CPT – “Xavier Casanova tem 53 anos. Quilombola de Lago do Coco, município de Matões do Norte, região do Vale do Itapecuru, no Maranhão, desde 1977 luta pela emancipação do território étnico de seus ancestrais. Atualmente, é presidente da Associação de Quilombolas que congrega 80 famílias”. Confira artigo de Diogo Cabral, advogado e assessor jurídico da CPT Maranhão, sobre a história de luta no estado de um quilombola, o que reflete a história de grande parte dos quilombolas do nosso país.
Por Diogo Cabral, para a CPT
Revendo matérias de jornais maranhenses da década de 1980, logo me deparo com a seguinte notícia do antigo Jornal de Hoje: Querem matar herdeiro de um lavrador. Passados mais de 30 anos, Xavier e toda sua comunidade ainda não conseguiram ter dias de sossego. Há dois dias, me relatou Xavier que vários homens invadiram as matas do território quilombola, onde, ilegalmente, extraíram vários metros cúbicos de madeira de lei.
Meses atrás, revelou-me que estava sendo perseguido por latifundiários da região. Na ocasião, informou que homens armados rondavam os fundos de sua casa. Xavier já recebeu por duas vezes em sua comunidade, visita de membros do Programa de Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República. Apesar dos esforços empreendidos pelo programa, Xavier continua ameaçado em sua integridade física, em razão da ineficiência do programa de outras conjunturas.
O Maranhão ocupa, há quatro anos, conforme os dados da CPT, o primeiro lugar nacional de conflitos agrários, está em segundo lugar no ranking nacional de impunidade no campo, abaixo do vizinho Pará. É um dos estados da federação com maiores números de comunidades quilombolas e apesar do expressivo número de comunidades, o INCRA conta com menos de cinco antropólogos para uma demanda superior a 400 comunidades, muitas destas em conflito histórico com latifundiário, grileiros de terra e mineradora. A autarquia está em frangalhos, tal como toda a estrutura que deveria garantir aos remanescentes das comunidades de quilombo o direito de propriedade de suas terras tradicionalmente ocupadas, conforme estabelece a própria Constituição Federal.
No atual ritmo de titulação efetuada pelo INCRA, seriam necessários mais de 500 anos para findar com todos os processos demandados por comunidades quilombolas do Maranhão. Por outro lado, bem pertinho de Lago do Coco, a menos de 50 km, a serpente de metal da Vale atravessa com arrogância os trilhos da Estrada de Ferro Carajás, projeto bilionário que leva até o Porto do Itaqui em São Luís, muitas toneladas de minério de ferro e soja, para exportação ao dito mercado mundial. E cá reside a contradição: os governos do período de ”democracia” alegam não haver recursos para titulação de territórios quilombolas, por outro lado, destinam bilhões de reais à mineração, ao agronegócio e toda sua estrutura de produção e logística.
Enquanto isso, quebrando coco babaçu, Xavier Casanova segue sua rotina de luta: acorda de madrugada, vai até a roça, pesca nos igarapés, faz reunião com os trabalhadores, faz garrafadas medicinais, percorre os corredores do INCRA, participa de protestos. Desde 1977. Revelou-me hoje que deseja um pouco de sossego.