No último dia 10 de maio de 2014, tive o prazer de estar no Memorial do Samba-de-Roda do Recôncavo baiano, a Casa do Samba, em Santo Amaro. Momento da posse da nova coordenação executiva da Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (Asseba). Um ato belo pela representação das pessoas, fruto da liberdade, que envolveu 14 municípios e mais 500 pessoas no processo eleitoral.
Coube-me a contribuição sobre o processo democrático vivo construído. Isso porque a luta da Asseba caminha para o seu decênio, em 2015, e nos possibilita refletir sobre o que a mesma conseguiu construir como liberdade no espaço da política! Pensando com Iná de Castro (2011), no espaço pode haver formas de exercício do poder: o despótico (que não reconheci o outro para se proteger); da autoridade (que vai usar das normas e atos da administração para se legitimar); e por fim o poder da moral (que irá reconhecer numa visão hegeliana o espaço da política, onde as diferenças vão se apresentar nos conflitos, para que se construa os espaços das relações, sendo capaz nos unir na unidade e no projeto).
E assim, o momento vivido pela associação é pleno no que se refere a realização da política dos sujeitos, que se libertam em sua representação para conquistar o espaço, pelo respeito a liberdade, entendendo que só se é liberto quando se respeita a liberdade do outro, sem ela não podemos ser libertos individualmente e coletivamente. Isso nos faz lembrar que o Recôncavo, em 18 de dezembro de 2008, perdeu Dona Maria do Quilombo de São Francisco do Paraguassú do Boqueirão, em Cachoeira, a mesma lutou pela sua liberdade completa em vida, que deveria ser com a plenitude do direito à terra e ao seu território quilombola.
Assim, todas as pessoas que prestigiaram e mandaram energias ao ato de posse, e principalmente essa nova coordenação, devem pensar nas outras pessoas, não como nossos limites, mas como a nossa possibilidade coletiva de avançar. É isso que nos faz sentir-nos libertos, no sentimento expresso por Seu Dito Duzinho do Samba de Roda de Chula de Teodoro Sampaio, ao dizer que “deixo qualquer motivação pelo Samba-de-Roda”. Assim, como Dona Dalva de Cachoeira, que diz “o samba é a vida, é a alma, é a alegria da gente, pareço uma menina de 15 anos”. Completado por Dona Ana Celia de São Francisco do Conde “o Samba-de-Roda pra mim, é algo espontâneo, é algo que mexe com o coração, com o corpo, com a mente, com a estrutura nossa.” O importante é ver essa mensagem de Dona Ana com foto de Dona Cadú de Maragogipe em uma roda, como essa estrutura é real. As memorias e fotos estão no Memorial do Samba-de-Roda.
Pois, em 06 de abril de 1998, conheci na cidade do Rio de Janeiro, a gravação do I Festival da Quixabeira, aquela gravação que tirou dos sujeitos “foi de viagem, passei em barreiras, avisa aos companheiros”, e os tornam invisíveis à sua própria obra. Os sambadores e sambadeiras, deixam de ser real no seu patrimônio e viram domínio público. Porém, nessa posse nos reencontrarmos com os sujeitos da obra, pela presença de Dona Chica do Pandeiro, que em luta garante a memória de Culerinho da Bahia, esse que em parceiras deram vida à Quixabeira.
O que está como futuro, é que o Samba-de-Roda do Recôncavo, em 2004, foi reconhecido na brilhante passagem do músico e humanista Gilberto Gil no Ministério Cultura, garantiu que essa obra humana negra se tornasse patrimônio cultural e imaterial brasileiro. No ano seguinte, irá virar Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Para finalizar, a riqueza de tudo isso está no reconhecimento dessa auto-liberdade negra, essa sim a unidade construída pelos sambadores e sambadeiras que viu na unidade, o que Pablo Milanés nos ofereceu com a obra Por la Unidad Latinoamericana, pois o que brilha com luz própria, nada pode apagar, só o brilho pode alcançar a escuridão de outras coisas. E complementa dizendo que a história é um carro alegre, que muitos irão montar, e passará por cima de todos aqueles que queiram nega-la.
Assim, a unidade da Asseba é a conquista de uma nova sociedade no Brasil, que reconheça as diferenças e nela construa a democracia coletiva, de querer ter o “pé no barro” como expressão de liberdade plena, é o que diria Milton Santos “temos tudo para construir outra sociedade”. Viva ao Samba-de-Roda do Recôncavo.
[1] Geógrafo, mestrado em Geografia na Universidade Federal da Bahia. (e-mail: [email protected])