Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
A vida é turbilhão e, na azáfama de cuidar das pequenas coisas, não nos damos conta de certos males que chegam com “pés de lã”, de mansinho. E tanto, que sequer reparamos. Aí, quando menos esperamos lá está, instalado, inamovível. Tarde demais! Por isso, há que estar vigilante.
Outro dia vendo uma antiga palestra de Slavoj Zizek, tomei tento para uma pergunta que ele fazia: “que está havendo com a democracia?” E apontava para o fato de estar havendo uma perda real da substância da democracia – mesmo a formal, liberal – dando como exemplo o governo de Berlusconi, na Itália, autoritário e extremista. Pois aquilo me tocou: ele está certo! Por todos os lugares, mesmo a mais chula democracia liberal vem perdendo substância. Inclusive nos países ditos “progressistas” da América do Sul.
O que dizer da criminalização dos movimentos sociais que hoje existe no Equador? E a perda dos direitos individuais nos EUA? E no Brasil? Como entender a militarização estilo “robocop” no Rio de Janeiro? As UPPs? Ou a prisão preventiva de gente que “poderia” se insurgir contra a ordem? Como analisar o fato de que até o exército brasileiro terá uma divisão para investigar os movimentos populares? O protesto virou ameaça? Discordar dos governantes é caminho para as masmorras? De que sistema político estamos falando afinal?
E assim poderíamos levantar questões referentes à democracia em cada instância. Desde o ponto de vista continental, passando pelo nacional, estadual, municipal e até nos ambientes de trabalhos. Os espaços mais prosaicos estão encolhendo a democracia, assim, com “pés de lã”. Em Santa Catarina, na Universidade Federal, vive-se um desses momentos. Há um ataque sistemático a todas as formas de participação paritária de estudantes e técnico-administrativos em educação (TAE).
Os alunos são vistos com um atrapalho e os TAEs, como serviçais de professores. Todos os discursos bonitos sobre democracia e liberdade, típicos da casa do saber, somem quando a realidade se apresenta. Há professores que acreditam piamente que só eles podem comandar a universidade e buscam tirar dos TAEs qualquer avanço já garantido na luta. São tempos sombrios.
As negociações estão eivadas de violência. A polícia é a solução para os conflitos – típicos da democracia. E todos esses sinais mostram que alguma coisa muito feia está passando. Pequenas gotas, aqui e ali, que não aparecem na totalidade. Vai se criando um caldo fundamentalista, promovido pelos meios de comunicação de massa, no qual os pobres, os lutadores sociais, os ambientalistas, os movimentos e toda a sorte de pessoas que faz a crítica ou a luta, se transformam numa ameaça à sociedade.
Ora, um dos pilares da democracia é o direito ao contraditório, à fala do outro, à opinião do outro, ao protesto, à luta. E é da natureza da democracia o direito à participação com igual peso. Não estamos na Grécia antiga onde só os homens, proprietários, podiam decidir. É o século XXI e parece que caminhamos para trás. A sociedade do medo assoma nos programas de TV do tipo Datena, Rezende e outros quetais. O que protesta vira terrorista. O que questiona vira inimigo. O que insiste em fazer ouvir sua voz é calado pela força.
É preciso fugir desse canto de sereia atrofiante e perigoso. Como na nau de Ulisses tudo o que querem é jogar ao mar àqueles buscam seu caminho. A democracia se encolhe e, se deixarmos, chegará o dia em que esse encolhimento chegará à porta, mesmo daqueles que hoje, assustados, gritam: crucifiquem, crucifiquem, pensando que estão protegidos. Não estão!