O norte-americano Michael Pollan foi aplaudido de pé na Festa Literária Internacional de Paraty, onde lembrou que a nossa relação com a natureza não é de custo-zero. Também o índio yanomami Davi Kopenawa alertou para os erros do homem
–“Somos a nação Yanomami, moramos há muito tempo na fronteira do Brasil e da Venezuela. Eu agradeço que vocês me deixem entrar aqui, na vossa casa.”
Foi primeiro na língua do povo yanomami que Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, agradeceu o convite para estar na plateia da Tenda de Autores da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Só depois falou em português, língua que aprendeu a ler com missionários na Amazónia e com a Bíblia. É o autor do livro A Queda do Céu, juntamente com o antropólogo Bruce Albert, que já foi publicado em França, traduzido para inglês e será publicado em português no próximo ano pela editora brasileira Companhia das Letras. “Eu queria mostrar a sabedoria do povo yanomami, para vocês, os não-índios, não pensarem que a gente não sabe de nada. O povo yanomami é muito rico de História. Não é rico de dinheiro, de carro, de avião. É rico de conhecimento da nossa floresta amazónica.”
Embora a moderadora, a jornalista Eliane Brum, tivesse referido antes de lhe passar a palavra que Kopenawa está ameaçado de morte (disseram-lhe que não chegará ao fim de 2014 e por isso há dias pediu protecção à polícia brasileira), o xamã não abordou o assunto na sessão. Eliane lembrou que há “um risco de retrocesso” na protecção aos povos indígenas da Amazónia e que só este ano foram retirados os últimos fazendeiros do território demarcado para o povo yanomami. Por sua vez, Davi Kopenawa, que em criança viu os seus pais morrerem com doenças trazidas pelos brancos, lembrou: “Vocês, moradores daqui, no beira-mar, quero que vocês saibam o que aconteceu com o povo indígena do Brasil. O homem da cidade matou, estragou nossos rios, cortou a floresta, raspou a terra e trouxe doenças. Paraty era lugar de nossos parentes indígenas, os guarani. Os não-índios chegam em terras indígenas e derrubam tudo o que nós temos. Agora é hora de vocês se levantarem e cobrarem o erro do homem.”
Davi Kopenawa dividiu o palco com Cláudia Andujar, fotógrafa nascida na Suíça mas a viver no Brasil há décadas, que mostrou um vídeo de 17 minutos (demasiado longo, o que fez com que muitos fossem abandonando a sala aos poucos), com fotografias que foi tirando ao longo dos anos em que viveu com o povo yanomami.
O pajé Davi Kopenawa explicou assim o estado do clima: “O não-índio diz: mudança climática. A poluição está lá em cima, muda o tempo, faz muito quente e muito frio. Falta água, falta chuva. O trabalho do pajé [curandeiro] é entrar em contacto com o trovão e o espírito da terra para reequilibrar o mundo, mas não só para o índio: também para branco, negro, tudo.” Entretanto, a questão indígena e a Amazónia volta a ser tema de debate na festa literária, na mesa Tristes Trópicos, com a participação de dois antropólogos, Beto Ricardo e Eduardo Viveiros de Castro (autor do livro de ensaios A Inconstância da Alma Selvagem). E, de alguma forma, a conferência de Michael Pollan, autor de O Dilema do Omnívoro, jornalista e professor na Universidade de Berkeley, que está na FLIP a lançar o seu último livro, Cooked- A Natural History of Transformation (Cozinhar, da editora brasileira Intrínseca), ligou-se com a do índio yanomami.
“Achamos que a nossa relação com a natureza é de custo zero. Isso não é verdade.” O norte-americano, que tem reflectido sobre aquilo que estamos a comer, lembrou como os animais estão a ser criados em quintas, apinhados e enfiados em estrume. “Tudo isso nos é escondido. Mostram-nos vaqueiros felizes e erva e pastos lindos. Mas essas imagens já não existem”, afirmou. “Somos cúmplices das novas paisagens.” Vivemos, continuou, num mundo de batatas padronizadas e a monotonia visual das paisagens é consequência dos produtos que ali são produzidos, no universo do cada vez mais geneticamente modificado. Pollan, que disse que os refrigerantes são um problema de saúde pública, pediu às pessoas para comerem com prazer mas não em excesso. O truque está em comerem os alimentos que elas próprias cozinham. Para ele existem “’almoços grátis’ desde que os saibamos cozinhar”.
Michael Pollan falou da importância das bactérias que vivem no nosso corpo e disse que estamos a cometer o erro de não cuidar delas. Isso, alertou, traz graves problemas para a nossa saúde. “Uma refeição no McDonalds alimenta o nosso corpo mas não alimenta as nossas bactérias. E sem isso surgem doenças como a diabetes. O mais preocupante é que a dieta ocidental está a fazer com que as nossas bactérias passem fome.” Explicou que o leite materno tem essa capacidade de alimentar as bactérias do bebé. Mas infelizmente não podemos beber leite materno até ao final da vida, brincou o moderador Paulo Werneck, que conversou com o escritor na ausência (por motivo de doença) da moderadora escolhida. “Mas podemos alimentar-nos de plantas”, contrapôs rapidamente Michael Pollan. “O supermercado está cheio de coisas que não merecem o rótulo de comida. Devíamos chamar-lhes substâncias comestíveis.”
Em sua casa, o jornalista diz que se comem coisas muito simples. Muitos grelhados, muitos legumes, pouca carne e, no dia seguinte, há os restos. Isso permite que a família não passe os dias todos a cozinhar: “Cozinhamos quatro ou cinco dias por semana e ficamos livres nos outros.” No Brasil, Pollan apaixonou-se pela culinária local: “Espero que vocês defendam a vossa gastronomia, a vossa cultura… porque preparem-se: os perigos estão por perto.”