjunto de riscos. De acordo com Adnéia Trupati, diretora de formação do Programa Crack É Possível Vencer, “quando uma pessoa fica doente por causa da dependência química, a parte biológica e psicológica estão afetadas e as relações sociais também. A intervenção policial não vai dar conta dessas três dimensões. No programa do Governo Federal, existem atividades que podem suprir todos os aspectos psicosociais, e atividades sociais, de suporte psicológico e que possam ajudar a vencer a dependência química”. Atualmente, o foco do programa é na prevenção.
Uma das medidas para maquiar a cracolândia na Nova Holanda há três anos, foi o investimento de bilhões de reais em “Segurança Pública”, que desde abril deste ano mantém quase 2 mil militares ocupando as ruas, becos e vielas da Maré com tanques de guerra e fortemente armados. A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi implantada em favelas do Rio para o maior controle de território à partir de 2009. O que esse cinturão de segurança demonstra é que ainda há drogas na favela e que tratar usuários como criminosos não é solução. Hoje em dia o crack, devido a sua facilidade de ser encontrado e com seu preço baixo, é a substância mais procurada entre as demais drogas.
Um exemplo de vida que venceu o vício, é o morador da Maré Sebastião Antonio de Araújo, o Tião. Tião é coordenador e fundador do Instituto Vida Real, que oferece cursos e oficinas para jovens e adultos, e que é localizado próximo a atual cracolândia. Ele superou a depedência química graças à filha e as rodas de conversas comunitárias. Nos últimos anos, tem promovido também a socialiazação de ex usuários de drogas.
Em agosto deste ano, a SMDS realizou um projeto que leva assistentes sociais, psicólogos e agentes de saúde às ruas para conversar com essas pessoas que tiveram a oportunidade de expor seus medos e necessidades. A ação, com o nome “Papo de Rua”, promete mudar a abordagem aos dependentes químicos. Outra forma encontrada para a inclusão de grupos de moradores de rua e consumidores de crack, é a participação em oficinas de teatro na Maré. Articulado pelo Centro de Teatro do Oprimido, esse espaço busca trazer a socialização para aqueles que não recebem nenhum auxílio do poder público.
Aqueles que precisam de tratamento vivem de forma desumana, encontrando formas difíceis de sobreviver em meio a uma favela militarizada que recebe investimentos para segurança e não para a saúde. É urgente a necessidade e o olhar da Prefeitura e do Estado para os que vivem à margem da sociedade, segregados. Já a mídia comercial, silencia o problema ignorando-o estranhamente no ano dos megaeventos e da ocupação militar no conjunto de favelas da Maré.