O Pará produz 770 mil toneladas de óleo de palma, 90% da produção do País. A monocultura está provocado impactos ambientais e sociais nas comunidades próximas às empresas.
Por Vitor Barros, Jornal da Universidade Federal do Pará, na FGV
O Pará produz, por ano, 770 mil toneladas de óleo de palma, produto extraído do fruto do dendê, e responde por 90% da produção do País. A monocultura tem se alastrado pelo interior do Estado de forma intensa, sob o pretexto da produção do biodiesel. Estima-se que a produção em escala do biocombustível comece em 2015. Um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Dinâmicas Territoriais do Espaço Agrário na Amazônia (GDEA), da Faculdade de Geografia e Cartografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), indica que a expansão da dendeicultura tem modificado os espaços agrários na região.
O GDEA tem como objetivo examinar os impactos da cultura do dendê sobre o modo de vida nos territórios quilombolas em cinco municípios do interior do Estado: Acará, Concórdia do Pará, Moju, Tailândia e Tomé-Açu. Desde 2012, o grupo desenvolve estudos sobre a evolução dos usos da terra pela monocultura, por meio do Projeto de pesquisa “Uso do Território, Dendeicultura e Modo de Vida Quilombola na Amazônia: estudo da microrregião de Tomé-Açu”. A ideia é fazer uma avaliação dos elementos sociais, institucionais e políticos que se relacionam com a reconfiguração do território a partir da chegada de empresas que exploram a dendeicultura nos municípios.
Os primeiros resultados da pesquisa foram obtidos a partir de investigações intensas feitas em campo desde 2012, sob a orientação do professor e coordenador do GDEA, João Nahum, da Faculdade de Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO). Foram coletados dados, por meio de entrevistas e aplicação de questionário em comunidades, empresas produtoras de dendê, órgãos públicos, federações e movimentos sociais.
O grupo reúne alunos de mestrado e graduação, bolsistas de iniciação científica e pesquisadores de outras instituições, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação (FASE). Empresas têm apoio de políticas nacionais.
Com a instituição do Plano Nacional de Produção do Biodiesel (PNPB), de 2004, e o Plano da Palma, inaugurado pelo ex-presidente da República Luiz Inácio da Silva, em Tomé-Açu, no ano de 2010, as empresas que cultivam o dendê passaram a ter o aval de duas políticas que promovem a produção desse produto no Brasil. Diante disso, as comunidades que estão sob o raio de ação dessas empresas passaram a sofrer impactos ambientais e sociais, sobretudo relacionados ao uso da terra.
João Nahum afirma que pelo menos dois impactos podem ser observados desse processo. Por um lado, a migração do agricultor para trabalhar nos campos do dendê, abandonando seu modo de vida tradicional. E por outro, o recuo da agricultura regional em favor da dendeicultura. “A maioria dos trabalhadores era agricultor antes de se tornarem mão de obra assalariada dessas empresas. Esse homem está sendo expulso do campo pela ausência de políticas públicas que garantam seu modo de vida, a qualidade e o escoamento da sua produção”, explica.
Segundo pesquisa de campo realizada em julho de 2013, na MARBOGES S. A, o grupo constatou o raio de influência da empresa, na região, em mais de 70 comunidades, entre Moju e Acará, de onde essas pessoas são recrutadas para o trabalho. De acordo com o professor, “isso mostra a grande influência da empresa sobre o lugar, proporcional a quase ausência do Poder Público. É por intermédio da empresa que podem ser gerados serviços, como segurança, abertura de estradas e vias de acesso”.
