Após recomendações do MPF/AM, comunidade quilombola em Manaus recebe certificação

Foto: João Zinclar
Foto: João Zinclar

Portaria publicada no Diário Oficial da União certifica que a comunidade do Barranco, no bairro Praça 14 de Janeiro, se autodefine como remanescente de quilombo

por Raphael Cortezão, MPF/AM

Um ano depois de o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) instaurar inquérito civil para acompanhar o caso, a Fundação Cultural Palmares certificou a comunidade do Barranco, no bairro Praça 14 de Janeiro, zona Sul de Manaus, como remanescente de quilombo. A portaria que oficializa a certificação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do último dia 24 de setembro.

Em outubro de 2013, o MPF/AM visitou a comunidade, conheceu a história de resistência dos primeiros habitantes do local e conversou com os atuais moradores, entre outros temas, sobre as expectativas em relação ao autorreconhecimento como remanescentes de quilombo. Da visita surgiu a proposta de realizar uma edição do projeto MPF em Movimento na comunidade do Barranco, o que ocorreu no mês seguinte. Na ocasião, um grupo de 15 pessoas, entre servidores e procuradores do MPF, foram até a comunidade para conhecer os projetos culturais desenvolvidos e discutir novamente sobre o processo de certificação como quilombo urbano.

Os debates programados pelo projeto ocorreram em frente a uma das casas localizadas na comunidade do Barranco, que fica exatamente em um dos pontos mais altos dos barrancos que dão nome à comunidade e abriga o altar mantido em honra a São Benedito, festejado como padroeiro da comunidade. A partir da manifestação clara dos comunitários em iniciar o processo formal de autorreconhecimento como remanescentes de quilombo, o MPF recomendou à Fundação Cultural Palmares, na véspera do Dia da Consciência Negra, a instauração de processo de certificação da comunidade e realização de visita técnica para prestar esclarecimentos aos moradores.

A tão sonhada visita técnica da Fundação Cultural Palmares à comunidade do Barranco ocorreu em fevereiro deste ano, em atendimento à recomendação do MPF. Além de ouvir os moradores sobre a relação histórica da comunidade com a migração da população para a capital amazonense no século XIX, os técnicos da fundação colheram informações para subsidiar o parecer sobre a certificação do autorreconhecimento como remanescentes de quilombo, manifestado pelos comunitários durante o processo.

Antes mesmo da publicação da certificação no Diário Oficial, o MPF/AM expediu recomendações ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e à Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas para que providenciassem o registro da Festa de São Benedito como bem do patrimônio cultural brasileiro e de Manaus. O festejo é realizado tradicionalmente entre os meses de março e abril, na comunidade do Barranco, desde a chegada dos negros do Maranhão, no fim do século XIX e início do século XX, até hoje.

Jamilly Souza, que pertence a uma das famílias fundadoras da comunidade e hoje é uma das lideranças do Barranco, contou que a notícia da certificação foi recebida com muita festa pelos moradores. Ela ressaltou que o reconhecimento formal trazido pela certificação abre novos horizontes para toda a comunidade negra do Amazonas. “Essa vitória nos torna mais visíveis aos olhos da sociedade, pois muita gente sequer imaginava que nossa comunidade existe e resiste em Manaus. Estamos fazendo história”, disse.

A expectativa dos moradores do Barranco a partir da certificação, segundo Jamilly Souza, é poder proporcionar novos aprendizados tanto para a comunidade local como para todo o Estado a partir do acesso aos programas federais voltados às comunidades quilombolas. “Muitos moradores da própria comunidade desconhecem sua história, é muito importante sabermos de onde viemos. Muitos também foram discriminados, nunca tiveram oportunidades na vida pelo simples fato de serem negros. Precisamos desenvolver iniciativas para difundir nossa história e resgatar nessas pessoas o orgulho de suas origens de resistência negra e quilombola”, completou.

Políticas públicas e programas de acesso à cidadania – Como não houve reivindicação por demarcação de terra na certificação da comunidade do Barranco, a publicação oficial da portaria de registro junto à Fundação Cultural Palmares encerra o processo. Conforme informações disponíveis no site da instituição, a formalização da existência das comunidades quilombolas garante a elas o direito a assessoramento jurídico e no desenvolvimento de projetos, programas e políticas públicas de acesso à cidadania.

Em todo o país, mais de 2,3 mil comunidades são certificadas como quilombolas. Conforme o site da fundação, o Amazonas concentra outras cinco comunidades reconhecidas como remanescentes de quilombo.

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