Danyele Soares – Enviada Especial Agência Brasil
O sol forte durante praticamente todo o ano e as numerosas e belas praias são os principais atrativos da capital cearense. Algumas pessoas, entretanto, buscam a cidade como destino do turismo sexual e contribuem para o aumento da exploração de crianças e adolescentes. Em alguns locais, como à beira mar e no entorno da Arena Castelão, um dos palcos da Copa do Mundo, é fácil ver o problema. Nas ruas ao redor do estádio, meninas com o corpo ainda em formação são abordadas por homens em carros e caminhões. Com a infância interrompida, as garotas perdem as expectativas de futuro, na opinião da travesti Amanda, que foi vítima desse crime. A falta de dinheiro em casa levou a jovem a sair da escola e ficar na rua quando tinha apenas 13 anos. Hoje, com 26, ela conta que há muitas crianças na mesma situação.
“Eu acho que já chegou a hora do meu sonho, eu queria arrumar um emprego e sair dessa vida, mas é muito difícil porque quando a gente era mais nova, a gente não estudou”, diz Amanda
Na tentativa de mudar esse cenário, a Associação Barraca da Amizade tem cursos e oficinas para vítimas da exploração sexual. A equipe também vai às ruas para abordar crianças e adolescentes, mas é preciso desenvolver um trabalho de confiança. Por isso eles percorrem o entorno do Castelão todas as semanas. Algumas garotas, por serem menores de idade, evitam a equipe. Mas eles persistem. Depois de alguns encontros, algumas meninas já os cumprimentam pelo nome e pedem ajuda.
A coordenadora da busca ativa, Ivania de Andrade, conta que as meninas, em geral, têm escolaridade baixa e encontram-se em situações de vulnerabilidade.
“Geralmente estão sem estudar, escolaridade muito baixa. Às vezes nem certidão de nascimento [elas] têm. São muitas situações de vulnerabilidade. A gente encontra pessoas em situação de exploração, a família da pessoa e as pessoas que estão próximas a ela também. A gente gostaria de tirar essas pessoas da situação de exploração e aos poucos fazer um encaminhamento.”
Uma das meninas encontradas não revelou a idade, mas a equipe da associação acredita que ela tenha 14 anos. Desconfiada, ela não quis conversar muito com a reportagem, mas contou que, apesar dos riscos de violência, não sente medo.
Com a chegada da Copa do Mundo, há a preocupação de que o problema aumente com a circulação dos mais de 400 mil visitantes – 65 mil estrangeiros – esperados para a capital cearense, de acordo com o Ministério do Turismo.
Para Magnólia Said, do Comitê Popular da Copa de Fortaleza, é preciso que o Poder Público e a sociedade trabalhem juntos para combater a exploração. Segundo ela, muitas meninas estão saindo do interior em busca do príncipe encantado que esperam encontrar durante a competição. Por trás disso, há o sonho de melhores oportunidades.
“Como vem muito turista, a Copa é um convite para as mulheres solteiras de 12 a 30 anos. É nesse momento que ela espera encontrar o príncipe encantado”, destaca Magnolia.
A prefeitura preparou um plano de ação para combater o problema durante o Mundial. Serão 120 educadores nas ruas para conversar com turistas e moradores. A presidenta da Fundação Municipal da Criança, Tânia Gurgel, explica que também haverá uma central de atendimento específica para denúncias durante os 30 dias de competição. Por isso, as equipes pedem a parceria da sociedade.
“Existe uma lógica nessa questão do abuso e da exploração sexual. E há parceiros que são fundamentais e que precisam compreender isso. Taxistas, vendedores do centro e da beira-mar, esse pessoal todo precisa ser motivado a defender essa questão”, diz Tania.
Um desses parceiros é a Associação Recreativa e Esportiva para Crianças (Arca). A organização ensina os pequenos por meio do esporte. A proposta é estudar português e matemática de forma lúdica. Além disso, os mais de 170 participantes do projeto, que vivem na periferia de Fortaleza, aprendem sobre direitos e deveres. Para a coordenadora executiva da instituição, Milza Raadsen, a exploração é combatida quando se oferecem oportunidades às famílias. Ela aponta o esporte como um dos caminhos.
“Eu acho que o povo brasileiro está aprendendo que o direito ao esporte não é o direito a jogar futebol, o direito ao esporte é o seu direito ao lazer, é o seu direito a ter um dia que você possa ir ao parque com seu filho, você possa ir ao cinema”, defende Milza.
Raiane Marques, de 12 anos, já aprendeu no projeto que as crianças têm direito a estudar e brincar. A menina, que sonha em ter um salão de beleza, sai de casa arrumada para ir à Arca. Ela diz que fica alegre quando vai ao projeto por aprender coisas novas e encontrar os amigos.
“A gente brinca de jogar pega… Como é esse jogo? A gente bota a fita e começa a jogar, sai todo mundo correndo um tem que pegar o outro. A gente faz reforço, assiste filme”, destaca a menina.
O projeto que deu origem a esta reportagem foi vencedor da Categoria Rádio do 7º Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, realizado pela Andi, Childhood Brasil e pelo Fundo das Nações Unidos para a Infância (Unicef).