Desafios da transposição vão da burocracia à preservação ambiental

transposiçao canteiroEm 2007, o governo federal lançou os editais de licitação para as obras da transposição do rio São Francisco, cujo prazo inicial para conclusão era 2010.

Maurício Moraes, BBC Brasil

No ano seguinte, em 2008, as construtoras já estavam nos canteiros. Mas, por diversos motivos, a empreitada logo se mostrou mais complexa que o esperado, fazendo com o governo tivesse de renegociar todos os contratos, atrasando as obras – que até agora não terminaram.

Entre 2010 e 2011, uma das construtoras rompeu o contrato e abandonou o projeto. Para garantir sua continuidade, o governo teve de refazer o plano de gestão das obras, estabelecendo uma série de metas e estágios, o que levou às mudanças contratuais das demais empresas envolvidas.

Uma das razões admitidas pelo próprio governo para fazer essas mudanças foi que “as licitações iniciais foram todas realizadas em cima de projetos básicos”, e não a partir de projetos executivos detalhados, segundo explicou Frederico Meira, Coordenador Geral de Acompanhamento e Fiscalização de Obras do Ministério da Integração Nacional.

Para Meira, os projetos básicos não eram suficientes, por não trazer detalhes do terreno, em especial o tipo de solo, fundamental na edificação civil.

“Isso fez com que na hora que se começasse a execução das obras, começassem também a haver diferenças e distorções entre o que estava quantificado e o que estava realmente sendo encontrado”, disse.

Solo não-uniforme

Esse problema, no entanto, não significa que houve irregularidades nos contratos.

A Lei de Licitações atualmente em vigor é frequentemente criticada por não exigir que o governo tenha em mãos projetos executivos ao lançar editais de licitação. Em muitos casos, a obra acaba sendo uma caixa de surpresas.

Um dos maiores exemplos dessa distorção foi o túnel Cuncas 1, de 15 quilômetros, que liga Mauriti (CE) a São José das Piranhas (PB).

A falta de um estudo detalhado do solo acabou levando os engenheiros a iniciarem a escavação em um local inadequado.

Em 2011, por causa “da consistência não uniforme do solo encontrado naquele ponto”, segundo nota oficial da época, a parede do túnel cedeu. E o reinício da construção custou tempo e dinheiro.

Água

Além dessas questões técnicas, a transposição do São Francisco enfrentou grande resistência de pessoas que questionavam quem se beneficiaria com o projeto e qual seria o real impacto ambiental dele.

Em 2007, o anúncio da construção foi ofuscado pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio. O religioso tentou a todo custo impedir o início das obras, mas acabou vencido pela determinação do governo em rasgar o sertão.

Além de desconfiar que a água poderia parar na torneira de quem não precisava, o bispo argumentava que o rio São Francisco não daria conta de deixar que parte de sua água fosse desviada para canais no meio da caatinga.

Segundo o governo, o São Francisco não está em perigo, já que o volume desviado seria de apenas 1,4% da vazão total do rio, de 1850 m³/s, considerando o desvio de 26 m³/s em condições normais – volume autorizado pela Agência Nacional de Águas.

Em situação de necessidade, e em caso de água sobrando na represa de Sobradinho (BA), o volume desviado pode ser de até 127 m³/s.

Mas os cálculos dos criticos são outros. Na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, o pesquisador João Suassuna diz que “não se pode considerar o volume total do rio”.

“O São Francisco hoje só dispõe de 360 m³/s por segundo de volume alocável (autorizado para uso pelas agências competentes). Se você pegar a média do São Francisco, que será de 65 m³/s por segundo, isso representa 25% de 360 m³/s e não 1,4% como se coloca”, diz.

O governo contesta e diz que apenas em casos excepcionais fará uso de uma quantidade maior que 26 m³/s.

Projetos ambientais

Por onde quer que se ande ao redor dos canais criados pela transposição, grandes descampados mostram as marcas que uma obra dessa magnitude pode causar, mas o governo diz estar tomando medidas para mitigar esse impacto.

Segundo Elianeiva Odisio , coordenadora geral de programas ambientais do Ministério da Integração Nacional, o Ministério tem hoje 39 programas para cuidar tanto da flora quanto da fauna da caatinga.

Os programas são coordenados por centros de conservação e estudo implantado especialmente pelo governo na Universidade Federal do Vale do São Francisco.

“Nós temos impacto no meio biótico, antrópico e fisico. Para esses programas reservamos cerca de R$ 1 bilhão, o que equivale a 11% da obra”, diz Elianeiva.

A maior parte desse dinheiro, no entanto, vai para dirimir o impacto sobre as comunidades do entorno.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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