Projeto Ibaorebu, uma experiência de afirmação da identidade e autonomia do Povo Munduruku

Foto: Izabel Gobbi
Foto: Izabel Gobbi

Izabel Gobbi, Funai

Realizado por meio de etapas intensivas ou “tempo escola” (aulas presenciais) e etapas de acompanhamento ou “tempo aldeia” (momento de orientação às pesquisas desenvolvidas pelos alunos), o Ibaorebu tem se constituído como um espaço privilegiado de exercício da autonomia e do protagonismo do Povo Munduruku.

Como o próprio nome sugere, trata-se de um espaço de criação, construção e valorização de conhecimentos que não se esgotam no processo de escolarização e/ou profissionalização, mas tem caráter contínuo, voltado para a formação integral que dialoga com o significado de ser homem e de ser mulher Munduruku.

O Projeto Ibaorebu de Formação Integral Munduruku executado pela FUNAI, possui 210 cursistas, divididos em duas turmas de Magistério Intercultural, uma turma de Técnico em Enfermagem e uma de Técnico em Agroecologia, sendo que a maioria dos cursistas atua, há anos, como professores e Agentes Indígenas de Saúde em suas aldeias. Trata-se, sobretudo, de um Projeto construído com e para os Munduruku, configurando-se como um ótimo exemplo de educação escolar indígena específica, diferenciada e de qualidade.

O Projeto é realizado com o apoio técnico e financeiro da Coordenação Geral de Promoção da Cidadania – CGPC e Coordenação Regional Tapajós e vem avançando para consolidar parcerias que envolvem outras Coordenações finalísticas da FUNAI (CGETNO, CGGAM, CGMT, CGPDS), além da parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA, notadamente o Campus Rural de Marabá e o Campus de Itaituba.

Foto: Izabel Gobbi
Foto: Izabel Gobbi

IX Etapa Intensiva do Projeto Ibaorebu

A IX Etapa Intensiva do Projeto Ibaorebu foi realizada entre os dias 12 de maio e 01 de junho, na Aldeia Sai-Cinza, localizada na região do Alto Tapajós – PA. Como de costume, a comunidade de Sai-Cinza, representada pelos Caciques Vicente Saw e Nezinho Saw, acolheu os integrantes do Ibaorebu e prestigiou os seminários de apresentação dos trabalhos elaborados durante a etapa.

Técnico em Agroecologia

Na IX Etapa Intensiva, a turma de Técnico em Agroecologia realizou trabalhos sobre etnohistória e território, saídas de campo para coletar copaíba, mel e buriti, bem como teve a oportunidade de produzir um excelente vídeo sobre o uso de agrotóxicos nas lavouras e a importância da valorização da agricultura tradicional, que poderá ser utilizado como material didático e informativo nas escolas e comunidades Munduruku.

Foto: Izabel Gobbi
Foto: Izabel Gobbi

Técnico em Enfermagem

A turma de Técnico em Enfermagem teve aulas sobre feridas e curativos, qualidade de vida dos idosos e noções sobre o funcionamento de um centro cirúrgico, bem como retomou os trabalhos de plantio de plantas medicinais. No Ibaorebu, as diferentes noções presentes na formação técnica em enfermagem dialogam com as práticas e conhecimentos próprios aos Munduruku.

Foto: Izabel Gobbi
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Magistério Intercultural

As turmas de Magistério Intercultural tiveram aulas sobre saúde bucal, prevenção e valorização da alimentação tradicional, gerando a produção de vídeos que poderão ser utilizados como material didático nas escolas, privilegiando a desejada integração entre educação e saúde.

Além disso, as turmas de Magistério tiveram aulas de bioquímica, quando desenvolveram trabalhos sobre os nutrientes que compõem a alimentação tradicional; aulas de física, gerando belos trabalhos sobre os processos físicos envolvidos na produção da farinha; e de fundamentos da educação escolar indígena, quando puderam refletir sobre a legislação e sobre a educação Munduruku.

