MPF mostrou que demanda de fazendeiros era baseada em boatos. Desde que pedido foi feito, em 2003, não ocorreu nenhuma ameaça ou invasão que embasasse intervenção
O Tribunal Regional Federal (TRF3) rejeitou recurso de fazendeiros de Mato Grosso do Sul que pediam à Justiça a expedição de um mandato que proibisse a comunidade indígena da Aldeia Cachoeirinha de invadir terras da Fazenda Vazante, do município de Aquidauana. O Ministério Público Federal no Mato grosso do Sul (MPF/MS) se colocou contra o pedido por ele estar baseado em boatos e suposições e pelo fato de a demanda dos fazendeiros, capitaneada por Waldir da Silva Faleiros, já ter sido negada pela Justiça Federal em 2012. A terra em questão é objeto de estudo da Funai desde 2003, não tendo, desde então, ocorrido qualquer invasão ou ameaça que justificasse a medida.
As terras são reclamadas como sendo área tradicionalmente indígena pelo grupo Terena e integra relatório homologado pela Funai de identificação e expansão da reserva Cachoeirinha. Os autores da ação, portanto, têm parte de seus imóveis incluídos nos estudos da Funai e alegavam insegurança quanto ao exercício de posse. Sustentavam que as conclusões da Funai a respeito das terras teriam instigado a comunidade indígena que, em razão disso, supostamente passara a demonstrar intenção de invadir os imóveis citados nos levantamentos preliminares.
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), em parecer do MPF na ação, refutou os argumentos dos fazendeiros. Para a procuradora regional da República Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva, não ficaram devidamente comprovados na pedido nem os requisitos legais “necessários para a caracterização da alegada ameaça”, ou seja, a existência de uma “violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado” (art 1.210 do Código Civil) e o “justo receio de ser molestado na posse” (art 932 do Código de Processo Civil).
A procuradora questionou ainda a validade das provas, que se resumiam a reportagens de jornais locais e depoimentos de funcionários da Fazenda Vazante. “Foram juntados aos autos reportagens sobre possíveis ocupações indígenas. Contudo, tais reportagens referem-se a ocupações ou possíveis ocupações a serem realizadas por índios de outras Comunidades, que nenhuma ligação possuem com a de Cachoeirinha”, ponderou Maria Cristiana. “Ademais, retratam ocupações ocorridas nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, efetuadas por índios da Aldeia Buriti, objeto de várias possessórias. Ocorre que todas estas fazendas ocupadas localizam-se em Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti e Nioaque, ao passo que a propriedade doa Autores localiza-se em Aquidauana.”
Em relação aos depoimentos, que apontavam rumores na cidade sobre a possibilidade de invasão e uma suposta ameaça feita pelos índios, por telefone, informando que a invasão ocorreria em outubro de 2003, a procuradora asseverou que nenhuma ocorrência foi notada. Ela ainda destacou trechos dos depoimentos nos quais os funcionários acabam se contradizendo, com afirmações como a de desconhecerem atos praticados pelos índios que tenham representado ameaça à fazenda ou a inexistência de qualquer registro de violência ou tentativa de invasão das terras. “Constam relatos de outras testemunhas ouvidas em juízo. Estas afirmaram que correm boatos na região de que a Fazenda de propriedade dos autores será invadida pelos silvícolas, contudo, todas elas foram unânimes em afirmar que não presenciaram qualquer ato indígena apto a configurar moléstia da posse dos autores”.
Maria Cristiana acrescenta que os fazendeiros vêm reiterando o mesmo pedido desde 2003, sem que no decorrer desses 11 anos “fosse efetivada qualquer invasão indígena da área em questão.” “Dessa forma, mostram-se frágeis os fundamentos e provas constantes nos autos”, concluiu a procuradora, opinando pela manutenção da sentença que rejeitava o pedido dos fazendeiros.
De acordo com o parecer da PRR3, a 5ª Turma do TRF3, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação do proprietário Waldir da Silva Faleiros e julgou improcedente o pedido de tutela possessória contra turbação ou esbulho iminente contra a comunidade indígena da Aldeia Cachoeirinha.
Processo nº: 2003.60.00.011557-5