Forças Armadas ganham nova chance de demonstrar apreço pela democracia

Amorim e os chefes das Forças Armadas: compromisso democrático do ministro não é seguido por subordinados
Amorim e os chefes das Forças Armadas: compromisso democrático do ministro não é seguido por subordinados

Exército, Marinha e Aeronáutica não têm feito esforços para corresponder a apelos de colaboração para explicar o que ocorreu no passado. Ignorar pedido da Comissão da Verdade terá significado grave

por Redação RBA

São Paulo – O pedido oficial da Comissão Nacional da Verdade para que as Forças Armadas colaborem com o processo de investigação dos crimes cometidos pela ditadura simbolizam uma nova chance para que Exército, Marinha e Aeronáutica demonstrem comprometimento com a democracia brasileira. Embora evitando críticas diretas, os integrantes do colegiado enviaram sinais de que falta maior disposição de um setor fundamental para elucidar os fatos do passado. A divulgação, esta semana, da existência de sete centros de tortura nos quais pode haver documentos relevantes e depoimentos sobre o modus operandi do regime autoritário.

Perto do encerramento das atividades da comissão – o relatório final será apresentado em dezembro deste ano –, o posicionamento dos militares ainda fica a dever. A resistência já era esperada e estava anunciada desde muito antes do surgimento da Comissão da Verdade, quando ainda se debatia como funcionaria o trabalho de apuração de crimes cometidos pelo Estado. Ato simbólico, os três comandantes das Forças Armadas se recusaram a aplaudir o discurso de Dilma Rousseff na cerimônia de posse dos membros do colegiado.

A integrante da Comissão Nacional da Verdade Rosa Cardoso lamentou, em entrevista à Carta Maior, o baixo envolvimento dos representantes das Forças Armadas na apuração das violações aos direitos humanos ocorridas na ditadura. A advogada ressaltou que o pedido de perdão das Forças Armadas seria uma posição “civilizada e democrática”, esperada quando passados 29 anos do fim do regime. Entretanto, Rosa destacou que, ainda assim, Exército, Marinha e Aeronáutica insistem na versão de uma revolução para salvar o país do comunismo.

“Até hoje os militares escondem o que ocorreu, nas escolas militares segue se estudando uma versão fantasiosa do que aconteceu. Chama a atenção a capacidade que têm de fabricar histórias e de mantê-las ao longo do tempo. Devem deixar de dizer coisas inverossímeis. Eles continuam com a farsa do suicídio de Vladimir Herzog e a versão absurda de que Rubens Paiva morreu em um enfrentamento. A Constituição de 1946 fez com que as Forças Armadas assumissem um papel como poder moderador, uma visão que ainda perdura na corporação. Volta e meia algum general enuncia essa ideia. O general Leônidas Pires ainda repete que as Forças Armadas não deveriam estar submetidas ao poder civil”, disse à Carta Maior.

Para o analista político da Rádio Brasil Atual, Paulo Vannuchi, as instituições militares têm uma grande oportunidade de “separar o joio do trigo”. O ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República defende que a colaboração das Forças Armadas nas investigações jogaria a favor do fim da imagem de entidades antidemocráticas. “Espantosamente, as três armas não se apressam em se deslocar para dizer: eles [os militares envolvidos em tortura na ditadura] foram torturadores. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica não são torturadores”, disse.

Os centros de tortura do período eram custeados com dinheiro público e mantidos por oficiais das Forças Armadas. Vannuchi explicou hoje (20), em seu comentário, que parte do processo de tortura pode ser desvendado pela comissão por meio do acesso às Folhas de Alterações – documentos que registram eventuais promoções, punições, advertências, licenças de saúde, e transferências ocorridas na carreira do militar.

Caso a Comissão Nacional da Verdade não tenha acesso a esses documentos, o analista político acredita que os militares estarão abertamente se opondo ao avanço das investigações. “Eu não acredito que todos os documentos da repressão tenham sido preservados. Claro. Os criminosos apagam as impressões digitais e os rastros dos seus crimes. Apagaram muitos, queimaram muitos, mas não queimaram todos”, argumenta. A seguir assim, avalia, “será inevitável que não haja uma menção muito clara que os trabalhos foram limitados pela decisão das Forças Armadas de não cooperarem com a investigação na abertura do relatório final da comissão”.

A visita dos integrantes da Comissão da Verdade ao ministro da Defesa, Celso Amorim, é mais uma das tentativas de aproximação com os militares. Para Vannuchi, ainda que Amorim reafirme o interesse do ministério em colaborar com a averiguação e oferecer as informações necessárias, os escalões subordinados constitucionalmente ao ministro e à presidenta Dilma Rousseff não parecem tão dispostos a ajudar, mesma linha defendida por Rosa Cardoso: “É preciso que as Forças Armadas façam uma autocrítica política sobre seu comportamento”, afirma a integrante da CNV.

Avanços

Ainda que o cenário seja de distanciamento por parte das instituições militares, este início de ano tem sido alvissareiro na busca pela reparação dos erros do passado. Na última semana, o Ministério Público Federal (MPF) abriu nova ação para investigar o atentado ao Riocentro, planejado por militares, no Rio de Janeiro. O MPF criminalizou a ação de cinco militares e um delegado envolvidos, em 30 de abril de 1981, na explosão de uma bomba no estacionamento do local no momento em que estavam reunidos cerca de 20 mil jovens em comemoração ao Dia do Trabalho.

O ex-chefe do Serviço Nacional de Informações Newton Cruz confessou aos procuradores da República do grupo Justiça de Transição, que apura crimes políticos da ditadura, que soube que o ataque ocorreria. Para o general reformado, o MPF do Rio de Janeiro pede pena de 36 anos e 6 meses.

Em São Paulo, o coronel reformado do Exército Erimá Moreira relatou à Comissão Municipal da Verdade, na última terça (19), que foi testemunha do suborno do comandante do Exército Amaury Kruel pelo então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Raphael de Souza Nochese, em 1º de abril de 1964. Segundo Moreira, Kruel – aliado do presidente João Goulart – recebeu US$ 1,2 milhão para apoiar o golpe civil-militar no Brasil.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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