Carta Final do Encontro de Formação de Lideranças Indígenas em Rondônia

cocarEncontro conta com a presença de diferentes etnias de Rondônia e Mato Grosso. No evento, indígenas denunciaram a execução de grandes empreendimentos pelo governo federal como: hidrelétricas, estradas e hidrovias e os projetos de lei anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional.

CIMI RO

Confira na íntegra a carta final do encontro:  

Nós povos indígenas Karitiana, Kithaulu, Tawandê, Mamaindê, Aikanã, Manduca e Kwazá, oriundos dos estados Rondônia e noroeste do Mato Grosso, reunidos no “Encontro de formação de lideranças”, de 29 a 31 de julho 2014, Casa de Encontro Piracolino, na cidade de Vilhena-RO, vimos que a atual conjuntura indigenista se encontra em um momento muito delicado e desfavorável as conquistas dos povos indígenas. Direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 são descaracterizados, devido ao avanço dos empreendimentos, como: rodovias, hidrovias, hidrelétricas, linhão, REDD, agropecuária, agronegócio e outros, que violam aos direitos indígenas, tudo isso, em vista do capital econômico.

Muitos desafios se apresentam na atualidade para os povos indígenas e aliados, dentre eles destacamos: continuar e ampliar a mobilização política, cumprimento e efetivação do direito dos povos indígenas a terem suas terras reconhecidas, demarcadas e protegidas e a criminalização de lideranças e povos indígenas.

Discutindo, avaliando e refletindo sobre os problemas que nos atingem, expomos nossas angustias, preocupações e violências vivenciadas diariamente por nossas comunidades e territórios tradicionais, no que se refere:

Saúde

01 – Constatamos mais uma vez que a falta de um atendimento diferenciado tem provocado a morte de muitas crianças, gestantes e idosos, que são os mais vulneráveis e vítimas deste atendimento.

02 – Muitos pacientes da região de Vilhena, Comodoro, Chupinguaia, Parecis são transferidos para Porto Velho para atendimento mais especializado, mas são impedidos de trazerem acompanhantes. O caso fica mais dramático quando isso ocorre com mulheres que não sabem falar o português.

03 – Continua a demora do atendimento nos hospitais e Casai. Isso tem provocado complicações na saúde dos pacientes levando em alguns casos o óbito de parentes.

04 – As estruturas das Casas de Saúde Indígena são precárias. Faltam equipe médica, medicamentos, equipamentos e formação especifica dos profissionais envolvidos. Também faltam medicamentos básicos nos postos de saúde das aldeias. Algumas aldeias ficam muito distantes e são de difícil acesso. Por isso, não é possível, pelo menos nesses casos, exigir receita medica para o fornecimento de medicamentos para uma simples dor de cabeça ou diarreia.

05 – Que o estado de Rondônia e Mato Grosso contemplem em seu orçamento recursos para o atendimento à saúde indígena; que a Sesai firme convênio com o Estado para atendimento especializado e de alta complexidade a pacientes indígenas.

06 – Seja implantada radiofonia em todas as aldeias.

07 – Seja permitida a entrada dos indígenas que vem de suas aldeias visitar os pacientes, independente do horário estabelecido pela Casai.

08 – Quando pacientes são trazidos pelos veículos das comunidades, os mesmo sejam atendidos imediatamente independente dos horários estabelecidos pela Casai

09 – Que os pacientes e acompanhantes não fiquem nas casas de atendimento de saúde indígena à espera de passagem após receberem alta médica.

Educação:

01 – Exigimos a imediata implementação da Lei 578/10 que criou o cargo de magistério público indígena e quadro administrativo, notadamente no que se refere ao concurso público para esses cargos e às nomeações previstas nos artigos 41 e 42 desta Lei.

02 – Que haja participação ativa dos povos indígenas na política de educação escolar indígena, na gestão das ações e no controle social;

03 – Regularização das escolas indígenas, considerando suas especificidades;

04 – Implantação do projeto do sexto ao nono ano e Ensino Médio em todas as Escolas Indígenas de Rondônia e Mato Grosso;

05 – Agilidade na construção de escolas indígenas adaptadas à realidade local, com estrutura física que garanta seu bom funcionamento;

06 – Garantir o atendimento pedagógico nas escolas indígenas.

