A mãe que posso ser

Vanessa - filhosPor Vanessa Rodrigues, em Brasil Post

Dia desses, meu filho caçula, fascinado por trens e metrôs, saiu pra passear com o pai. Da porta, me olhou e disse com todos os esses e erres: “eu não quero que você vá. Só vamos o papai e eu”.

Antes de sair, me cobriu de beijos. E pensei: “‘desaplaudida, sim. Mas cheia de amor!” Segundos depois, sem ironias mas ainda com um leve despeito da minha parte, de verdade o que me veio à cabeça foi: eu não sou a pessoa preferida dos meus filhos. Não o tempo todo. E isso me conforta e me alivia.

Conforta-me saber que o pai ocupa o seu espaço nesse nosso rolê familiar. Conforta-me saber que a demanda ou a expectativa sobre mim é a real, a possível, a que posso dar. A que quero dar. Sem atitudes heroicas ou sublimes, sem esperar um sacrifício mais forte do que o inevitável. A gente sabe, não é fácil. Não é cor de rosa ou azul. Há lindezas. Mas também há (muitas) escolhas e perdas.

Quando o mais velho era pequeno e chorava procurando o consolo do pai em primeiro lugar, as pessoas me olhavam acusatórias, como se eu fosse menos mãe (“menas main”, como o meme que corre por aí. O que, no caso, eu sou mesmo). E eu tinha que ouvir piadinhas e ironias de um monte de gente que não se dava conta da loucura que é pressupor que uma mulher deixa de ser boa cuidadora quando o pai o é! Como se ela “perdesse pontos”.

Mãe não é onipresente, onipotente e onisciente. E quanto me doi ouvir frases do tipo: “onde está a mãe dessa criança que não viu isso?”, não apenas pra mim, mas pra todas as mulheres. Nem sempre a culpa é nossa, minha gente! Há mais pessoas nessa equação. Mais pessoas que podem e devem olhar, cuidar, proteger. E o quanto ainda temos que caminhar pra que essa rede se reconheça e se consolide, hein? Para que os cuidados não recaiam, invariavelmente, nos ombros da mesma e única pessoa, no caso, a mãe.

Mas, falando especificamente da minha experiência de maternidade, eu acho que tenho uma relação linda, transparente e cheia de amor com os meus. Sobretudo, honesta. Eles sabem o que esperar de mim. Eles sabem o que posso dar. O que estou disposta a ceder. Eles também me dão. Eles também cedem. Agradeço aos meus filhos por compreender. E ao pai deles por ser tão companheiro.

Nem sempre estou disponível pra ajudar nas tarefas. Nem sempre gosto de acordar cedo para acompanhá-los no sábado esportivo da escola. Aliás, para qualquer programação matutina eles raramente podem contar comigo. Mas eles sabem também que sempre, sempre estou disposta pra conversa. Menos de manhã cedo. Ops.

Eles sabem que posso ouvi-los sobre qualquer coisa, sem julgar. Quando muito, orientar. Que posso rir do que é risível e que às vezes até um erro ortográfico na prova pode me fazer gargalhar e me tornar cúmplice. Desculpe. Eu faço isso as vezes. Tem coisa que eu deveria botar uma cara casmurra, mas não consigo. Eu rio. Simplesmente.

Sou capaz de abraçá-los e ficar vendo TV o dia inteiro com eles no momento da febre. Mas esqueço a hora do remédio. Sou aquela que pergunta se o mais velho escovou os dentes e passou desodorante. Todos os dias. Mas sou perfeitamente capaz de deixá-lo ir pro colégio sem tomar banho.

E sem poetizar muito, já fiz uma bacia de pipoca e dei de janta uma vez. Tá legal, algumas vezes. E escondo chocolate na bolsa pra não ter que dividir com eles.

E se esses parecem apenas exemplos anedóticos, o que quero dizer é que essa é a mãe que posso ser. A que quero ser. Que erra. Que fraqueja. Que cede. Mas, que cobra. Que é egoísta. Que luta. Que se cansa. Que tem preguiça. Que é gulosa. Que tem desejos e expectativas mais além deles e que nem sempre os incluem. E que não tem absolutamente nenhuma pretensão em ser super.

Nesse dia das mães, beijos nos meus filhotes e no pai deles por me compreenderem e estarem comigo nesse caminho.

E beijos especiais nos filhos de Claudia Silva Ferreira e Fabiane Maria de Jesus, que perderam suas mães para a barbárie. Beijos enormes para Maria de Fátima da Silva, mãe do Douglas (o DG), e Maria de Oliveira, mãe do Bruno, que para quem não se lembra, morreu vítima de um ataque homofóbico na rua Augusta, como tantos outros antes e depois dele. Quisera eu poder abraçá-los hoje. E consolá-los nesse dia que pra tanta gente é de celebração e alegria. Mas, acredito, não pra eles. Não pra elas.

Tantas Marias sem seus filhos…

 

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