Speculation Dubeux

Estelita-DoubeuxPor Karina Buhr, Carta Capital

Recife sempre foi a rua debaixo dos meus pés. Há 10 anos moro em São Paulo, outras ruas me falam outras coisas, delas me alimento, por elas também grito, mas Recife sempre foi e sempre será meu chão, por mais que eu rode mundo e vou rodar. Onde mora minha mãe, minha irmã, minha tia. Onde, embaixo do chão, tenho meus outros que se foram e que permanecem e os meus ancestrais de tambores, que esses também tenho lá pela Bahia….

Espalhados no calor ficam os corações de toda cidade, enterrados nas ruas que a gente passa andando e os ônibus lotados, encavalados com carros vazios e as almas espremidas com asfalto por cima.

Recife agora sem vento, porque emparedaram a praia. Cidade onde a sombra na praia quem faz são prédios e não coqueiros.

Quem anda na primeira rua depois do mar, em Boa Viagem, sente a saia e o cabelo voar com força, a cada intervalo mínimo que restou entre prédios, lembrando que era pra ser tudo assim ali. Ou quase assim.

Esse ventilador com cristaizinhos de sal marinho deveria ir voando e varrendo todo o centro da cidade, varrendo as pontes, onde os espaços dos rios iriam se juntar, como era antes.

Tinha coisa ruim antes também, mas o vento era bom. Era bom que o que fosse bom continuasse sempre.

Um pedaço da cidade querendo ser os states, no derrube antes, resolva depois. Foi assim com o Caiçara, prédio em vias de tombamento, uma das poucas coisas bonitas antigas restantes plantadas na calçada da beira mar.

Na comunidade do Coque, em Camaragibe, em Brasília Teimosa, nos Coelhos e tantas, tantas, tantas outras, a regra, que é a mesma e vale inclusive e principalmente com gente dentro, é: Somos o governo, o poder e como poder podemos tudo, inclusive o crime.

Pedaço de carta dos moradores do Coque ao Ministério Público:

“O morador é retirado de uma área onde teria seu direito à regularização da moradia respaldado por lei, sem que, no entanto, seja garantido outro local em que ele possa exercer esse direito. Ele sai de uma área regularizável para ocupar, muito provavelmente, outra área irregular, porém com grande risco de não ser regularizável. E é a Prefeitura quem está promovendo isso – a ampliação da irregularidade habitacional no município”.

As torres gêmeas horrorosas e ilegais, do centro da cidade estão lá sob a mesma regra base, que também funciona pra cima. Não só se derruba pra depois ver, como também constroe-se até que tarde demais. E tudo planejado pra interação mínima com a cidade.

Ontem, na calada da noite, começaram a derrubar os armazéns do Cais José Estelita, lá onde acontece o#OcupeEstelita. O ativista Sérgio Urt parou pra filmar e pedir pra ver o alvará de demolição e foi espancado e ameaçado de morte por capangas das construtoras, se dizendo policiais, com as placas das motos dobradas. Eles também apagaram as fotos e quebraram o celular.

O Iphan embargou a demolição por 5 dias, enquanto correm especulações, pesquisas, comprovações, exigências. Isso foi depois de muito barulho feito pela sociedade civil, encabeçado pelo grupo Direitos Urbanos, com caldo engrossado por representantes da comunidade do Coque e gente de outros cantos todos. Embarulhemos cada vez mais! As pessoas estão acampadas desde ontem e vão dormir e acordar por lá.

Por aí temos grandes pedaços de história da cidade, das pessoas da cidade, no chão. Tanto das casas de cada um, nas comunidades, que são derrubadas, extirpadas das famílias moradoras, como do patrimônio histórico. Tem que cessar essa faina desse trem destruidor. E sempre dá bom pros grandes e ruim pra população, que perde espaços públicos, áreas de lazer, pedaços de sua história.

O “Projeto Novo Recife” (não é ironia, o nome é esse mesmo) prevê a construção de 13 torres de 40 andares no Cais José Estelita. Deixo a palavra da melhor explicação com Belize Câmara, promotora do MPPE e inspiradora geral da nação.

Enquanto o trem doido rasga tudo o cidadão fica achando que é intruso, que não pode fazer uso. O prefeito, por outro lado, pensa que a cidade é dele. E um coro meio sem agudos, mas coro, parece gritar com a burrice como base, o egoísmo de padrinho e a desinformação de madrinha. Corramos atrás dela, a info, todos nós, bamo tutti a se informare…

Na cultura, “a a a cultura”, vamos na pegada igual. Penamos na dependência do poder público também nesse setor. Vem das prefeituras e governos névoas de injustiças e gastrites de sonhos insones. Quando entra iniciativa privada é pra jogar bola gigante de cerveja na cara do patrimônio histórico, como é o caso de Olinda, que tanto tentam enfeiar e arruinar no carnaval.

Corramos, repito, pra informação e pra gritaria depois dela. Só assim a barca vai.

E no panelão misturo tudo mesmo. Governos estaduais, municipais e federal. E as construtoras e as cervejas…

Um exemplo na instância cultural estadual (já que tanto coçou a orelha do prefeito) que vivi e que tem nele muito do que falei, condensado num episódio pessoal, de diferenças de tratamento aplicadas diretamente a indivíduos, não a sociedade como um todo, não a patrimônios. Lá pra ano 2000 fui tocar em outra cidade, no mesmo evento, com 3 grupos diferentes: Comadre Fulozinha, Antônio Nóbrega e Afoxé Ylê de Egba.

Com Nóbrega fiquei num hotel filé.

Com a Comadre fiquei num hotel bom, mas num pedaço velho dele, num quarto bem mofado, com chuveiro gelado pingando quase nada e dando choque.

Com o afoxé ficamos numa pousada malassombro, voltamos numa coceira que valha-me deus: todo mundo pegou pulga.

The End

my only friend.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.

Comments (3)

  1. Nunca vi um texto tão besta! uma opinião meramente pessoal e estética que pretende suplantar o direito á propriedade e a CF. O Caiçara foi ROUBADO de seus proprietários! a título de ser “bonito” e portanto confiscável pelos comunistas do alheio! quem acha que pode tombar o patrimônio alheio NUNCA quer tombar o seu! é só demagogia e estupidez com o dinheiro dos outros!

  2. Foi feita com prazer e emoção, Karina, por uma olindense nascida no Recife: Ana Paula. Mas eu gostei do texto tanto quanto ela.
    E agradecemos o elogio.
    Tania.

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