Altino Machado, Blog da Amazônia
Sem verba e estrutura para atuar numa região remota, de difícil acesso, na fronteira do Brasil com o Peru, a Fundação Nacional do Índio (Funai) segue improvisando ao lidar com um grupo de índios isolados que fez contato no final de junho com seus servidores e índios da etnia ashaninka na Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, no Acre.
A base Xinane da Frente de Proteção Etnoambietal Envira (FPE) recebeu nos últimos dias 23 índios isolados e não há comida suficiente para alimentá-los. A base foi invadida em 2011 por paramilitares peruanos, os funcionários da Funai bateram em retirada para se protegerem, e permaneceu fechada durante três anos.
Com muita precariedade, a base Xinane da FPE começou a ser reativada em junho em decorrência dos primeiros contatos do grupo de índios isolados. Apesar do empenho dos servidores, não tem havido uma resposta à altura do governo brasileiro na proteção da integridade física e cultural da etnia de isolados.
Sem garantias estruturais e apoio financeiro, a Funai também depende de apoio do Itamaraty para envolver a participação do governo peruano nas ações de proteção aos índios isolados.
Os 23 indígenas que se encontram atualmente na base Xinane estão sendo alimentados basicamente com macaxeira e frutas retiradas de um pequeno roçado dos ashaninka da Aldeia Simpatia, que enfrenta falta de assistência de saúde e que já sofreu vários saques dos isolados, que levaram roupas, panelas, facões etc.
O pessoal da Funai na base do igarapé Xinane se alimenta basicamente de peixe e víveres transportados de helicóptero. Como a base passou mais de três anos desativada, o que havia no roçado foi consumido por indígenas e pelo mato. O roçado dos ashaninka é insuficiente e a Funai planeja usar helicóptero para transportar comida para o grupo de índios recém contatados.
Um antropólogo da Funai consultado pela reportagem disse que a autarquia tem preferido silenciar sobre o assunto para esconder sua fragilidade e a vulnerabilidade à qual estão expostos os índios isolados.
– Querem esconder que a Frente de Proteção Etnoambiental ficou abandona durante três anos e que foram os índios isolados que a reabriram. Não existe sequer roçado e toda comida -farinha e feijão, por exemplo- está sendo importada para a área. Estão tendo que pedir macaxeira aos índios ashaninka da Aldeia Simpatia. Agora que começaram a plantar um roçado. O sertanista José Carlos dos Reis Meirelles, que ficou 22 anos na base e depois que saiu a mesma ficou paralisada, é quem está plantando o roçado. Estão escondendo a precariedade do abandono.
O fato mais positivo dos últimos dias foi o retorno do médico Douglas Rodrigues, da Escola Paulista de Medicina, à base Xinane. Ele atua há anos no Xingu com índios de recente contato e foi quem debelou, no Acre, a gripe entre os sete primeiros índios isolados que fizeram contato em junho. A Funai procura reforçar o trabalho de imunização dos isolados e o médico usa antibióticos de baixa toxidade.
Na semana passada, a secretária de Saúde do Acre, Suely Melo, e a diretora de Atenção à Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Danielle Cavalcante, anunciaram parceria para garantir serviços de saúde de média e alta complexidade aos grupos indígenas que vivem no entorno da área dos índios isolados.
Em entrevista à repórter Kátia Brasil, da agência Amazônia Real, o sertanista Sydney Possuelo, 74, que trabalhou durante 43 anos na Funai, nesta segunda-feira (11) criticou duramente o contato com os índios isolados no Acre.
– O que vão fazer agora? Vai vir a doença, vão morrer e vão desaparecer. É isso que vai acontecer. Quando criei o Departamento de Índios Isolados, criei sistema de proteção aos povos indígenas exatamente para evitar o contato, demarcar o território e deixar eles lá, quietos lá. O que fizeram? Fecharam a base do Xinane em 2011 e não abriram mais. Acabaram com o Departamento, tiraram todos os antigos sertanistas, não tem mais sertanista na Funai. Contrataram um monte de rapaz para trabalhar na Amazônia. É um formado em biologia, outro em geografia, um outro ficou de saco cheio de viver em São Paulo. A Amazônia não é assim. As pessoas que vão para a região são diferentes. É uma região para o amazônida, aquelas pessoas que conhecem o sertão, que tem amor pelo sertão, é quase um índio.
Nesta terça, em Brasília, a partir das 15h, a presidente da Funai e o coordenador de Índios Isolados e Recém Contatados participam de uma entrevista coletiva sobre os índios isolados, que será transmitida ao vivo pela TV NBR do governo federal.
Leia Também:
Depois de susto, índios Ashaninka fazem contato com tribo desconhecida no Acre
Índios isolados: liderança kaxinawá exige retorno de base da Funai no Acre
Funai prevê chegada em massa de índios isolados na fronteira do Acre
Vídeo do 1º contato dos índios isolados com Funai no Acre
Índios isolados podem ser exterminados no Acre por despreparo da Funai
Governo aprova R$ 5 milhões para proteção aos índios isolados
Blog da Amazônia: Em novo vídeo, índios isolados cantam e imitam pássaros