“No dia 14 de abril realizamos a pré-estreia do filme ÍNDIO CIDADÃO? no Memorial do Ministério Público Federal (MPF), na Procuradoria-Geral da República, em parceria com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) do MPF. A exibição pública foi seguida de debate com a presença de autoridades indígenas e da República: Ailton Krenak, Álvaro Tukano, Valdelice Veron, Dra. Deborah Duprat – Coordenadora da 6ª CCR –, Dr. Marco Antonio Delfino de Almeida – Procurador da República no município de Dourados/MS – e a Deputada Federal Érika Kokay. O filme aborda a visão indígena do processo de conquista e defesa de seus direitos constitucionais e traz a denúncia, de viva voz, do genocídio em marcha no Brasil contra a Nação Kaiowá Guarani. O evento demonstrou o engajamento do diretor e da equipe do filme em ecoar as vozes de autodeterminação dos Povos Originários nas instâncias de poder e de auxiliar o encaminhamento de graves denúncias perante as autoridades competentes.
Naquela noite, novamente me reuni com as lideranças indígenas, como de costume, pelo privilégio de contar com seus aconselhamentos na condução do nosso trabalho. Com a gravidade das denúncias trazidas pela guerreira Valdelice Veron, inclusive sobre a violência habitual contra as mulheres indígenas no processo de retomada das terras tradicionais, pensamos estratégias de ação para documentar e denunciar esse abominável cotidiano de violações sofridas pelas comunidades da Nação Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul. A madrugada nos surpreendeu com o eclipse lunar total, que para alguns Povos Originários não é bom sinal. Nessas tradições há o temor de que a escuridão se perpetue. Como o filme revela posicionamentos indígenas que contrariam os interesses de gente poderosa e influente, especificamente da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, sempre estive preparado para encarar “eclipses” e ver o novo amanhacer.
Só não poderia imaginar que o primeiro ataque viria de publicação em blog que acompanho e respeito, pelo trabalho independente de informação focado em questões pelas quais também milito. No dia 1º de maio, fui alertado sobre matéria, publicada pela senhora Tania Pacheco, com o título: “Índio Cidadão? – Retirado do blog por exigência do “detentor dos direitos”, embora disponibilizado pela TV Câmara”. O conteúdo do blog foi reproduzido em página de mídia social com a “marcação” de apoiadores do nosso filme. A autora revela surpresa pelo pedido, registrado por mim de forma protocolar, para a retirada do conteúdo integral do filme disponibilizado pelo blog. Antes de publicar a notícia, porém, a mesma esclareceu que o código para reprodução do filme estava disponível no site da TV Câmara; agradeci a pronta resposta e informei que adotaria as medidas cabíveis, pois não existia autorização para tanto.
A matéria transcreve meu comentário, razão pela qual solicitei este pedido de resposta para esclarecer publicamente o encaminhamento dos fatos. O código de acesso ao filme foi efetivamente suprimido do site mencionado; é pública e notória esta constatação no seguinte link: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/466038-INDIO-CIDADAO.html. A TV Câmara possui o catálogo de vídeos “Baixe e Use”, no qual disponibiliza todas as suas produções originais para download e autoriza livre utilização/reprodução. Suponho que foi adotado o procedimento automático de disponibilizar o filme ÍNDIO CIDADÃO?, que contou com o fundamental apoio de produção da emissora mas foi realizados em co-produção por produtoras independentes – com o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do GDF. Cogitou-se disponibilizar o filme na plataforma, decisão adiada em virtude da estratégia de distribuição ser orientada para emissoras de televisão.
Consideramos que este caminho de distribuição atende ao objetivo de maior difusão do filme e que a TV Câmara é uma emissora popular por permitir a sintonia em TV aberta e por assinatura, inclusive, via antena parabólica. O filme marcou sua estreia nesse canal, no dia 19 de abril de 2014, registrando a marca de 159.870 telespectadores – segundo dados da medição eletrônica de audiência registrada nas quinze maiores regiões metropolitanas do país. Estou convicto de que o filme não logrou tamanha difusão nos dias em que esteve, por um lapso, acessível na internet. Ademais, a sequência de exibições que se seguiu, entre os dias 26/04 e 07/05, ampliou o alcance acumulado de audiência e deu importante retorno de público diverso – como de indígenas que assistiram em suas aldeias, por exemplo.
