Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O período eleitoral se aproxima. Após as mobilizações ocorridas em junho de 2013, o Brasil vive um processo de mobilizações populares que questionaram diversas vezes o fazer político tradicional.
“As mobilizações mostraram que o povo quer ter mais voz ativa no rumo do país, e o sistema político brasileiro não dá conta dessas transformações; pelo contrário, tem cumprido um papel de barrar e dar lentidão às mudanças”, afirma Miguel Stedile, da coordenação nacional do MST.
Em entrevista ao JST, Miguel analisa que o papel do MST no processo eleitoral de 2014 deve ser de politizar esse período, para que bandeiras de interesse público, como as Reformas Agrária e Política, sejam debatidas pela sociedade. Confira a entrevista:
Como você vê o período eleitoral depois das mobilizações iniciadas em junho do ano passado?
O MST vê esse período com bastante preocupação, porque percebemos que há uma ausência de diferenciação de projetos e dos candidatos. De certa forma, tem se evitado discutir os problemas estruturais da sociedade brasileira.
Não só Reforma Agrária, mas a Reforma Política e o desenvolvimento do país não são debatidos. As eleições nos últimos anos têm sido cada vez mais despolitizadas.
O debate é substituído pelo marketing, apresentar candidatos como mercadorias, simpáticos, com músicas. Não só a militância do MST, mas os lutadores sociais de modo geral devem aproveitar esse momento para politizar o debate como um todo.
Que tipo de discussões o Movimento deve colocar em visibilidade nesse período?
Em primeiro lugar, temos que aproveitar esse momento para pautar a luta pela Reforma Política. Quando as candidaturas forem confirmadas e anunciarem as revisões de gastos das campanhas (estima-se que ultrapassará R$ 1 bilhão), veremos que elas são milionárias, mas, como eu disse, não discutem projetos.
O primeiro esforço que devemos fazer é perguntar se essa democracia participativa é suficiente para que a população possa participar e opinar sobre o país que deseja ter. É certo considerar como legítimas campanhas milionárias, onde acaba prevalecendo quem tem melhores condições financeiras do que melhores propostas?
Além disso, especificamente para a militância do MST, temos que pegar o programa agrário, aprovado no 6° Congresso, e realizar amplos debates com a sociedade, para que ela tenha uma concepção ampliada sobre o modelo de agricultura que propomos e as consequências do agronegócio.
As mobilizações de junho do ano passado colocaram essa democracia em xeque?
Com certeza. As mobilizações mostraram que o povo quer ter mais voz ativa nos rumos do país, e o nosso sistema político não dá conta dessas transformações; pelo contrário, tem cumprido um papel de barrar e dar lentidão às mudanças.
Basta ver a PEC do Trabalho Escravo: quanto tempo essa lei ficou parada no Congresso, quando o combate ao trabalho escravo é de interesse da própria sociedade. A própria Reforma Política, que está na pauta há muitos anos, não anda por conta dos mesmos interesses.
As manifestações revelaram que o povo quer mais ações do estado para garantir seus direitos. Não víamos ninguém pedindo a privatização da saúde, dos aeroportos, e que os médicos cubanos saíssem do país.
O que as pessoas queriam era mais hospitais, mais escolas e de qualidade. As manifestações vão pressionar cada vez mais a classe política a fazer alterações no sistema político e na estrutura social brasileira.
Historicamente, como a questão agrária tem sido tratada nas eleições?
A questão agrária é tratada conforme a conjuntura. Nos anos 80 ela veio com muita força, porque tínhamos no campo o crescimento do MST, de um lado, e da União Democrática Ruralista (UDR) do outro. Nós do MST tentamos eleger candidatos preocupados com a questão agrária.
Estávamos no período de constituinte, e era fundamental criar uma legislação que garantisse os direitos dos trabalhadores rurais. Da mesma forma, a direita do campo se organizou para barrar essas conquistas.
