“É um absurdo deixarem trabalhar gente assim aqui!” , disse a madama à uma funcionária negra de uma padaria no Rio de Janeiro no início dessa semana. Tudo começou porque a cliente teria se ofendido pelo modo como foi informada de que ali não era feito “café normal”, apenas café expresso e que ele custava 3 reais. Ela esperava ser prontamente atendida, estava ali para ser servida não importa a que custo. Quando isso não aconteceu, foi o bastante para que se sentisse autorizada a começar a berrar como testemunhou a atriz Aparecida Petrowky que também é negra.
Nesse momento, a PM entrou em cena. A primeira providência foi mandar que a mulher negra pedisse desculpas à cliente. Ela se recusou (yes!!!!) – “Eu estou trabalhando! Não vou pedir desculpas nem sair daqui. Não vou!” Mais uma vez, não era a resposta adequada. Não para a branquitude. O simples fato de ter falado em voz alta fez com os policiais considerassem sua atitude como desacato à autoridade. Após a violência de ser sido humilhada, constrangida e coagida em função de sua cor, tanto pela cliente quanto pela polícia, foi a vítima que saiu algemada do local causando indignação de alguns presentes.
“É um absurdo deixarem trabalhar gente assim aqui?”
Absurdo é o seu racismo.
Absurdo é ser impedida de trabalhar, é a polícia te obrigar a pedir desculpas ao seu agressor, é ser presa porque disse não ao racismo. Queriam que fosse subserviente, baixasse a cabeça, se calasse. Queriam também que não estivesse ali, sua resposta foi insolente demais, sua presença incomodava demais. Gente assim, que não se curva, não interessa. A presença da mulher negra é intolerável a ponto de uma de nós ser barrada na própria instituição onde estuda, na USP. Absurdo é uma estudante negra ser vítima de racismo institucional na PUc Campinas. Absurdo é a universidade dizer que o racismo prejudica aos alunos brancos e seus pais, porque essa mesma aluna denunciou seu racismo ao ser acuada pela universidade que deveria defendê-la.
Absurdo é parir na calçada na frente de um hospital por falta vaga e de cuidados com a saúde da pública, que deveria prestar seus serviços à população pobre e preta. É receber tratamento descuidado no SUS por causa da sua pele. É a cara do médico com nojo de tocar a sua pele, fazendo de tudo para que você saia logo dali. É ser acusada de descaso para com a própria saúde por não ter ido antes a uma consulta, quando se tem de esperar meses entre uma e outra. É você ter de esperar um ano ou mais pra receber tratamento oncológico porque o médico não acredita no que você fala. Absurdo é morrer mais.
Absurdo é a militarização da polícia, o ocupação das comunidades, é a autorização para matar e depois arrastar nossos corpos pela rua como se fossem lixo. É ser acusada pela polícia de se ter envolvimento com o tráfico para justificar nossos assassinatos. Absurda é a limpeza etnica e seus mecanismos que criam espaços onde negras e negros não são benvindos. É morrer linchada pela população por ser confundida com uma “praticante de magia negra”. É o preconceito religioso. Absurdo é andar na rua e ter que ouvir insultos sexistas e racistas e nem sempre poder revidar porque você poderá ser vítima de agressão física. É ser entendida como uma objeto sexual que está sempre disponível.
Absurdo é que nenhum estudante negro esteja entre os aprovados da fuvest nas 3 carreiras mais concorridas do vestibular de 2013. É não estamos nos espaços de poder e prestígio como cargos de chefia nas empresas públicas e privadas, no parlamento, no executivo, na televisão, nas redações. Absurdo é a novela que prega a supremacia escalando com muita sorte “apenas” 90% de atores brancos e relegando atores negros os papéis de serviçais ou “negros fiéis”. Absurdo é ser mantida num gueto midiático através de representações estereotipadas. Ou ser motivo de homenagem, quando fazem “humor” com seu cabelo, seus dentes, sua cor de pele.
Eu sei, você não queria ouvir nada disso.
Mas não iremos nos calar.
Absurdo é o seu racismo.
Participe do tuitaço #AbsurdoÉseuRacismo que acontece amanhã, dia 16 à partir de 16 horas.
Use a hashtag e não se deixe calar também.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vanessa Rodrigues.