A dendeicultura tem transformado o campo em pequenos vilarejos, em que as pessoas deixam a atividade campesina e ingressam em atividades de serviços próprios das zonas urbanas. Um exemplo desse processo é o que se verifica na comunidade da Forquilha, localizada na PA 140, entre os municípios de Acará e Tomé-Açu. O professor afirma que essas localidades deixaram de ser campo-rural para serem apenas rural. O grande problema acontece quando o campo deixa de produzir alimentos. “O indivíduo que antes produzia o próprio alimento tem que pagar para consumir”, afirma João Nahum. Comunidades enfrentam impactos ambientais e conflitos de terra
Essa dinamização do território nem sempre se dá de forma pacífica. Algumas comunidades ficam distantes das terras de cultivo do dendê, como Tomé-Açu e Tailândia, por isso, os impactos são sociais e ambientais. Já os municípios de Acará, Concórdia do Pará e Moju fazem divisa com as plantações. Essas regiões passam a sofrer tensões em menor ou maior grau por conta da reivindicação da terra.
No Acará, o conflito de terra é declarado entre a Empresa Biopalma, da Vale, e os quilombolas, que requerem a posse de terras compradas pela empresa. Os quilombolas dizem que essas terras estão dentro do seu território. Quando a Biopalma chegou ao município, em 2010, comprou 176 imóveis, de acordo com o levantamento da pesquisa, somando cerca de 60 mil hectares na microrregião de Tomé-Açu. “Alguns desses imóveis estavam em áreas quilombolas. Quando a empresa quis se apossar dos imóveis, o conflito se instalou, principalmente, na comunidade Massaranduba”, destaca o pesquisador.
Diferente de Moju, que já sofreu com grandes conflitos, na década de 1980, hoje, não há disputa pela terra. Apesar de ter áreas ainda requeridas pela Empresa MARBORGES e pelos quilombolas, o conflito não ocorre de maneira explícita. “Uma das influências do dendê, em Moju, é que a população local tende a plantar dendê nas suas terras. Só não plantam porque a titulação do território dos remanescentes de quilombo é coletiva. Isso é um impedimento”, declara João Nahum. O impacto mais notório em Concórdia do Pará é de cunho ambiental: a contaminação da água pelo uso de produtos químicos nas plantações. Processo de expansão do dendê desvaloriza o homem do campo
Os agricultores locais que celebram contratos para a plantação do dendê prestam serviços por 25 anos. Esse é o período economicamente útil para o dendê, depois disso, a palmeira fica alta e o fruto pesado para o cultivo. Em contrapartida, a empresa oferece suporte técnico para uma produção com a qualidade e a quantidade esperadas. A cada fase do processo, a empresa envia um técnico para o treinamento do cultivador, desde a preparação da terra até a colheita.
João Nahum explica que esse produtor vai ter mercado durante esse período, com todas as vantagens de transporte. “O que não acontece com a pupunha, o cupuaçu, o feijão, a farinha e outros produtos antes produzidos pelas pessoas das comunidades. Em dez hectares, cabem 1.430 palmeiras de dendê ou 1.600, dependendo do espaçamento. Um agricultor não tem condições de cuidar de uma grande quantidade de plantas e ainda ter energia física para plantar mandioca, criar galinha e porco, coletar frutos da floresta. Onde tem vontade, falta vigor físico”, afirma.
O problema não está no dendê, e sim, na política estabelecida, que apenas enxerga o agronegócio e o agrocombustível para o desenvolvimento do campo. “Fazemos uma crítica às políticas e aos processos, que estabelecem para o campo apenas a vontade do commodity, firmando o campo como produtor de negócio, e não como produtor de alimento. O dendê não é a origem do mal do meio rural, mas também não é a origem do bem. O problema é que nas políticas de Estado para o meio rural, o camponês é invisível”, avalia o pesquisador.
Ainda de acordo com João Nahum, a ausência de apoio por parte do Estado deprecia a agricultura tradicional do campo e as possibilidades que o meio rural poderia oferecer. “Temos que possibilitar ao agricultar direitos a serviços básicos. Não interessa investimento financeiro para o campo se o agricultor continua com as mesmas dificuldades para escoar seu produto e fazê-lo chegar aos supermercados. O problema do campo não se resolve apenas com dinheiro, com créditos para agricultores. É necessário transformar o campo num lugar de vida”, conclui.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.