Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação – Cimi
Pouco mais de um mês depois da prisão motivada por acusações não comprovadas do agente de saúde Xukuru-Kariri José Carlos Araújo Ferreira, solto há duas semanas, outro indígena do povo foi alvo de criminalização e violência partindo da Polícia Militar do município de Palmeira dos Índios, sertão de Alagoas. João Souza de Menezes afirma ter sido espancado por policiais durante a festa de emancipação política da cidade, no último dia 20, e depois retido na viatura durante três horas, sem ser encaminhado à delegacia.
“Decidiram soltar o declarante sem levá-lo à delegacia, mas não sem alertá-lo de que não deveria denunciar o ocorrido”, diz trecho do Termo de Declarações lavrado pela Procuradoria da República, com sede em Arapiraca. O indígena, conforme o documento, apresentava ferimentos na boca, nariz e garganta, “inclusive ainda escarrando sangue”. Menezes precisou ser encaminhado ao atendimento de urgência, com fortes dores no tórax e na cabeça, além de ferimentos. Um inquérito será instaurado para apurar o caso.
A família do indígena está em estado de choque. Sobretudo porque acreditam que o espancamento tenha como contexto a demarcação do território Xukuru-Kariri, por sua vez atrelada às perseguições inerentes ao procedimento, ora paralisado pelo Ministério da Justiça. Nas terras tradicionais reivindicadas pelos indígenas há fazendas e propriedades defendidas por uma rede de políticos alagoanos, caso dos senadores Renan Calheiros (PMDB/AL) e Fernando Collor (PTB/AL), ambos da base de apoio do governo federal.
Outro ponto que espantou os familiares de Menezes se deve a gratuidade da violência policial. Acompanhado da noiva, o indígena “foi surpreendido por policiais fardados que chegaram agredindo o declarante sem que o mesmo fosse interpelado”, diz o documento da procuradoria da República assinado por um analista pericial do Ministério Público Federal (MPF). Enquanto dois policiais espancavam Menezes, outros quatro assistiam. A violência teria sido cometida porque o indígena se desentendeu com um homem.
“Esse desentendimento não foi nada grave, nem mesmo houve troca de ofensas, apenas um esbarrão e derrubada de copo de bebidas alcoólicas (sic)”, descreve o documento. Menezes admitiu que ingeriu bebida alcoólica, mas afirma que não o suficiente para gerar problemas. “Mesmo que estivesse embriagado, a polícia deveria ter usado de um tratamento adequado, abordar do jeito certo, saber quem eu era e se portava documentos, permitir explicações”, disse o xukuru-kariri, da aldeia Fazenda Canto.
Entre os xukuru-kariri existem três lideranças protegidas pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Uma delas é José Carlos Araújo Ferreira, o Carlinhos (na foto), que foi preso no último dia 11 de julho suspeito de ter praticado um assalto cuja vítima jamais se apresentou à polícia. Ao ser abordado, dentro da terra indígena, ou seja, sob jurisdição federal, os policiais encontraram com Carlinhos um revólver calibre 38. Toda vez que o xukuru-kariri se movimentava pela área onde foi preso, retomada nos últimos anos, levava consigo a arma. Mesmo protegido pelo Estado, essa era única forma encontrada pelo agente de saúde de se sentir mais seguro diante das constantes ameaças que sofria.
“Olha, não vamos desistir de nossa terra. Enquanto o procedimento de demarcação estava acontecendo, tudo ia melhor. Foi o ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) paralisar para a situação piorar. Querem fazer pressão para desistirmos. Será que vão esperar um indígena morrer, como já aconteceu, para garantirem o nosso direito?”, questiona uma liderança que pede para não ser identificada por razões de segurança.