Depois das eleições, quero fundar uma igreja para o diabo, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Amanheci, neste domingo eleitoral, com o conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis, tilintando na cabeça. Fiz a heresia de cortar alguns trechos para que ele fosse publicável no blog, dado o seu tamanho e a preguiça da internet em absorver com cuidado tudo o que seja maior do que este parágrafo.

Sei que o Diabo não existe. Deus também não. Mas desconfio que nós mesmos sejamos peça de ficção.

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

— Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. (mais…)

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