Guarani-Kaiowá e STF: Lewandowski denuncia “novo genocídio”, mas G. Mendes alega que os K-G não estavam lá em 1988. Carmen Lúcia pede vista e adia conclusão de recurso contra demarcação

Constituição Demarcação JáRelator, Lewandowski afirmou que está em curso no Brasil “um novo genocídio”, no qual os fazendeiros criminosamente ocupam terras que eram dos índios, os expulsam, e depois recorrem a expedientes jurídicos para postergar o cumprimento do artigo 231 dispositivo da Constituição. Mas Gilmar Mendes preferiu citar Raposa Serra do Sol, alegar que os Guarani-Kaiowá não estavam na região em 1988. [Teriam ido passear?]. Carmen Lúcia pediu vistas. (TP)

STF

O julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 29087 foi suspenso, por pedido de vista, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). No processo, Avelino Antonio Donatti, proprietário rural, questiona declaração de sua fazenda como sendo de posse imemorial (permanente) da etnia guarani-kaiowá, integrando a Terra Indígena Guyraroká, no Mato Grosso do Sul. Na sessão de hoje (24), o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto-vista, por meio do qual divergiu do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que vota no sentido de negar provimento ao recurso. O recorrente busca reverter decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou mandado de segurança lá impetrado.

O ministro Gilmar, em seu voto, deu provimento ao recurso para declarar a nulidade de ato do ministro da Justiça, consubstanciado na Portaria 3.219, de 7 de outubro de 2009. Segundo o ministro, o próprio laudo da Funai aponta que os índios não tinham posse da terra na data da promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro de 1988) e que viveram na região há mais de 70 anos.

Ele considera que, embora a decisão do STF na Petição (PET) 3388, que envolve a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, não tenha efeitos vinculantes, é necessário que a jurisprudência das instâncias ordinárias e do STF se adapte a esse julgado, no qual a Corte estabeleceu uma série de fundamentos e salvaguardas institucionais relativos à demarcação de terras indígenas, como o marco temporal da ocupação (5/10/88) e a necessidade de o processo envolver estado e municípios afetados, entre outros.

“O objetivo principal dessa delimitação foi procurar dar fim às disputas infindáveis sobre terras entre índios e fazendeiros, muitas das quais bastante violentas, como sabemos”, ressaltou. De acordo com o ministro, se ainda assim a União entender que uma aérea deve integrar determinada terra indígena deve desapropriá-la e não invocar historicamente uma posse indígena imemorial para resolver a questão no âmbito de um processo demarcatório, que é excepcional e que tem pressupostos. “A orla de Copacabana certamente foi povoada de índios em algum momento, mas isso não significa que os prédios da Avenida Atlântica possam ser resgatados hoje em favor de alguma etnia”, comparou.

Para o relator do processo, ministro Lewandowski, o uso de mandado de segurança exige a presença de direito líquido e certo decorrente de provas incontroversas, e não se presta a debater tema tão complexo como este. “Como bem observado na decisão impugnada, o exame de todas as alegações expostas na exordial da impetração, bem como nas razões recursais, em face da complexidade da discussão que a permeia, não se revela possível sem apreciação adequada do contexto fático-probatório que envolve a controvérsia, inexequível, todavia, nos estreitos limites do mandado de segurança. Isto é matéria a ser decidida nas vias jurídicas apropriadas, como bem decidiu o STJ”, enfatizou o relator.

O ministro Lewandowski afirmou que está em curso no Brasil “um novo genocídio”, no qual os fazendeiros, criminosamente, ocupam terras que eram dos índios, os expulsam, e depois recorrem a expedientes jurídicos para postergar o cumprimento do dispositivo da Constituição (artigo 231) que reconhece o direito dos índios às terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las. “O parágrafo 4º deste artigo afirma que as terras são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. Observem que são expressões das mais fortes usadas pelos constituintes, no texto constitucional como um todo”, enfatizou. De acordo com os autos, a comunidade kaiowá vive na área a ser demarcada desde os anos de 1750-1760, tendo os índios sido desapossados de suas terras nos anos de 1940, por pressão de fazendeiros.

O novo pedido de vista nesse julgamento foi formulado pela ministra Cármen Lúcia, que é relatora de ação originária que trata da área reivindicada pelos guarani-kaiowá.

VP/AD

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RMS 29087

Comments (1)

  1. O Ministro Gilmar Mendes prende-se a condição do fato ao tempo da outorga da Constituição Federal de 1988, isto é, pondera que a proteção do direito à terra pelos índios implica que estivesse, ao tempo da nova ordem constitucional, na efetiva ocupação, desconsiderando, por sua vez, as violências praticadas contra os índios em tempo pretérito a 1988, o que tornaria inóquo o desiderato constitucional concernente ao direito original dos índios sobre as terras, a posse ou a ocupação não são institutos alencados na Constituição de forma explícita que autorizem que sobre eles se estabeleçam fundamentos de decisão quanto à negativa de demarcação.
    Por outro lado, assiste em parte razão ao Ministro Gilmar Mendes quando advoga que nos casos em que os índios não provem a temporialidade da ocupação ao tempo da nova ordem constitucional, que o Poder Público, no caso a Funai e a União Federal, deverão desapropria as terras ocupadas por não-índios, uma vez que a ocupação destas terras se deram, de forma direta ou indiretamente, pela conivência dos poderes pública, responsáveis pela proteção e defesa dos direitos indígenas, à luz do art. 231 da Constituição Federal.

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