Os Waimiri-Atroari e as empreiteiras

Renan Albuquerque – Amazônia Real

As ligações entre Estado e empreiteiras têm sido aprofundadas nos últimos 20 anos no país de tal maneira que diretores e/ou dirigentes de grandes conglomerados acabam por assumir funções no Executivo, o que tem tornado a relação entre público e privado inconclusiva. A ocupação de cargos comissionados a partir de indicações, sem escolha por concurso ou seleção pública, dá margem a se questionar a credibilidade das tomadas de decisão no âmbito nacional — e na Amazônia não é diferente.

Um caso controverso, dentro da perspectiva, ocorreu no bioma no contexto da área de influência da Terra Indígena (TI) Waimiri-Atroari/AM, ao largo da BR-174 (que liga Manaus a Boa Vista). Em 1992, a Paranapanema, que durante muitos anos explorou minério nessa TI e depois vendeu sua firma ao grupo Minsur, do Peru, afirmava enfrentar dificuldades financeiras. Todavia, elas foram amenizadas com singularidade exatos 12 meses após um dos empresários acionistas do grupo ter se desligado da função para assumir o cargo de vice-governador do Estado do Amazonas.

Instigante notar que em 1985 a megaempreiteira anunciava ser sua rentabilidade nove vezes superior à taxa média obtida por demais empresas brasileiras do ramo, contrastando com a situação de insegurança anos depois. Em 22 de dezembro de 1992 foi efetivada a venda da Paranapanema para um consórcio liderado pelos fundos de pensão Previ (do Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Aerus (Varig), Sistel (Telebras), FPS (Fundo de Participação Social do BNDES) e Telos (Embratel). O negócio foi a salvação de um grupo que se afirmava com amplas dificuldades financeiras na época.

O empresário alçado a vice-governador no mandato de Amazonino Mendes era acionista da Mineração Buritirama S/A (ou Butirama, como constam em alguns documentos), com 33% do seu capital, ou 233.333 ações ordinárias, o que equivalia em 1994 a algo em torno de R$ 2.250.000, acionista da Paranapanema S/A, com 74.394.305 ações ordinárias, equivalendo a R$ 1.539.000, e ainda acionista da Cia. Paulista de Ferro Ligas, com 464.300.000 de ações, equivalente a R$ 506.000, segundo declaração de bens postada na Justiça (1).

Em 07/03/1995, no Senado Federal, durante pronunciamento, o senador Ernandes Amorim (PDT/RO) denunciou a Paranapanema por suspeita de favorecimento, que teria ocorrido em 1988, segundo o político. “O lobby, entre outras conquistas imorais, obteve do Diretor do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) portaria que obrigava os garimpeiros de meu município [Rondônia] a venderem a própria produção mineral exclusivamente para o Grupo Paranapanema, instalando-se assim um monopólio de 150 milhões de dólares anuais”, afirmou Amorim (2).

Na mesma linha de questionamento, em 18-10-1992, a Polícia Federal suspeitava que PC Farias cobrava propinas da Paranapanema para manter o monopólio da produção de estanho no Brasil, esburacando a TI Waimiri-Atroari. A PF informou que o nome de José Carlos Araújo, o maior acionista da Paranapanema e citado no caso Nagi Nahas — do estouro das Bolsas de Valores do Rio e de São Paulo — aparecia nos registros dos computadores de PC Farias. Em abril do mesmo ano, quando começaram a aparecer indícios do envolvimento de empresas no esquema de corrupção PC Farias, J. C. Araújo vendeu suas ações e retirou-se do país, indo residir em Paris, na França.

Apesar dos fatos ocorridos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou à megaempreiteira em maio de 2004 um financiamento de US$ 55 milhões para que a firma não pedisse falência e continuasse a explorar a mina na TI Waimiri-Atroari. A notícia teve repercussão no mercado internacional. A cotação de minerais subiu na bolsa de metais em Londres (LME), chegando a US$ 9.020 a tonelada. Em março, havia atingido picos de US$ 7.500. Com a verba, a Paranapanema afastou o risco de fechar a mina diante do esgotamento das reservas no leito do rio, infelizmente para os indígenas.

De fato, entre os episódio descritos, não foi acessada documentação que indicasse qualquer irregularidade efetiva nessas transações, as quais podem ser “linkadas” pela internet e verificadas, e de igual modo nenhuma contemplação de ilegalidade judicial foi sugerida. Tratam-se somente de investigações acerca de casos passíveis de inquietação reflexiva, o que gerou o resgate histórico ora apresentado (3). Nesse ínterim, porém, importa ressaltar que os Waimiri-Atroari se mantêm em busca de compreender em que medida a exploração polimineral em suas terras gerou impactos socioculturais e simbólicos. É uma tarefa difícil, uma ação colossal, em verdade, tendo em vista a revisão de paradigmas e a reconstrução de saberes, mas é uma atividade necessária para que os episódios especificados acima sejam melhor esclarecidos. E ainda, para que os novos projetos de investimento no bioma não sejam tão agressivos quanto foi o caso da Paranapanema e dos índios Waimiri-Atroari.

Notas

1. DECLARAÇÃO DE BENS. Reconhecimento em Cartório. Cartório Leite, 1º Ofício de Notas, 2 de julho de 1998. Por Ronaldo de Brito Leite (Notário). In http://download.uol.com.br/ fernandorodrigues/politicosdobrasil/1998/593-98.pdf. Acessos em 2 abril de 2013.

2. AMORIM, Ernandes. Pronunciamento público de 07/03/1995. In Subcomissão da Amazônia debate empréstimo do BNDES para exploração de minério. Portal de Notícias. Http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2004/03/26/ subcomissao-da-amazonia-debate-emprestimo-do-bndes-para-exploracao-de-minerio. Acessos em 03/02/2013.

3. COMUNICADOS CVM/BACEN/SRF/JUSTIÇA, 1995; SESSÃO DE JULGAMENTO DO INQUÉRITO ADMNISTRATIVO CVM Nº 16, 2000; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2006; DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO, 2011

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