Durante as aulas de Antropologia da Educação, cujo tema central foi “A escola que temos e a escola que queremos”, as turmas de Magistério Intercultural realizaram um diagnóstico da educação escolar oferecida ao Povo Munduruku e elaboraram duas propostas de Projetos Políticos Pedagógicos Diferenciados – PPPD, que deverão auxiliar no processo de discussão e construção dos PPPDs das escolas de suas comunidades, já que nenhuma delas possui esse importante instrumento de defesa do direito à uma educação escolar indígena específica, diferenciada e de qualidade.

O Ibaorebu e a defesa dos direitos indígenas

No dia 21 de maio de 2014, uma comissão composta por alunos e alunas do Ibaorebu, lideranças, caciques e guerreiros participou de audiência pública com o Ministério Público Federal de Santarém, realizada na Aldeia Praia do Mangue, Município de Itaituba. O que motivou a realização da audiência pública foi a recente demissão de setenta professores Munduruku que atuam na região do Alto Tapajós, sendo a maioria profissionais com significativa experiência e conhecimentos que precisam ser valorizados e respeitados.

Na ocasião foi apresentada uma das propostas de Projeto Político Pedagógico Diferenciado – PPPD, iniciativa que foi muito valorizada pelo Procurador, que enfatizou a importância do PPP na defesa da educação escolar que o Povo Munduruku deseja.

Como desdobramento da audiência pública foi realizada reunião em Brasília, nos dias 27 e 28 de maio, com a presença de representantes do MPF, MEC, FUNAI, Secretaria Geral da Presidência e Prefeitura do Município de Jacareacanga – PA, a fim de buscar soluções para a situação dos professores Munduruku, além de outras questões referentes à educação escolar ofertada ao Povo Munduruku. Esses dois momentos são frutos da mobilização dos cursistas do Ibaorebu na defesa do seus direitos.

O Ibaorebu e a voz dos Munduruku

“A escola deve ajudar a entender o mundo ao nosso redor e, ao mesmo tempo, fortalecer a nossa própria cultura” (Professor Jairo Saw).

“Eu estudei na escola de branco e não aprendi. Lá fora, você não aprende o que aprende aqui” (Ivanilda Karo, cursista de Agroecologia)

“Pelo o que entendi, o PPP que nós estamos estudando aqui é fundamental. É muito importante aprender, estudar e saber defender nossos direitos” (Patrício Bõrõ, cursista de Magistério Intercutural)

“A gente respeita muito o Ibaorebu, porque aqui a gente aprende de acordo com a nossa cultura” (Maria Leusa Kabá, cursista de Magistério Intercultural)

“Quem está no poder tem medo do conhecimento, porque na medida que a gente aprende, na medida que a gente tem conhecimento, a gente tem liberdade” (Professor Ademir Kabá)

“Nós não somos perfeitos, apenas lutamos pelos nossos direitos e pelos nossos objetivos” (Manoel Poxo, cursista de técnico em enfermagem)

Equipe Técnica da IX Etapa Intensiva do Ibaorebu:

André R. F. Ramos – Técnico em Indigenismo/CGPC, Coordenador do Ibaorebu, professor de etnohistória e fundamentos da educação;
Izabel Gobbi – Antropóloga/CGPC, professora de Antropologia da Educação, apoio na organização e coordenação;
Nelson Cesar Destro – Engenheiro Agrônomo/CGETNO, professor de Agroecologia;
Geraldo Dias – Indigenista Especializado/CR Tapajós, apoio técnico;
Wyncla Paz – Indigenista Especializado/CR Tapajós, professor de etnohistória;
Deuzivaldo Saw -Coordenador Técnico Local de Jacareacanga/CR Tapajós, apoio logístico;
Juliana Araújo – Indigenista Especializada/CR Tapajós, apoio técnico;
Cailo Almeida – Odontólogo/DSEI Tapajós, professor da área de saúde e prevenção, cinegrafista e editor de audiovisual;
Carmem Santos – Enfermeira, professora da área de saúde;
Clarissa Cavalcante – Engenheira Civil/IFPA Itaituba, professora de física;
Janaína Justino – Bióloga, professora de bioquímica.

Professores Munduruku: Ademir Kabá (Agroecologia), Antônio Saw (Técnico em Enfermagem), Claudeth Saw (Magistério Intercultural), Jairo Saw (Magistério Intercultural) e Zenildo Saw (Magistério Intercultural).

Colaboração: André Ramos

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