07 – Que haja veículos para atender a demanda da educação escolar indígena.

08 – Que sejam conservadas as estradas dentro das terras indígenas para o transporte dos alunos e comunidade, em Rondônia e Mato Grosso.

09 – Que haja distribuição regular nas escolas indígenas de Rondônia e Mato Grosso.

Terra

1 – Reconhecimento do povo indígena Guarassungwe da região de Pimenteiras-RO;

02 – Conclusão imediata do GT da Terra Indígena Pirineu de Souza (Casa de Rondon – Vilhena), morcegal (caverna sagrada) e patuazal, imediata demarcação das terras indígenas  Mamaindê, Tawandê e Idalamarê (Comodoro MT);

03 – Revisão de limites da TI Vale do Guaporé, município de Comodoro-MT, para incorporar a região da  Lagoa dos Brincos, Bambu e Barreira do Arara (lugar sagrado de reprodução dos animais) onde está localizada a Fazenda Maringá, mas é  área tradicional do povo Mamaindê;

04 – Exigimos interdição imediata e a criação do GT para demarcação do Território Tradicional do Povo Aikanã, na Região do Rio Pimenta, onde estava localizada a aldeia do Capitão Tapu e que hoje está sendo desrespeitado pelos fazendeiros a memória dos antepassados, com a exposição dos restos mortais de nossos parentes.

05 – Retirada dos madereiros e outros invasores dos territórios indígenas.

Grandes projetos do PAC:

Todos os grandes empreendimentos em execução e os previstos para esta região atingem de uma ou outra forma nossos territórios indígenas. Esse modelo de desenvolvimento adotado pelo atual governo não respeita as populações tradicionais e o meio ambiente. Estamos vendo nossas terras ou o seu entorno sendo invadidos por PCHs, hidrelétricas, estradas. Nossos direitos constitucionais não estão sendo respeitados, em nome de um suposto progresso que só beneficia grandes grupos econômicos e que atentam contra a nossa integridade física e cultural e afeta nossa dignidade humana.

Citamos como exemplo de violência que nossos povos e territórios estão sofrendo:

01 – As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) do Cascata, no Rio Pimenta Bueno atinge a terra indígena Tubarão Latundê, em Chupinguaia, construída em cima de três cemitérios antigos e afeta o território tradicional dos povos  Aikanã, Cassupá, Salamãi e Kwazá;

02 – Não permitiremos que outras grandes obras como as hidrovias e a ferrovia transcontinental afetem, de uma ou outra forma, nossos territórios.

03 – Denunciamos os estudos para construção da pequena central hidrelétrica que atingirá as terras indígenas: Nambikwara e Pirineus de Souza.

Projetos Legislativos no Congresso Nacional

Além de todos estes empreendimentos projetados para essa região de Rondônia e Mato Grosso, que afetam nossos territórios, o Congresso Nacional, através de sua bancada ruralista e evangélica, tem proposto uma serie de Propostas de Emenda Constitucional (PEC) e Projetos de Lei (PL) que rasgam nossos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988; que nos desrespeitam como seres humanos, que ferem nossos territórios sagrados e que afrontam a nossa dignidade humana. Citamos alguns desses projetos:

PEC/215/2000 – transfere para o Congresso Nacional a competência para demarcar Terras Indígenas e as que ainda não tiveram seu processo demarcatório concluído.

PEC 237/13 – permite a posse de Terras Indígenas por produtores rurais, através de concessão da União. PL 1610/96 que regulamenta a mineração em Terras Indígenas.

Portaria 303/12 da Advocacia Geral da União- interpreta de forma abrangente, errônea e arbitraria as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, estendendo a aplicação dessas condicionantes a todas as Terras Indígenas.

Existem ainda outras afrontas como a PEC 38/99, a Portaria MJ 2498/11, a Portaria Interministerial 419/11, Portaria 14/2014 – Ministério da Justiça, PEC 416/14 que entre outras, que reduzem nossos direitos.

Diante de tudo, renovamos nossa indignação e nossos protestos e exigimos respeito aos nossos direitos tão duramente conquistados pela Constituição Federal de 1988 e Convenção 169 da OIT, e hoje ameaçados pelos que exploram nossa terra.

Vilhena, 31 de Julho de 2014.

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