“Com o objetivo de analisar os recentes estudos sobre as perdas e o desperdício de alimentos, o Comitê das Nações Unidas para a Segurança Alimentar (CSA) criou um grupo de trabalho voltado para avaliar o estado da arte sobre o tema e sugerir linhas de ação para os países e agências internacionais. O resultado desse trabalho foi divulgado no início do mês e as suas conclusões podem jogar uma luz sobre a atual discussão”, escreve Walter Belik, professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp em artigo publicado pelo jornal Valor. Eis o artigo
IHU On-Line – O tema é bastante conhecido nos meios acadêmicos e se tornou popular com a publicação de um estudo realizado sob encomenda da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2011. Nessa publicação, os autores estimam as perdas e desperdício no sistema agroalimentar como sendo de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano, ou algo em torno de um terço do consumo anual. A cifra causou um enorme impacto tendo em vista que a contagem de subnutridos aponta atualmente para 842 milhões de pessoas e a previsão de aumento na demanda por alimentos para 2050 é de 60%, quando a população mundial deverá atingir o seu pico.
Essa continua sendo nossa melhor estimativa, mas levantamentos com esse grau de generalidade exigem simplificações e, por esse motivo, não podem ser transportados diretamente para a realidade de cada país. Nesse sentido, o primeiro passo proposto pelo grupo de especialistas do CFS para o combate às perdas e desperdício é o levantamento de informações e a validação de um protocolo de medição. De fato, um alimento só pode ser considerado como tal após a sua fase de terminação (colheita, abate, pesca etc.) e para efeitos de nutrição, só podemos levar em conta a parte comestível do alimento.
Essas dificuldades, de pronto, fazem com que metodologias de medição aplicadas em outros países, com outros hábitos alimentares, não possam ser replicadas diretamente no Brasil. Por exemplo: pés de galinha são iguarias para consumidores na China e outros países asiáticos, mas não faz parte de nossa dieta nacional.
Em seguida, torna-se necessário definir qual vai ser a medida a ser utilizada para efeito de valoração das perdas e desperdício: o peso do produto, seu conteúdo nutricional ou o seu valor de venda final. Verduras e frutas podem perder valor de mercado devido ao seu aspecto, muito embora o seu conteúdo nutricional possa permanecer na integralidade. Por outro lado, preparações de alimentos que descartam as cascas e talos estariam perdendo nutrientes, mas o valor final do produto pode até aumentar.
Torna-se necessário também estabelecer alguns parâmetros de medida para as diversas fases da produção e o consumo, sendo que esse último necessita de uma abordagem direta com verificação nos pontos de venda, equipamentos de restauração e nos domicílios. Por último, deve-se levar em conta a destinação final do produto que é descartado. No Brasil, a ação dos Bancos de Alimentos evita que centenas de toneladas de produtos sejam desperdiçadas. No entanto, mesmo que o produto rejeitado seja despejado em aterros, ainda é possível utilizá-lo como composto orgânico.
Nos levantamentos realizados a pedido da FAO ficou bastante clara uma divisão na qual as perdas – consideradas involuntárias no processo produtivo-, têm como origem, principalmente, os países em desenvolvimento. Já o desperdício, ato voluntário de descartar alimento bom para o consumo, ocorre principalmente nos países desenvolvidos. A América Latina contribui com cerca de 5% e o principal foco está na região industrializada da Ásia (Japão, China e Coreia do Sul) que soma 29% das perdas e desperdício em termos mundiais. As maiores reduções em termos relativos estão na América do Norte, com um montante de 1520 kcal/capita/dia contra, por exemplo, 453 kcal/capita/dia da América Latina.
Diversas ações estão sendo tomadas para aumentar a disponibilidade de alimentos a partir da redução de perdas e desperdício. Além dos evidentes benefícios para o meio ambiente, como a redução no consumo de água, utilização de terras, emissão de gases e uso de terrenos para o descarte de material, a redução de custos de produção poderia abrir espaço para uma eventual redução nos preços de alimentos.
Algumas iniciativas importantes estão sendo tomadas. Na África e Ásia, a cooperação internacional vem incentivando o uso de silos de metal para grãos e estocagem com controle de atmosfera, câmaras de maturação e controle de refrigeração por evaporação para vegetais e frutas, aumentando a oferta local e permitindo um produto de exportação de melhor qualidade. Na Europa, desencadeou-se um grande movimento capitaneado por organizações empresariais, com apoio dos governos, para a redução de descarte em supermercados e campanhas de conscientização dos consumidores.
No nosso país não temos estimativas adequadas sobre perdas e desperdício de alimentos e as cifras normalmente divulgadas são baseadas em projeções fantasiosas de estatísticas pontuais e desatualizadas. Isso não quer dizer que o problema não seja sério. Basta visitar um aterro sanitário de uma grande cidade ou a operação de um Banco de Alimentos para verificar a grande quantidade de alimento que é perdido ou descartado. Há muito que pode ser feito para evitar perdas na fase de pós-colheita, armazenagem, transporte e comercialização do alimento, contribuindo assim para uma maior disponibilidade e fortalecendo a segurança alimentar e nutricional.
Cabe ao governo regular a comercialização dos produtos com diretrizes sobre embalagem, classificação, data de validade e também promover campanhas de conscientização para toda a sociedade. No entanto, o papel mais importante cabe ao meio empresarial que – a exemplo do que está sendo feito nos países desenvolvidos -, deve investir em estocagem, transporte adequado, processamento integral dos produtos e redução do desperdício no ponto de venda e nos domicílios, com embalagens mais práticas e adequadas à realidade brasileira.