CPT – Trabalhadores e trabalhadoras rurais, e quilombolas unidos na Articulação Camponesa do Tocantins ocuparam na manhã de hoje, 18 de agosto, a sede do Incra de Araguaína (TO). O grupo diz que não tem prazo para deixar o local. A ocupação tem o objetivo de cobrar as promessas pactuadas e não cumpridas pelo Incra em audiências públicas desde o ano de 2011 até os dias de hoje. Veja documento da Articulação sobre a ocupação:
Nota de esclarecimento da Articulação Camponesa à sociedade tocantinense: Por que ocupamos o Incra?
Nós, famílias camponesas e remanescentes de quilombo, unidos na Articulação Camponesa que representa comunidades de Araguaína, Augustinópolis, Babaçulândia, Bandeirantes, Barra do Ouro, Campos Lindos, Goiatins e Palmeirante, queremos tornar pública a nossa indignação e descontentamento com a inoperância e omissão dos órgãos de âmbito federal (Incra e Programa Terra Legal) e estadual (Itertins).
Depois de cinco audiências públicas realizadas entre 2011 e 2014, nas quais diversos compromissos que garantiriam agilidade nos processos de vistorias e demarcação de nossas terras e territórios foram assumidos e não cumpridos pelo Incra, a Articulação Camponesa decidiu, em forma de protesto, ocupar a sede do órgão em Araguaína com a presença de aproximadamente 400 mulheres, homens, jovens e crianças.
Considerando que:
– A ausência de políticas públicas que possibilitem o acesso a terra, a inoperância e má gestão dos órgãos públicos e a interferência política partidária agravam os inúmeros conflitos que enfrentamos. Em 2013, tivemos um aumento de 61% nos conflitos por terra, com 3.682 famílias envolvidas, número expressivamente maior que em 2012, quando foram registradas 1.536 famílias;
– O atrelamento do governo federal e estadual aos grandes projetos vinculados ao agronegócio prioriza a política agrícola de monocultura em detrimento das famílias camponesas que ainda resistem na luta pela posse da terra;
– O Programa Terra Legal, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), não cumpre os compromissos assumidos em audiências públicas. A Gleba Tauá, em Barra do Ouro, por exemplo, aguarda há anos o georreferenciamento. A última empresa contratada para realizar o trabalho de medição da área não conseguiu concluir o serviço na região e deixou as famílias desassistidas. Na Gleba Anajá, em Palmeirante, foi expedido título em nome de pessoas que nunca exerceram posse na área, o que inviabilizou a criação de assentamento para 19 famílias;
– A morosidade do Programa Terra Legal em regularizar nossas posses legítimas em área da União permite que grileiros consigam adquirir licenças ambientais por meio do Naturatins e Ibama, o que torna legais os desmatamentos em nossas áreas;
– O processo de titulação em sobreposição de áreas da União pelo Itertins acirra conflitos com os fazendeiros e impossibilita a criação de novos assentamentos por parte do Incra, a exemplo da Gleba Conceição, em Palmeirante;
– Mesmo ciente da gravidade dos conflitos agrários existentes que geram violência, ameaças e expulsões, o Incra dificulta a liberação de diárias para a rápida atuação da equipe da Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários;
– Ordens judiciais de reintegração de posse e liminares de despejo são emitidas sem realização de audiências de justificação prévia ou com cerceamento do direito de defesa das famílias. Em 2013, 625 famílias foram despejadas em todo o estado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.
E diante do descaso e da omissão para a solução dos conflitos agrários, exigimos:
Que Incra, Itertins, Terra Legal e demais órgãos competentes, dentro das estruturas federal e estadual, coloquem em prática os compromissos assumidos nas cinco audiências públicas realizadas desde 2011.
Que a Defensoria Pública Geral do Tocantins disponibilize no mínimo mais dois defensores públicos para atuarem na questão agrária.
Que seja ampliado o número de agentes da equipe da Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários no Tocantins.
Que o Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins crie Varas Agrárias em regiões de maiores conflitos pela posse da terra.
Que os atuais candidatos no processo eleitoral coloquem em seus programas de governo compromissos concretos em relação à política agrícola, agrária e fundiária, incluindo o cancelamento de títulos emitidos irregularmente pelo Itertins em terras da União.
Que o poder judiciário seja mais sensibilizado em relação às questões que envolvam os conflitos agrários.
Avaliamos que o Incra está sucateado: não consegue viabilizar o programa de reforma agrária, terceiriza o serviço público com total desvalorização dos servidores efetivos, e não garante sequer Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos técnicos, fazendo com que os profissionais se neguem a ir a campo para a realização dos trabalhos de vistoria – o que inviabiliza e atrasa os processos de criação de novos assentamentos.
Antes de decidir pela ocupação, tentamos fazer com que o Incra honrasse com os compromissos assumidos e negociamos prazos para que as reivindicações fossem atendidas nas audiências públicas também acompanhadas pelo Ministério Público Federal, Defensoria Pública Agrária, Delegacia Estadual de Repressão a Conflitos Agrários, entre outros. A última audiência aconteceu em maio deste ano, na própria sede do Incra em Araguaína.
Nossas reivindicações não buscam contemplar apenas as necessidades individuais de cada comunidade, mas sim lutar pela mudança do contexto agrário no estado do Tocantins, hoje baseado na concentração ilegal da terra nas mãos de fazendeiros e grupos vinculados ao agronegócio que exploram o trabalhador e não produzem alimentos para o sustento do povo brasileiro.
Queremos o real desenvolvimento do campo com justiça e liberdade. Por isso lutamos!
Articulação Camponesa de Luta Pela Terra e Defesa dos Territórios no Tocantins
Araguaína, 18 de Agosto de 2014.