Os próprios protagonistas do filme relatam receber comentários constantes de telespectadores. A Valdelice Veron, liderança ameaçada de morte, nos agradeceu por “fazer a câmera falar” e disse que a Maria Rita Kehl comentou da importância do lançamento do filme no atual momento, durante contato nos recentes trabalhos da Comissão Nacional da Verdade no Mato Grosso do Sul. O grande desafio dos filmes produzidos no país é a eficaz distribuição, ou seja, a estratégia de exibição em “janelas” (TV, cinema, internet etc.) nas quais alcançará formar público e, no nosso caso, promover o debate sobre o gravíssimo contexto encarado hoje pelas Nações Indígenas no Brasil. A televisão continua a ser o meio de comunicação massivo mais popular e por isso nos dá a perspectiva de atingir público espontâneo que desconhece a história e a realidade dos Povos Originários no país. Muitas dessas pessoas tiveram acesso a 52 minutos de palavras marcantes e protagonismo indígena na Capital Federal em seus televisores.
Ainda não existe previsão para disponibilizar o filme na íntegra pela internet, pois profissionais experientes consultados me indicaram que tal decisão reduziria ao mínimo as chances de distribuição para outras emissoras televisivas. Entretanto, esse fato não impediu a cessão gratuita dos direitos de exibição do ÍNDIO CIDADÃO? para pessoas e organizações interessadas em promover sessões do filme, recém lançado. Me alegra muito o reconhecimento da importância do filme e a percepção de que cumpre com seu objetivo primordial de provocar o debate. No presente mês faremos a distribuição gratuita de 1.000 cópias para Pontos de Cultura Indígena, organizações indígenas ou indigenistas e escolas públicas e indígenas das 5 regiões do Brasil. Essas atitudes demonstram o nosso compromisso, enquanto realizadores, de difundir o seu conteúdo – tudo feito de forma gratuita, até então.
Todos os questionamentos são válidos nos espaços democráticos e considero positivas as reflexões agregadas pela análise matéria, independente da profundidade da crítica implícita. Não me senti atacado ou ofendido pelo seu conteúdo, apenas lamento o aparente descrédito publicamente atribuído ao meu comunicado protocolar. Mas é compreensível, como aprendi nas palavras da Valdelice Veron, reza a filosofia Kaiowá: “Para nós índios, nós Kaiowá, a palavra é sagrada. Só que para não-índio não é assim, só acreditam no papel”. No que se refere à autoria da obra, o seu registro no Escritório de Direitos Autorais é público e posso disponibilizá-lo sem constrangimento, afinal, um filme que se propõe a discussão de direitos nunca se furtará a defesa dos seus próprios.
Por último, vale ressaltar que o filme é uma realização coletiva, como é da própria natureza da atividade cinematográfica. Existem muitas pessoas vinculadas ao nosso trabalho e relações contratuais formais com a TV Câmara, entre as co-produtoras e demais acordos com as produtoras associadas. Tenho o compromisso de zelar pela minha palavra com as lideranças indígenas e as decisões do coletivo que realizou este trabalho. Não hesitarei em seguir no esforço de difundir o filme na televisão, onde não há cota para índio. Esclareço que, de forma impessoal, serei obrigado a protestar qualquer vez em que o filme for disponibilizado na internet. De antemão agradeço o espaço da resposta, confiante na sua divulgação no blog e direcionamento aos destinatários específicos – marcados na rede social quando da publicação da matéria citada. E diga ao Povo que avance!
Brasília, 14 de maio de 2014.
Rodrigo Siqueira, autor do “ÍNDIO CIDADÃO?”.”
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A resposta acima se refere ao post Índio Cidadão? – Retirado do blog por exigência do “detentor dos direitos”, embora disponibilizado pela TV Câmara, publicado em 1 de maio de 2014.