Tania Pacheco, com informações de Luiz Henrique Eloy
Socializo a justa e irrepreensível decisão da Juíza Federal Raquel Domingues do Amaral reconhecendo a responsabilidade da União pela retirada dos Guarani Ñandeva de Yvy Katu de seus territórios tradicionais e pela indevida titulação da área em nome de terceiros. A decisão igualmente determina o bloqueio de recursos orçamentários alocados para a indenização dos portadores de títulos de imóveis adquiridos da União ou do então estado de Mato Grosso, incidentes no Território Indígena de Ivy Katu, e que, por não terem sido utilizados até a presente data, iriam cair em exercício findo.
Na decisão, a Juíza ratifica todas as denúncias do Ministério Público Federal, quanto ao fato de a titulação ter tido por base o decreto 67.870/70, que criou o “Projeto Integrado de Colonização de Iguatemi”, dividindo o território indígena em pequenos lotes, ao mesmo tempo em que removia seus ocupantes originais para uma área restrita, chamada de Aldeia Campo Lindo, sem qualquer tipo de consulta e independente de suas vontades.
No seu despacho, Raquel Domingues do Amaral critica a inércia das autoridades, ao mesmo tempo em que aponta a inquestionável tradicionalidade do território em questão, numa situação que põe em cheque a própria credibilidade do Estado brasileiro. Assim, decide garantir a devida indenização aos portadores de títulos adquiridos de boa fé, ao mesmo tempo em que responsabiliza o estado por estar “na cômoda posição de Pilatos ante a tragédia iminente”.
A União, segundo ela, fere assim um dos objetivos mais caros da República, que seria o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Considerando o reconhecimento, pelo próprio Ministério da Justiça, do direito dos Guarani Ñandeva de Yvy Katu aos 9.494 hectares reivindicados, o direito ao ressarcimento daqueles que adquiriram títulos de boa fé, o acirramento do conflito e a omissão do Estado, que nos compromete nacional e internacionalmente, a juíza determinou, pois, o bloqueio dos valores a serem utilizados para a desintrusão das terras e o cumprimento imediato de sua decisão, sob pena de condenação a pagamento, pela União, de multa no valor de R$ 1 milhão de reais.
Parabéns ao Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul e à juíza Raquel Domingues do Amaral, que honra a Justiça. Abaixo, o documento na íntegra.
São decisões como esta, de uma justiça corajosa e independente, como foi também o voto do Ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da TI Raposa Serra do Sol, que nos enchem de orgulho e esperança no futuro deste país, ‘multi-racial’ e ‘pluri-cultural’.