Daniele Silveira, de São Paulo (SP), no Brasil de Fato
Francisco de Assis Araújo, o “Xicão”, foi assassinado em maio de 1998 em crime encomendado por fazendeiros do município de Pesqueira (PE). O indígena foi um dos principais responsáveis pela organização do seu povo na luta pela terra.
Desde então, passaram-se 15 anos e os conflitos por terra continuam vitimando os povos tradicionais. Levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) registra 563 assassinatos de indígenas no Brasil entre 2003 e 2012. O número corresponde a uma média de 56,3 mortes por ano.
Xicão foi sucedido pelo filho Marcos Xukuru, atualmente integrante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Ele vê 2013 como um ano de perdas de direitos e de fortalecimento dos interesses mercantis sobre o uso da terra.
“Eu venho do estado de Pernambuco. Sou filho do cacique Xicão que foi assassinado em virtude da luta pela terra. Assumi o cacicado com 21 anos, depois que meu pai foi assassinado. Então, vai fazer 13 anos que estou à frente do povo Xukuru respondendo juridicamente dentro do modelo de organização sócio-político nosso.”
Desde o início da trajetória na defesa de seu povo, Marcos Xukuru convive com a violência cotidianamente. Em 2003, o cacique sofreu um atentado, e dois índios que o acompanhavam foram mortos.
Ataque às garantias legais
A ofensiva contra os indígenas se dá por várias frentes. Nas comunidades, são constantemente atacados por capangas que se utilizam de truculência para expulsá-los de territórios tradicionalmente ocupados. Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional tramitam centenas de proposições que atacam a diversidade cultural e ambiental dessa população. Xukuru identifica a bancada ruralista como a principal vilã nessa disputa desproporcional.
“Hoje a gente não tem Parlamento favorável aos povos indígenas. A bancada ruralista veio com muita força esse ano tentando a todo custo paralisar os processos de demarcação das terras indígenas, criando proposições legislativas que atacam diretamente esses direitos, como a PEC 215. A portaria 303, que aí já é do Executivo, mas agora nós temos o PLP 227. São várias proposições legislativas que vem atacando e causando muitos transtornos às nossas vidas”, relata Xukuru.
A tramitação na Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 foi alvo de diversos protestos durante o ano. A proposta transfere para o Congresso Nacional a competência para aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Atualmente essa função cabe ao Poder Executivo.
Também no ataque ao direito dos territórios tradicionais está a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU). Publicado em julho de 2012, o documento tem entre os seus principais pontos a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas.
A norma teve como base as condicionantes incluídas na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento do caso de demarcação da Raposa Serra do Sol, realizado em 2009. Em votação no mês de outubro no Supremo Tribunal Federal, a maioria dos ministros decidiu que as condicionantes aplicadas ao caso Raposa Serra do Sol não podem ser aplicadas em outros processos demarcatórios. Os indígenas reivindicam a revogação da Portaria 303.
Ainda consta contra os direitos indígenas iniciativas como o Projeto de Lei Complementar (PLP) 227, que aponta exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras tradicionais, em caso de relevante interesse público da União. Entre tais exceções está a exploração desses territórios tradicionais pelo agronegócio, empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal.
Aposta na mineração
Diante de tamanha ofensiva, os povos indígenas denunciam o não cumprimento das obrigações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento, do qual o Brasil é signatário, determina a consulta prévia dos índios para qualquer intervenção que os afetem.
O projeto de Lei (PL) 1.610, que autoriza a mineração em terras indígenas, também é questionado pelo movimento indígena. Sobre a questão, que tramita na Câmara dos Deputados, Marcos avalia que o PL é voltado para atender os interesses empresariais. Ele destaca que as comunidades têm discutido sobre a mineração em seus territórios e que uma proposta sobre a questão está inclusa no Estatuto dos Povos Indígenas apresentado ao Congresso Nacional.
“Então, por que eles não aprovam o Estatuto dos Povos Indígenas, que está também junto nesse processo há mineração em terra indígena? Mas eles não querem. Eles querem fazer algo de modo que seja apenas da forma que eles entendem. Assim, atendendo só a questão das mineradoras, os empresários. E não atende evidentemente aquilo que nós temos colocado enquanto movimento indígena”, denuncia Xukuru.
Um estudo da Comissão Pró-Índio de São Paulo divulgado no dia 18 de abril alertou que a mineração é a principal atividade que ameaça a maioria das terras indígenas analisadas. A pesquisa ainda apontou além da extração de recursos minerais, obras de infraestrutura, expansão do turismo e especulação imobiliária como outras ações que ameaçam as comunidades.
Frente ao modelo econômico adotado no país, dependente do agronegócio e na exportação de matéria-prima, os indígenas enfrentam problemas nas demarcações de terras. Em alguns casos as terras não foram devidamente demarcadas, pois não consideraram efetivamente a ocupação tradicional. Além disso, terras já demarcadas sofrem muitas pressões porque possuem riquezas. Sem o reconhecimento oficial das comunidades, não há acesso aos serviços públicos. O Ministério Público Federal (MPF) já registrou vários casos em que povos indígenas não recebem atendimento.