O que temos visto nos últimos anos é que o sistema político está cada vez mais determinado pelo poder econômico. O agronegócio, sendo o modelo sustentado por grandes grupos, tem maior facilidade de eleger bancadas, como a bancada ruralista.
Essas bancadas independem de legenda de partido. Em todos os partidos encontramos candidatos financiados e comprometidos com os interesses do agronegócio.
Isso vai aparecer novamente nessa eleição, talvez não de forma escancarada. Mas o fato é que está na pauta da classe dominante rural diminuir a legislação ambiental, a trabalhista, não criar mecanismos para taxar o lucro das empresas que exportam sem impostos, que é o caso do agronegócio.
Não será o tema principal dessas eleições, mas elas estão distribuídas nas pautas dos candidatos.
Como os movimentos sociais podem afetar o debate, considerando o poder econômico por trás nas eleições?
Os movimentos têm que fazer o que fazem de melhor, que é serem educadores populares, realizando um amplo trabalho de base, conscientizando a sociedade de que a eleição não é suficiente para resolver nossos problemas, mas também que não será nos omitindo desse processo que ocorrem transformações.
Os movimentos têm que aproveitar esse momento para politizar o debate e por o sistema político contra a parede. Temos que fazer mais mobilizações, reivindicar, pautar nosso programa agrário e aproveitar para fazer o debate sobre o plebiscito popular sobre a Reforma Política, que sinaliza que queremos amplas transformações na sociedade.
De que maneira uma Reforma Política pode alterar o modo como a sociedade brasileira participa da política?
Temos exemplos diversos em vários países. Na Venezuela, a legislação permite revogar mandatos. Hoje no Brasil isso é um pressuposto exclusivo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso. A população, que tem a capacidade de outorgar mandatos, não tem o direito de revogá-los.
Na Suécia, a população é chamada a todo momento para debater e votar sobre assuntos de interesse público. Decidem questões relacionadas ao sistema de trânsito até a venda de bebidas alcoólicas. No Brasil, não temos essa experiência.
Se a Reforma Política da forma como os movimentos sociais propõem, for realizada, ela vai mudar o jeito do brasileiro fazer política, porque o povo será chamado mais vezes a opinar sobre os temas que são de seus interesses, ao invés de conceder esse direito para 400 deputados e 80 senadores.
Qual é a posição do MST em relação a candidaturas?
O MST sempre teve como princípio desde seu surgimento a autonomia. Ele é independente de partidos, igrejas, sindicatos e de outros movimentos. Não podemos pautar nossa ação pela posição de outras instituições. Temos sempre que nos movimentar pelo que é de interesse das famílias acampadas e assentadas.
Nesse sentido, sempre lidamos com todos os governos, sejam de esquerda ou direita, baseados na mobilização. Independente de qual partido ou governo, o MST vai atuar com autonomia, mobilização e diálogo.
Como a eleição é um período em que há uma mobilização maior da sociedade sobre política, orientamos a nossa base para votar em candidatos comprometidos com a Reforma Agrária, para que possamos avançar também no campo institucional e ter conquistas por dentro, mas sem que se utilize o Movimento para fazer campanha para algum candidato.
Como a base do MST deve se preparar para esse período?
A base do MST é uma base mais politizada que o senso comum da sociedade. Pela experiência de luta e organizativa, já foi desenvolvendo um olhar crítico em relação à eleição e à política. O sujeito que está acampado sabe quem são as pessoas que se colocaram a favor da Reforma Agrária e quem são os que estimulam os despejos, que fazem churrascos com os fazendeiros e defendem os interesses do agronegócio no Congresso.
Orientamos a nossa base social para que no período das eleições ajude a politizar. Em cada município, debater o programa agrário e como ele se manifesta localmente; debater a Reforma Política, pois são os movimentos que devem puxar essa luta, já que os partidos tradicionais e que estão dentro dessa engrenagem não querem alterar esse sistema de financiamento das campanhas e as campanhas despolitizadas.
Nossa base tem que estar preparada para o debate com a sociedade, e que esse debate não acabe após as eleições, que ele seja constante e almeje a transformação do país.