Indígenas deixam comunidades e acampam em São Gabriel da Cachoeira (AM) em condições precárias

LOGO ISAEquipe Programa Rio Negro, no ISA

Os períodos de férias escolares em São Gabriel da Cachoeira, noroeste amazônico, têm sido marcados nos últimos anos pela crescente presença de famílias das etnias Hupd’äh e Yuhupdëh. Elas vêm dos rios Tiquié e Papuri, de seus afluentes e do igarapé Japu em busca do acesso aos benefícios sociais (aposentadoria, bolsa família e auxílio-maternidade). Os que já acessaram os benefícios vêm sacar dinheiro e comprar mercadorias. A abertura de uma agência do INSS este ano e os mutirões de documentação realizados em área, em 2013, foram estímulos adicionais à descida dos Hupd’äh e dos Yuhupdeh. Entre janeiro e fevereiro de 2014, estima-se que cerca de 400 pessoas destas etnias ocuparam acampamentos nas imediações do porto Queiroz Galvão, localmente denominado de “beiradão”, em condições insalubres e com alta incidência de malária.

Boa parte das populações Hupd’äh e Yuhupdeh não domina a língua portuguesa nem os modos de interação das instituições locais responsáveis pela emissão de documentos e pelo acesso aos benefícios. Estas, tampouco procuram adaptar-se para incorporar as demandas destas populações. A fome, a doença e as não raras mortes de crianças desnutridas são parte deste cenário, incluindo-se nele situações de violência, endividamento junto aos comerciantes locais, que permanecem em posse de seus cartões e o roubo de suas embarcações e motores, o que muitas vezes inviabiliza a volta para as comunidades.

Por conta dessa situação, pesquisadores e antropólogos que atuam com essas etnias na região aproveitaram reunião do Conselho Diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)para relatar levantamento realizado recentemente com as etnias Hupd’äh e Yuhupdëh no “beiradão” de São Gabriel da Cachoeira, apontar alguns desdobramentos e requisitar apoio da Foirn para as futuras iniciativas. (Leia aqui a carta na íntegra).

Na tentativa de amenizar a situação de caos, a equipe do DSEI (Distrito de Saúde Especial Indígena), com acompanhamento direto da assistente social Ana Paula Lima, realizou o atendimento à saúde, abrangendo vários acampamentos. A diretora presidente da Foirn, Almerinda Ramos, e o antropólogo Bruno Marques fizeram um levantamento de todos os acampamentos, da quantidade de famílias, dos motivos da descida para a cidade e dos problemas enfrentados até então, estabelecendo um quadro das demandas dos Hupd’äh na cidade. Este levantamento serviu de base para pensar um planejamento interinstitucional de assistência a eles na cidade, proposto por Domingos Barreto, Coordenador Regional da Funai, integrando o DSEI, a Foirn e a Prefeitura (CRAS).

Foi entregue ao prefeito da cidade, Renê Coimbra, a solicitação de construção de uma casa de apoio específica para a etnia Hupd’äh na sede do município. O documento, elaborado pelos professores Hupd’äh Severiano Salustiano e Tereza Saúva, reproduz o discurso comum desse povo, a respeito da cidade: “O interesse dos Hupd’äh na cidade não é permanecer aqui, mas apenas resolver problemas de documentação, cartões bancários e de programas de assistência social, receber dinheiro, comprar alguns pertences encontrados apenas aqui, e voltar rapidamente às nossas comunidades. Os professores e os agentes indígenas comunitários de saúde por vezes vêm à cidade também para resolver questões relativas aos seus trabalhos. A cidade não é para os Hupd’äh, pois aqui tudo funciona com dinheiro, mas precisamos comprar algumas coisas que só existem aqui, por isso precisamos de uma estrutura que nos possibilite passar apenas o tempo necessário na cidade, não prolongando a estadia e o sofrimento”.

Para os antropólogos Bruno Marques e Danilo Ramos a descida dos Hupd’äh e dos Yuhupdëh para a cidade deve ser entendida como um processo político por meio do qual, ao seu modo, eles ocupam as instituições e colocam as suas demandas, requisitando visibilidade.

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