Seca chegou bem antes do período tradicional de estiagem e população já teme até o fim do Rio São Francisco
Luiz Ribeiro – Estado de Minas
Pirapora, Várzea da Palma, São Francisco, Januária, Pedras de Maria da Cruz, Itacarambi, Matias Cardoso e Manga – Os antigos moradores das ilhas do Velho Chico já viram o rio correr limpo e preservado e com muitos peixes. Mas isso ficou só na lembrança. Ao longo dos anos, eles testemunharam a degradação descer pela corrente. Agora, assistem a uma drástica redução do volume de água do São Francisco, o que é tido como algo assustador, pois normalmente isso só ocorre de julho a setembro, no período crítico da estiagem. Neste ano, o “secamento” foi antecipado por causa da falta de chuvas no primeiro trimestre e da redução da vazão da usina de Três Marias (de 500 para 200 litros por segundo).
Moradores das ilhas já temem até o fim do São Francisco e perdem sono com a situação, pois não sabem viver sem o rio. A preocupação é manifestada pelo pescador Ermínio Rodrigues dos Santos, de 62 anos, pai de sete filhos, um dos moradores da Ilha do Corujo, no município de Pedras de Maria da Cruz. Sua simplicidade não o impede de constatar que a construção de represas e a retirada indiscriminada de água para irrigação são fatores que mais contribuem para matar o Rio da Unidade Nacional. “De onde só tira água e não põe, a água só pode acabar. Se Deus não tiver dó, este rio só vai diminuir cada vez mais”, alerta, em um misto de tristeza e impotência.
Ao percorrer quilômetros ao longo do Velho Chico, a reportagem do Estado de Minas constatou vários flagrantes de danos ambientais. Um dos mais comuns é a destruição de matas ciliares, denunciada pelos rebanhos pastando perto das barrancas. Em vários pontos surgem imensas áreas secas no meio do rio, as chamadas “croas”, que, conforme os antigos moradores, aumentam a cada ano, devido ao assoreamento. É ele que também faz com que o rio fique cada vez mais raso. A redução dos cardumes é outra triste realidade, dificultando a vida de quem depende da pesca para viver.
Entre esses, Ermínio tem boas recordações dos tempos que o São Francisco era preservado. “Antigamente, a vida da gente era sofrida do mesmo jeito. Só que o rio tinha peixe, e com fartura”, recorda o pescador. Enquanto os recursos naturais vão minguando, ele reclama do esquecimento a que historicamente ficam relegados os ilhéus do Velho Chico: “Se vem alguma verba ‘lá de cima’, em vez de passar para minha mão ou de outra pessoa, chega para as prefeituras. Mas eles desviam da gente. Não tem como a gente receber nada”.
O agricultor Joselito da Silva, de 64, da Ilha dos Balaieiros, também se diz assombrado pelo fato de ver o Rio São Francisco secando muito antes do período crítico da estiagem. “Antigamente, o rio ‘vazava’ (reduzia o volume) no tempo certo. Agora, está tudo mudado. Para mim, isso é o fim das eras”, diz ele, temendo o apocalipse em sua casinha de pau a pique.
IGUALADOS PELA POBREZA
Além do isolamento, a extrema carência é outro fator a igualar os moradores das ilhas do São Francisco. As famílias retiram sustento da pesca e de pequenas lavouras. Quem conta com a sorte de obter alguma sobra do que colhe não consegue vender o excedente, pela dificuldade de levar os produtos ao comércio mais próximo. Por essa razão, muitos sobrevivem do que recebem do Programa Bolsa-Família.
“O governo tem que mandar mais ajuda para a gente. O que sobra para o pessoal das ilhas é só migalha”, lamenta Gentil Gonçalves Pinto, presidente da Associação dos Ribeirinhos do Rio São Francisco de Pedras de Maria da Cruz. Segundo ele, há cerca de 100 famílias vivendo em ilhas e nas vazantes do rio no município.
“Aqui falta tudo. Para tudo tem dificuldade”, diz o lavrador Valdeci Ferreira da Silva, de 54, na casa de pau a pique, onde vive com Maria Nazaré Lima, de 29, na Ilha da Capivara, município de Pedras de Maria da Cruz. Das sete crianças na casa, quatro são filhas de Maria Nazaré com o antigo companheiro, que a abandonou. Todas foram assumidas por Valdeci e são criadas junto com a mulher, que recebe R$ 394 do Bolsa-Família.
Uma das barreiras que famílias como a deles enfrentam é a dificuldade para conseguir atendimento médico. “Aqui é assim: se adoece alguém e é caso de precisar de médico rápido, a pessoa morre”, diz Valdeci, referindo-se à demora da viagem da ilha até a sede de Pedras de Maria da Cruz – 10 quilômetros que custam em torno de uma hora a bordo do “rabeta”. “O problema é que, chegando lá, a gente ainda tem que esperar muito”, observa.
Também na ilha da Capivara o sofrimento é a marca da vida de Neide Pereira Lima, de 31, que “não tem leitura”, não tem marido e é mãe de seis filhos. Neste ano ela plantou uma pequena roça de milho. “Mas, por causa do sol, não deu nada, não”, reclama ela, que mantém a prole com os R$ 394 do Bolsa-Família. Dinheiro que não basta para tantas bocas. “A gente passa necessidade, sim”, admite ela, que mora em uma casinha de três cômodos, de pau a pique. No dia em que recebeu o EM, Neide servia arroz e macarrão para a criançada. A água usada pela família é apanhada no São Francisco e transportada em carrinho de mão. Banheiro ali é luxo desconhecido e ninguém estranha de precisar ir “ao mato” para fazer as “necessidades”.
Em iguais condições vive Rosileide Batista Pinto, de 35, mãe de cinco filhos, moradora da Ilha da Ingazeira, em Manga, divisa com a Bahia, que sobrevive com R$ 230 que diz receber do Bolsa-Família. Nos últimos tempos, trazer água do rio ficou mais difícil. Com a seca, o braço onde a mulher apanha água fica mais longe a cada dia. Se ele secar de vez, a mulher será obrigada a se deslocar mais de 600 metros para se abastecer no canal principal.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.