Por Louise Rodrigues*, no Jornal do Brasil
O preconceito racial voltou a ser assunto essa semana nas redes sociais e na mídia. Em cinco dias, foram divulgados massivamente três casos de racismo. Na quarta-feira (27), ganhou repercussão a história de um casal de Muriaé (MG) que publicou uma foto nas redes socias. A menina, negra, foi alvo de comentários com conteúdo racista, como “onde comprou essa escrava? Me vende ela”, “parece até que tão (sic)… na senzala”, “seu dono?”, “tipo assim tia, eu acho que você roubou o branco para tirar foto”. Na quinta-feira (28), o goleiro do Santos, Aranha, foi vítima de xingamentos racistas por parte da torcida do Grêmio, durante o jogo entre os clubes, em Porto Alegre. Na sexta-feira (29), um rapaz negro foi acusado de roubo em um shopping em Salvador (BA). Revoltado, ele se despiu e abriu sua mochila, enquanto os seguranças insistiam no crime. Nada foi encontrado com ele.
O historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira, faz uma constatação: “51% da população brasileira é formada por negros e mestiços. Ou seja, o preconceito racial atinge a estrutura da sociedade”. Ele acredita que os 500 anos de escravidão estão ligados ao racismo, mas ressalta que “a abolição foi em 1888, estamos em 2014”. Para Francisco existem dois fatores fundamentais para a existência do racismo: a escola e a ascensão das classes mais baixas.
Ele explica dizendo que “a intolerância racial mostra a falência da escola. O que se vê nas escolas públicas é que não existe convivência entre as diferenças. Os programas escolares também estão errados porque não estão conseguindo fazer com clareza o processo que construiu esse país. Não existe convívio entre diferentes. O currículo escolar está mal feito. A escola não está formando pessoas menos racistas do que há 50 anos. É preciso que a escola ensine. Enquanto houver uma escola para o pobre negro e outro para a elite branca, não haverá respeito à diversidade”.
O outro ponto abordado pelo historiador, é que “nos últimos 20 anos, houve um movimento profundo de ascensão dos grupos sociais no Brasil. Uma camada média branca, que se via diferente da massa da sociedade, viu que as classes mais pobres começaram a ascender socialmente e essa classe média branca não estava se tornando a nova rica. Ou seja, pessoas que essa classe médica considera inferiores, começaram a ascender. Esse pensamento também estimula o racismo”.
O advogado de direitos humanos, Gustavo Proença, explica a relação histórica do racismo no Brasil. “A proclamação da República se deu pela abolição da escravatura. A elite branca se sentiu ofendida pela monarquia e retirou seu apoio político, que foi dirigido aos republicanos. O nosso próprio sistema republicano surge de uma ‘vingança’.
A sociedade brasileira é profundamente racista porque a estrutura social é marcada pelo racismo”, analisa. Para Gustavo, “enquanto o racismo for tratado individualmente não vai haver um resultado satisfatório. Só uma abordagem punitiva vai resolver. É necessário que o Brasil se reinvente”. Ele justifica dizendo que “o que estimula a prática do crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição. O tamanho da punição não é o maior problema. É preciso utilizar a legislação de forma a punir qualquer tipo de intolerância. A penalidade legal tem resposta pedagógica”.
O advogado explica ainda que “no Brasil nós temos o racismo cordial, que, em regra, é o racismo da convivência. Negros e brancos convivem e compartilham o mesmo horizonte, mas existem profundas desigualdades”. E exemplifica: “podemos constatar isso na falta de ministros negros, na falta de negros em altos cargos de grandes empresas, na contingente da população carcerária e etc”.
O sociólogo da UFRJ, Paulo Bahia, avalia que “estamos vivendo um momento em que as intolerâncias estão ganhando força e se concretizando através de ações”. Para ele “isso é preocupante porque não se vê o outro com dignidade, mas sim como um inimigo em potencial”. Perguntado sobre a influência das redes sociais no compartilhamento desses pensamos, o sociólogo responde que “as redes sociais dão amplitude para os fatos. Não é que elas sejam estimuladoras. Na verdade elas servem como divulgadoras. Cada um é dono do seu conteúdo, isso colabora”.
Para Paulo Bahia, assim como disse Francisco, “a escola tem papel fundamental para formar a subjetividade. É preciso rever os termos e processos educativos”. Por fim, questionado sobre sua crença no fim do racismo o sociólogo diz: “Já acreditei nisso, mas, com o passar do tempo, comecei a perceber que a vergonha em falar algo que soasse como racismo deu lugar a um certo heroísmo, um certo orgulho. Orgulho em ser racista. Não é que as pessoas estejam presas a um pensamento do passado. O pensamento delas está evoluindo para a intolerância”.
*Do Programa de Estágio do JB
–
Complemento de Combate Racismo Ambiental: veja o vídeo da justa indignação do homem negro em Salvador